Construindo a “fraude” com palavras: As declarações de Fraga Iribarne

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As declarações de Fraga Iribarne depois das eleições (19-6-2005) sobre uma hipotética “fraude” com o voto dos emigrantes e o 70% dos votos que, pensa ele, conseguirá o PP, colocam vários interrogantes preocupantes. Os comentários respondiam a uma estudada pergunta por parte de uma jornalista:

PERGUNTA: “En estas elecciones es más peligroso que nunca el tema de que se produzca un fraude en el voto de la emigración. ¿Teme el PP que pueda ocurrir esto? ¿Que manipulen los [ininteligível]?”

A resposta de Fraga contém duas partes. Transcrevo apenas a primeira, numerada por segmentos para comentá-la melhor:

RESPOSTA:

1 – “Esperemos que no.
2 – Yo desde luego-
3 – he hablado-
4 – me han llamado desde Uruguay,
5 – me han llamado desde Venezuela,
6 – todos me certifican que (el)-
7 – lo que ha salido de allí
8 – puede ser un setenta por ciento a favor nuestro.
9 – Todo depende de los restos, donde tengan que aplicarse,
10 – pero desde luego el resultado de la emigración ha sido muyyy…
11 – porque nunca, nunca- …”

Na segunda parte, Fraga defende o seu labor, e o do PP, entre os emigrantes galegos.

O discurso revela características particulares que apontam para alguns aspectos planificados previamente. Quer dizer, era esperável que alguém lhe perguntasse algo sobre a limpeza do processo do voto emigrante quando está em questão um escano crucial (o 22 por Ponte Vedra), e Fraga devia estar preparado previamente para responder isto. Isto é natural e provavelmente habitual. Mas as várias reformulações no discurso de Fraga são significativas, como se ele estivesse a procurar a expressão mais atinada ou efectiva para objectivos específicos. Em várias ocasiões, ele detém-se no meio da frase, e reformula o que vai dizer. Este padrão de auto-corrigir-se não se repete claramente no resto das respostas da sua comparecência. Vejamos:

1) “Yo desde luego- “ aponta para a expressão incompleta de uma convicção ou opinião, como “estoy convencido de que”, o “pienso que”. Isto é reformulado.

2) A expressão reformulada “He hablado-“ reforça a evidência do que Fraga vai dizer. Uma cousa é opinar, outra muito distinta é ter “provas” que provêm de experiências. Mas a expressão também fica truncada, e é também reformulada. “He hablado” é ambíguo num sentido: poderia implicar que ele mesmo, ou a sua equipa, chamaram a “Venezuela” ou “Uruguay” para conhecer a situação eleitoral; ou poderia implicar que a iniciativa da chamada surgiu de organizações do PP destes países. Fraga interrompe-se e especifica que são “os seus” (os seus subordinados; ele é presidente do PP) quem o chamaram. Isto é significativo, porque pouco antes na comparecência, Fraga deixara claro que não chamara nem a Touriño nem a Quintana, e que eram eles quem deviam chamá-lo a ele. Na hierarquia, são os subordinados os que devem chamar aos superiores. Da mesma maneira, pareceria debilidade demonstrar que o Presidente da Junta e do PP está a chamar ao seu partido no estrangeiro para interessar-se polos resultados e ver se perdiam ou não, sobretudo quando é ambíguo quem o chamou concretamente. Daí a necessidade de especificar que não foi ele quem chamou (o mais interessado na vitória!), mas os seus subordinados.

Por último, a sequência “desde Uruguay… desde Venezuela…” aponta para uma série incompleta: podemos supor que também “o chamaram” desde mais lugares (como Argentina, onde se encontra a maior parte do eleitorado emigrante), mas sempre de Latinoamérica.

3) A expressão “Todos me certifican que (el)-“ também vai ser reformulada. A conclusão poderia ter sido “el voto” ou “el resultado”. Mas adiante Fraga falará de “el resultado de la emigración”.

4) Fraga passa a reformular o anterior enfaticamente, destacando um contraste entre “allí” e “aquí”. “Lo que ha salido de allí” é o que remeteram os votantes, enquanto o implícito “aquí” é o aparelho administrativo (os correios, etc.), sob responsabilidade do Governo e do PSOE. Evidentemente, nenhum poderia “certificar” a Fraga que o que saíu dos consulados é o 70%. Portanto, Fraga está a referir-se às estimações de voto segundo os seus partidários no estrangeiro. Quanto à escolha do verbo “certificar”, não há qualquer indício para interpretá-lo num sentido literal; pode ser sinónimo de ‘assegurar’, e só destaca a firmeza da “evidência”.

5) “puede ser un 70% a favor nuestro” é uma expressão muito significativa. Os cálculos que se dão estes dias indicam que, com efeito, o PP precisaria em torno do 70% do voto CERA para garantir o escano 22 por Ponte Vedra. Que pode fazer pensar a Fraga que é essa a percentagem que obtivo o PP, quando nas últimas eleições (gerais de 2003) foi menor, e quando acaba de comprovar que o apoio percentual ao PP na Galiza também baixou? Evidentemente, os cálculos do PP (como os dos outros partidos que fizeram comparecências públicas) estavam preparados e debatidos de antemão (um candidato não faz uma comparecência pública sem saber em detalhe como andam as cousas), e Fraga sabe (ou disseram-lhe) que essa é a percentagem segura do voto CERA por Ponte Vedra para alcançar o escano 22.

Um pode imaginar, portanto, que o diálogo do PP galego com “Uruguay” e “Venezuela” foi muito distinto: nalgum momento, o PP galego chamou estes países e inquiriu e destacou, após conhecer os resultados, que se precisaria o 70% dos votos para assegurar esse escano. Poderiam as organizações do PP nestes países (ou outros interlocutores sem especificar) confirmar estas percentagens? A resposta perante “Dom Manuel” foi que sim. Como poderia ser de outra maneira? Como iam reconhecer que não, se era o caso? Mesmo se os informadores de Venezuela ou do Uruguai não confirmaram estes dados, como ia reconhecê-lo Fraga numa comparecência que poderia ser a sua despedida política? Havia que evitar que o fosse.

6) A expressão “Todo depende de los restos, donde tengan que aplicarse” incorpora um matiz novo no discurso: Fraga está a destacar a vitória do PP no voto emigrante no seu conjunto (mais ou menos 70%). Mas, evidentemente, nem o PP galego nem o do Uruguai ou Venezuela podem conhecer em detalhe para que província iriam esses votos. Portanto, Fraga parece deixar a porta aberta a que em Ponte Vedra a percentagem seja menor, porque o que parece estar em questão é esse escano 22. “Todo” (em “todo depende”) significa ‘obter esse escano’. Mas todos sabemos que isto, precisamente, não “depende”: que é em Ponte Vedra onde, ao aplicar o cômputo, se pode modificar o resultado provisório. Ou não só? Pois não só: Fraga pode estar a sugerir também que esse 70% mais ou menos deve dar-se também noutras províncias, como Ourense, onde o PSOE baralha a possibilidade de obter o escano 5 contra o 8 do PP. As palavras iniciais “Espero que no haya fraude” cobram, portanto, um novo matiz: Fraga “esper(a) que no haya fraude” também no que respeita a província de Ourense, pois só com a manutenção deste escano 8 por Ourense poderia o escano 22 por Ponte Vedra dar a maioria absoluta ao PP.

7) Por fim, Fraga matiza o seu discurso e, presumivelmente, começa a destacar de novo o bom resultado do PP: “pero desde luego el resultado de la emigración ha sido muy…”.

8) A partir daí, Fraga começa a segunda parte: Interrompe-se de novo e começa a relatar as acções positivas do PP e dele mesmo na emigração americana. Destaca o apoio para o PP, e critica os outros candidatos. Fraga menciona que talvez o evento mais importante da sua vida fosse um acto multitudinário em Buenos Aires, apresentando-se então mais do que nunca como “filho de emigrantes”.

Significativamente, esta segunda parte talvez constituísse o último acto eleitoral de Manuel Fraga Iribarne, transmitido talvez pola TVG internacional e sem dúvida pola Internet. É um discurso orientado para o exterior, para salvar a sua imagem na emigração caso de perder a maioria absoluta. Mas também parece orientado a captar votos. Captar votos quando já acabaram legalmente as votações? Por que vias?

Em resumo, a intervenção de Fraga Iribarne é preocupantemente ambígua. Apoiado numa pergunta preparada de manual, Fraga procura dar a volta ao que se entende comumente por “fraude” (votar repetidas vezes, substituir papeletas, votar por pessoas mortas, etc.), para sugerir na hipotética “fraude” uma implicação das administrações do Estado e talvez dos Consulados ou do PSOE.

O terreno discursivo está preparado para estes dias: se o PP não obtém em torno do 70% dos votos da emigração que lhe dê o escano por Ponte Vedra, a sombra da “fraude” “aquí” (não “allí”) esvoaçará sobre os resultados. Num debate da TVE2 sobre as eleições no mesmo domingo, Anxo Guerreiro apontou muito atinadamente as implicações desta sugestão de Fraga, só para encontrar que outros contertúlios (Domingo Bello Janeiro e José Antonio Portero Molina) lhe restavam ferro aos comentários de Fraga. Bello Janeiro explicou a íntima ligação de Fraga com a emigração, e Portero Molina não lhe deu “mayor transcendencia” às declarações, acrescentando que Fraga disse o 70% “como podría haber dicho el 60% o no haber dicho nada; yo creo que esto es irrelevante”. O debate sobre este assunto fechou-se, infelizmente, aí: Portero Molina passou a falar da baixa do BNG (comentada por Fraga) e da galeguidade do PSdeG-PSOE.

Obviamente, estas são interpretações. Neste dia, o Discurso ainda progride. Por exemplo, a ênfase dalguns médios nos “8.000 votos” necessários para o PP obter esse escano (uma inexactidão, porque a diferença necessária dependeria do número total de votos emitidos por Ponte Vedra, tanto internos como do CERA) também contribui para esta confusão.

Só com os resultados finais na mão, haverá que ver se o PP, caso de não obter esse escano, aproveita discursiva e politicamente a sombra da fraude. Que os três partidos parlamentares na Galiza e os meios de comunicação estejam a baralhar a expressão “fraude eleitoral” num sentido ou noutro com total normalidade revela uma preocupante concepção do sistema democrático formal. Lembram as eleições USA 2000? Mas já advertim noutro artigo que eu não sou democrata.

O último Iribarne

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Não pertenço a qualquer formação política. Não acredito na democracia. O meu voto nunca deu a vitória a qualquer partido. Não sou politólogo. A minha formação teórica é escassa. Mas fum formado politicamente, lá polos anos 1970, quando ainda existia o ideal comunista e libertário, na convicção de que o que conta são os projectos e os factos, não as individualidades. Infelizmente, a história eleitoral do Reino e da Galiza deu-nos amostras da facilidade com que a gente, órfã de si própria, faz abrolhar como fungos mini-Francos eternizados no poder: Jordi Pujol, Felipe González, Manuel Chaves, Francisco Vázquez, José Castro ou o último Iribarne são apenas alguns exemplos de homens (todos homens) que se aportronaram em diversos Conselhos Directivos de España durante décadas, verdadeiros funcionários da gestão do capital, fieis emuladores do patriarcal princípio monárquico que nos rege. Não sei se as suas gestões na perpetuação da injustiça social foram piores do que outras soluções teriam sido. Mas os itinerários de todos estes homens foram e ainda são exemplos de uma triste, quase histriónica versão da figura do político. Nenhum colectivo humano deveria permitir que uma geração inteira de jovens cresça sob a sombra de um líder no poder durante décadas. Essa ideologia do indivíduo e da testosterona foi sempre caldo dos alçamentos. Nenhuma pessoa que ordene durante tantos anos pode ser trigo limpo. A nossa história e presente monárquico atestam-no.

Não vou fazer qualquer chamamento explícito a qualquer voto. A minha mente e a vossa inteligência não o permitiriam. Mas o que está em jogo no 19 de Junho não é a Galiza, senão a necessária queda das estátuas. A figura que ainda se impõe diariamente sobre nós representa a trajectória das armas. Representa uma tétrica silhueta chinesa sobre a parede do quarto antes do sono. A sua palavra molesta, moldada por um inominável pensamento, invoca os anos mais escuros de todas as pré-guerras, quando se coze o ódio que só favorece sempre os poderosos. O último Iribarne escuda-se no símbolo do macho derrotado entre a manada, a proferir os seus derradeiros estertores ideológicos. O último Iribarne é fiel produto de uma terra penosa que deve morrer.

Antes havia, tínhamos (que estranho soa esse “nós” inclusivo) um ideal. Lembro férteis conversas de unidade com homens (sempre homens) então progressistas, que agora se disputam um pedaço de voto ou uma prebenda oficial. Um, que uma vez há muitos anos me chamou “cristão” (a mim?) quase como um insulto, agora segue fielmente o seu particular messias marxista, cego ao retrocesso que tal isolamento significa. Outro, que dirigia com grandes barbas as nossas reuniões de célula clandestina, é agora pontual analista eleitoral para a direita. Outro que admirava com saudades os generais comunistas do 36 acompanha o último Iribarne nas suas viagens coloniais às Américas. E assim por diante, até cobrir a imensa nómina dos vencidos.

No entanto, foi esquecendo-se a razão utópica que mora irremediável no interior do cérebro humano. E por isso agora periga até o simples derrubo colectivo das estátuas. Já sabemos que botarmos abaixo um homem e um emblema não significa instaurarmos qualquer utopia. É um singelo acto de cordura, uma necessária ablução mental. E, infelizmente, este mês não haverá muitas maneiras para fazer isto. Nomeadamente, só há uma. Já haverá tempo noutros meses para derrubarmos outras estátuas, serrando-lhes as pernas com efeito, como se precisa. Porque, se não acabarmos com esta efígie, um outro mini-Franco e um novo projecto económico, ainda mais brutal, abrolharão em pouco tempo das entranhas da primeira. Quase ninguém fala disto, mas esse projecto chama-se Feijóo, e o seu mundo é perigoso. Engana-se quem pensa que, nesta circunstância concreta, a coerência ideológica de votar no ineficaz (sempre), e portanto de perder a oportunidade do derrubo, revelaria ainda mais contradições no Sistema. Um voto é um aberrante gesto cúmplice, já o sei. Mas às vezes não é louco votar polos traidores. Sobretudo quando, simultaneamente, a pureza ideológica tampouco consegue construir na base a sociedade civil que se precisa.

Por isso, o último Iribarne merece desaparecer pola esquina direita da televisão quando esta percorra os escanos de simples deputados e aí esteja ele, decaído, talvez a perguntar-se pola origem do seu fracasso, a perguntar-se quando começou ele a ser um fantasma de si próprio: Na Falange? Em Palomares? Quando sequestrava a palavra impressa como um triste trapeiro? Num majestoso Parador erguido a vinte metros da miséria? No Paço de Meirás, com o seu pai Francisco Franco? Manipulado polo rei Juan Carlos? À sombra de Arias Navarro? No sangue brutal de Gasteiz? Na crise das vacas loucas? Asfixiado de piche? Onde está o gérmen do longo fracasso do último Iribarne? Por que lhe será tão patética a derrota? Por que aceitaria ser sempre um títere? Quem dos seus o traiu, Pai, como a um Cristo contra-natura? O último Iribarne merece desaparecer do televisor como um apagado mamute, em silêncio, em tons de cinza, sem estátuas a cavalo, sem intensas fotografias, sem amigos, sem controle dos seus próprios actos, recolhido no seu erro.

O Verão anseia uma notícia agradável. Talvez não seja assim, porque afinal só a História escreve os textos. Mas, nalgum momento, será fácil esquecer o último Iribarne. Até para os seus lacaios será um alívio.

Matar a Guerra: Em memória de quatro vítimas

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Quem isto escreve nunca morrerá fulminantemente asfixiado numa manhã de nuvens dentro dum depósito de metal sem oxigénio. Nunca será sepultado dentro de uma máquina de ferro por uma montanha de lixo urbano. Nunca cairá funâmbulo dum telhado onde andava a colocar tijolos para os prédios de milhões de euros. Nunca será intoxicado por insecticida utilizado na limpeza duns grandes armazéns. Quem isto escreve só morreria no seu trabalho esbarrando ridiculamente num papel de exame esquecido no chão, nos polidos corredores do seu edifício oficial, enterrado debaixo duma culta livraria após um enorme terramoto, electrocutado polo estouro dum teclado plástico, infectado pola tinta duma estilográfica deficiente.

Eu nunca serei vítima da Guerra. A maior parte dos que me leiam, tampouco. A maior parte dos outros que escrevam, tampouco. O deputado que perguntará sobre estas mortes nos parlamentos tampouco morrerá de afonia. A polícia do parlamento não matará o deputado díscolo. Os responsáveis das empresas homicidas não serão executados. A Guerra pagará com ouro o sacrifício das suas vítimas, e depois a vida, imagem especular da morte, continuará. E nós continuaremos a pagar os barcos da Guerra. Continuarão a crescer os altos edifícios, os parques de lixo urbano. Continuará a asfixiar-se a força do trabalho em tarefas inumanas. E continuarão a nascer corpos, a imigrarem corpos, para limparem por duas moedas as entranhas das bestas metálicas de Ocidente, para limparem sempre os detritos dos poderosos.

A Guerra produz as suas primeiras vítimas na casa própria, no seu contorno mais próximo, e observa as respostas. É o seu calculado experimento. A Guerra é um preciso projecto, não um acaso. E a morte é um efeito colateral do trabalho assalariado. Desde que a Guerra é isto, foi sempre assim, e sempre continuará a sê-lo enquanto haja Guerra. Porque corpos há muitos. Há milhares, milhões de corpos dispostos a se arriscarem para alimentarem outros corpos. A Guerra sabe que a matéria prima do trabalho nunca é escassa. A Guerra pode escolher a carne, a melhor carne: para as minas de metais preciosos, para as vindimas de frutos circulares, para a construção dos refulgentes prédios, a Guerra escolhe sempre os corpos. E os corpos escolhidos entram nos furados da terra e nos intestinos dos navios para limparem o sangue das feridas. E às vezes os corpos devem suicidar-se por pão, e a Guerra sabe-o.

Por isso a Guerra ganha sempre. Até que a matemos.

España, S.L.

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O problema que tivo o Conselho de Administração de Euskadi Ltd. é que a legislação comercial do cartel España S.L. não permite a separação unilateral dum dos sectores de produção, sobretudo quando este é tão importante que sem ele a empresa ficaria praticamente descabeçada. Ontem, na Junta geral de proprietários de España S.L., ficou claro que comercialmente teria sido melhor para Euskadi Ltd. a estratégia, praticada profusamente há anos durante a época de venture capitalism em USA & Co, Europe Inc. e a própria España S.L., de descolar-se da empresa mãe fugindo simplesmente de noite com a principal carteira de clientes. Afinal, se Euskadi Ltd. fosse capaz de evadir os serviços de segurança por terra, mar e ar contratados consoante o artigo 8 da Constituição Comercial, que garante a integridade da empresa, e fosse reconhecido como partner potencial polas outras empresas mundiais, pouco poderia fazer o resto de proprietários de España S.L. Catalunya Inc. e Irmáns Galicia talvez contemplassem com inveja e preocupação a aventura, enquanto o resto de España S.L. deveria, sem dúvida, aggiornar-se a um novo panorama comercial menos favorável.

Nominalmente, a reunião de ontem foi mais um desses trâmites polos que as Juntas de Proprietários devem passar para aprovarem as cousas mais triviais. Euskadi Ltd. mostrou os dentes, Catalunya Inc. confirmou a sua lealdade ao cartel, um quadro médio de Irmáns Galicia queixou-se de novo do lamentável estado das suas instalações, e a aliança entre os dous maiores sectores proprietários de España S.L., sentados a direita e esquerda da longa mesa de trabalho, continuou a funcionar como desde há décadas, na aparência de confrontação, mas sempre protegida sob o solene retrato do Presidente Vitalício de Honra, Sua Majestade Real, e os de todos os antepassados que possuem o consórcio desde há séculos (fora de temporárias ocupações civis que sempre acabaram desalojados pola polícia). O Presidente do Conselho de Administração, o Sr. Talante, demonstrou que é capaz de dialogar com um presidente territorial sem humilhá-lo. Por contra, o Sr. Mire Uszté, cujo sector é maioria em tantos Conselhos de Administração territoriais, rejeitou veementemente qualquer cissão no cartel (mesmo com posterior aliança comercial), e até ameaçou com uma possível OPA agressiva sobre Euskadi Ltd., contemplada no artigo 155 da Constituição Comercial como tábua salvadora para unificar a política de empresa. E apenas vozes tímidas (como a do Sr. Nosotros Creemos) se alçaram na Junta de Proprietários em favor duma restruturação horizontal do organigrama e duma questionável oferta pública de acções que corresponsabilizasse os próprios consumidores da instabilidade estrutural da empresa.

Contudo, é evidente que algo se move dentro de España S.L. Sofre simultaneamente pressões centrípetas pola sua futura absorção por Europe Inc., fendas centrífugas pola necessidade de expansão dos seus sectores periféricos, que já não respiram com as quotas de mercado cedidas por Madrid, e desconcerto pola recente mudança de sede executiva da rua Génova a Ferraz. España S.L. tem demasiadas filiais com demasiados interesses sectoriais. Por exemplo, o Conselho de Administração de Irmáns Galicia (quer dizer, os quatro irmãos, mais o púdico Presidente eleito, braço direito da Capital antes da modernização de España S.L.) levam anos demonstrando estarem dispostos a mudar radicalmente o seu sector de produção se assim podem manter a titularidade da empresa a qualquer preço. Producsioneh Canariah, por sua parte, é favorável a colaborar no cartel España S.L. com a única condição de preservar a sua imagem corporativa exterior. Facções em alça de Catalunya Inc. continuam a manifestar a sua intenção de absorver as contíguas Distribuidora Valencia e Servicis Illes. E enquanto concessionárias como Andalu & Cía. reclamam também periodicamente parte da torta, outras como Mur Cia. levam anos sem abrirem a boca na Junta de Proprietários. E assim por diante.

Em resumo, tudo isto dificulta o desempenho de España S.L. nos mercados, e coloca a empresa numa situação difícil de administrar com lucidez comercial. Por isso, a campanha de mercado em andamento de España S.L., que culminará com o maciço inquérito de consumo do 20 de Fevereiro, está só desenhada para desviar a atenção dos problemas internos e para preparar a sua absorção por Europe Inc. perante o temor de queda de confiança dos consumidores. España S.L. debate-se assim entre a perda de capacidade de gestão que a sua integração em Europe Inc. acarreta, e as demandas de subsectores altamente especializados que não parecem achar equilíbrio no actual organigrama do conglomerado. O resultado só pode ser ralentização do processo produtivo, custos produtivos crescentes, possível ajuste brutal de planteis, e desconfiança do mercado. Perante esta salada, só algumas vozes críticas sugerem que o mais prudente para a empresa seria rejeitar a fusão com Deutschland Internationale, France Totale e outros cartéis semelhantes, a independização das filiais territoriais, e começar de novo a capitalização desde abaixo. Algumas ousadas organizações de usuários até propõem fórmulas distintas de capitalização. Seja como for, a crise está servida, e quem sofreremos, de novo, seremos os consumidores. Haverá que ir viver a outras empresas. Ou montar um país próprio, sem Capital.

Devastação do corpo

Publicado em Novas da Galiza 26, Janeiro 2005, p. 2

Confesso-o: há semanas começara a escrever para esta publicação um ordenado texto sobre a nação, sobre as nações, quando uma súbita doença de uma pessoa da família e um confinamento quase diário em hospitais fez-me pensar na dura evidência do corpo. Da fragilidade do corpo. Da sua essencialidade. Da sua inapelável realidade. E agora, poucas horas antes do prazo para este artigo, dias depois de corredores de hospital, de contemplar em quartos carentes infinitas tosses de anciãos, inacabáveis laios nocturnos, rostos decaídos, enormes soidades dentro da casca seca da velhice, compreendim que tudo revolve em torno do corpo, que contém a mente, que contém aquele falido artigo sobre as nações que felizmente nunca existirá. E compreendo que a política é a expressão do corpo, que a clara ligação entre um tsunami assassino e a miséria dum trabalho nos sujos arrabaldes da cidade reside na dimensão incombustível do corpo, a nossa única propriedade: a que nos forçam a oferecer como escravos, a que lanceiam os doutores e modernos druidas, a que é matada nas guerras, a que decai nas minas de carvão, nos prostíbulos onde jovens injectadas de morte são penetradas por armas de carne e depois sangram pequenos corpos clandestinos nas lixeiras. Tudo (o amor, a raiva, o trabalho, o sexo, o fruto que chamam a poesia) é a mesma massa de corpo, a mais elementar matéria que possuímos, a que eu alimento para ela alimentar os meus escritos. A humanidade é a matéria universal que é violada a diário por si própria. O corpo, casa do ser, cárcere e campo simultâneos, o corpo que limita.

Por isso, observar desde a mente do corpo o que acontece hoje no mundo só pode entristecer-nos. Algo está profundamente errado quando a mente se cega à miséria do mundo, que é simplesmente a miséria de milhares de milhões de corpos: quando a mente se nega a ver o roubo de uns corpos por outros, o tráfico de cadáveres em vida em que consiste o mundo. Alguma horrível cegueira nos invade quando não compreendemos em que consiste o espólio da força de trabalho, a soidade da pele da velhice que cheira a leite azedo, a penumbrosa prostituição como método, o brutal assassínio nas cozinhas de azeites requeimados e monótonas sopas amarelas. Dia após dia matando-nos o corpo e a mente da humanidade. Dia após dia renunciando à utopia, ferindo a massa orgânica do mundo. Eis a doença inacabável, eis o terror. E nós, cegos, silenciosos.

O Capital, fera imortal como todos os tumores, compra em grandes saldos os corpos, devora-os, devolve-os com outras formas no fumegante caldeiro das usinas, dos talheres clandestinos de lâmpadas poeirentas, no patamar de pensões esfregadas de joelhos com ressessa lixívia. O Capital compra corpos de escravos nas filas do desemprego, nas sonoras praças públicas, nas canteiras onde meninhos de raças magras batem pedras por centavos, nos gabinetes povoados de máquinas plásticas, nos campos arados por antiquíssimo ferro, nos bous que soçobram pálidos cadáveres de olhos muito abertos entre um mar de água e outro de ar. O Capital abre-nos diariamente a mente do corpo e inocula vírus como ideias. E pouco a pouco vamos pensando como Ele. E julgamos que sobrevivermos décadas assim é suficiente para chegarmos vivos até à morte. E assim ao longo da vida o corpo que nos contém vai supurando imperceptivelmente a sua dignidade, e vamos arrojando membros em cada trabalho provisório, e a nossa mente vai ficando em esqueleto de si própria. E o Capital cresce e impõe com a nossa conivência novas cirurgias. E um dia inesperado somos velhos, e nenhum humano lembra já que esse frágil resíduo de nós também faz parte do seu corpo, do corpo e da mente histórica da humanidade.

Por tudo isso, e por muito mais, é obsceno e cínico falar política sem pensarmos no corpo. Sem repararmos no diário latrocínio. Mas não resta muito tempo para ressuscitarmos. Estão a envelhecer todas as utopias. Se não resgatamos o valor do corpo e da mente que contém, se o mundo não reclama com unhas essa mínima dignidade de habitarmo-nos a nós próprios, então por favor não pidamos contas a ninguém, a nenhum dos nossos profetas de artifício. Não protestemos qualquer política, não nos sintamos legitimados a qualquer combate. Pois, se continuarmos assim, com tal docilidade, estaremos comendo-nos a nós próprios mas engrossando apenas a monstruosa anatomia do Capital. A nossa força de trabalho vive só no corpo e na mente que temos, que é um só, que é unicamente uma: provavelmente seja mais digno morrer que malvendê-los. Por isso sempre contra Espanha. Contra a ávida Europa que já espreita. E sempre contra esta forma de Galiza.

Eucaristia

Publicado em Vieiros • No Blogue de Esquerda

O fedor dos corpos apodrecendo começou a fazer-se insuportável quando não havia ninguém para os enterrar. Nos pequenos jardins dos pátios interiores, os débeis sobreviventes cavaram fossas orientadas para Meca até que nem os seus braços aguentavam o trabalho. Por fim, a última pessoa viva da família aguardava num canto escuro da casa a entrada dos soldados estrangeiros com enormes botas, berros e palavrões de salvação cristã. Meninhos magros bebiam água suja dos esgotos, comiam farinha crua, descompunham os seus ventres em qualquer lugar enquanto enxames de helicópteros sobrevoavam as ruínas da cidade. Extramuros, polindo fuzis e tanques, grupos de cruzados entoavam canções ao Salvador, oravam força para o combate. Dentro dos muros, abraçados a fuzis e lança-granadas, mujahedins entoavam canções ao Salvador, oravam força para o combate. Alá era grande e Deus era grande, e polo Leste, polo Oeste, exércitos de esfarrapados que comiam farinha nas ruas furadas da cidade deixavam as famílias para se unirem aos exércitos de suicidas. Porque não havia nada que perder. Nem que ganhar.

Fallujah é apenas um dos nomes actuais que compõem o rosário de massacres em que consiste o latrocínio. Fallujah são três sílabas metafóricas. Anos mais tarde, quando continuemos a redigir estas crónicas desde a velhice que se impõe como uma cobra (depois de décadas de perceber o fracasso, depois de décadas de não querer termos nascido aqui para, simplesmente, ficarmos em frente do ecrã e gritarmos contra todo tipo de mortes), Fallujah lembrará-se clandestinamente entre as poucas pessoas videntes que ainda existam. Mas Fallujah já nunca se poderá conjurar. Como tantos outros lugares na Palestina, nas Américas, no Camboja. Em Mauthausen. Em Cabul. Em Burundi. No Kosovo. Em Sarajevo. No colapso das torres de Nova Iorque. Num comboio de Madrid ou Moscovo. Numa escola da Ossétia. Em todo Nagasáqui. Não há possível comparança para estes nomes. Não se trata dum cômputo de cadáveres: nego-me a justificar rios de sangue com oceanos de sangue, ou o contrário. A quem agora esteja a fazer o cômputo das mortes de um e outro lado, que são o mesmo lado, lembro-lhes o procedimento da metralha nas entranhas: entra tão feroz e tão ardente que a dor não se nota. Em poucos segundos o sangue detém-se nas artérias, o coração pára. Alguém pode contar o que é sentir o próprio coração parado? Provavelmente nuns instantes transcorre toda a vida desgraçada de uma pessoa perante a olhada agonizante. Nesse momento a mente pensará no porquê de tudo isso. Verão-se mitologias salvadoras, túneis de luz ou paraísos. Verá-se um outro inferno, tão semelhante ao quotidiano. E depois mais nada: só uma outra cavidade na consciência dos restantes. Multipliquemos a morte, e multipliquemos assim a vesânia. Mas cada cadáver é idêntico: a maior aberração de que a espécie humana pode ser agente. Cada cadáver morre exactamente no último segundo. E depois absolutamente nada.

Porque os cadáveres de um lado e os cadáveres do outro lado apodrecem exactamente no mesmo lado: no lado escuro da História. São os assassinados por Deus, o carrasco intraduzível. O cadáver de Fallujah é produto do deus imperial que o mundo leva dentro. Acabar com deus consiste em recuperar, íntima e definitivamente, o lugar da espécie humana no planeta. Não um destino transcendente, não um alvo pré-escrito: sim uma utopia contingente mas de todo necessária, a revolta quotidiana que só pode ser fruto do mais elementar raciocínio. E Fallujah é um pesadelo. Ainda um outro pesadelo. Ou acordamos, ou os próximos cadáveres cairão cada vez mais perto, nos portais das nossas casas esfregados por umas moedas com semanal lixívia, dentro dos frigoríficos onde coabitam os nomes de alheias beberagens, nas nossas estantes rescendentes a madeira onde repousam as veneradas sentenças dos poetas. E os mortos petarão à nossa porta e colunas de sangue salpicarão o nosso limpo ecrã e não poderemos nem escrever esta raiva. E então, de joelhos, prepararemos água de esgoto para beber e farinha crua para comer, sangue e corpo de profeta armado, em obscena eucaristia.

Polo menos perdeu Kerry

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Estou meio contente com o resultado das eleições presidenciais dos EUA: Polo menos perdeu Kerry! Confesso que estaria algo mais de meio contente (por exemplo, 51%) se tivesse perdido Bush. Mas, sinceramente, é um prazer contemplar a derrota dos poderosos, embora esta signifique a vitória de outros poderosos.

Roubo a ideia de uma entrevista com um politólogo árabe, cuja referência na Internet já não sou capaz de encontrar. Quando entrevistado sobre a percepção das eleições EUA no mundo árabe, ele disse mais ou menos: “Nós gostaríamos é de que perdessem os dous, Bush e Kerry. Infelizmente, isso não pode ser. Polo menos temos a certeza de que ambos não vão ser presidente”. Ainda bem! Imaginemos por um momento um matrimónio (bom, uma “união civil”) entre o messianismo evangélico dos oleogarcas suleiros de Bush e o catolicismo dominical dos industriais “liberais” costeiros de Kerry, a governarem em sanguento tandem os destinos do mundo. Agora, polo menos perdeu um deles! E o outro, asseguro-vos, a nós não nos vai matar. Vai matar iraquis. Vai matar sírios e sírias. Vai matar iranianos. Vai matar soldados norte-americanos. Assim nós continuaremos a ter gasofa para ir celebrar a outra cidade a ponte da Imaculada Constituição, ou o Dia da Pátria do Apóstolo de Espanha.

Contemplar a derrota dos poderosos, confesso-o cristãmente, é uma sensação reconfortante. Calculemos quantos milhões de dólares caíram em ilusões eleitorais perdidas. Quanta lágrima genuína dos ingénuos que colavam cartazes eleitorais, quanta lágrima de crocodilo dos engana-bobos que ordenavam colar esses cartazes conhecendo perfeitamente o jogo. Dá vontade de dizer-lhes, com vedranha retranca: “Picaches, laraches, que tunda levaches”. Porque a derrota dos poderosos não pode ser nunca a nossa derrota. E, embora a derrota dos outros poderosos nos pudesse fazer um chisquinho mais contentes, sinceramente jogar o jogo não adianta nada. Nada.

A realidade é muito mais cruel, mais crua, como o cru: A realidade é que o grande capital tem agora a oportunidade de ré-iniciar o Experimento do mal chamado “neo”-liberalismo selvagem (não há nada “neo” sob o sol do capital: é, em todo o caso, um regresso às suas origens, que nunca faleceram) no Iraque e talvez Síria, e talvez o Irão. O politólogo As’ad AbuKhalil informa hoje mesmo (3/11/04) no seu blogThe Angry Arab News Service” que representantes do governo dos EUA solicitaram da Fundação Getty de Nova Iorque “indicar com precisão onde se encontram todos os principais jazimentos arqueológicos do Irão”. Será para salvá-los das próximas bombas?

A jornalista Naomi Klein explica lucidamente no seu artigo “Bagdade Ano Zero” (Harper’s Magazine, 24 Setembro 2004) os detalhes deste plano de conquista económica no destruído Iraque: a venda literal e ao cento por cento das velhas indústrias estatais do país a qualquer fonte de capital estrangeiro, e a instauração dum verdadeiro paraíso liberal. Por exemplo, no Iraque actual, até o concreto para a (escassíssima) reconstrução (sobretudo da “zona verde”) chega do estrangeiro, quando sairia dez vezes mais barato produzi-lo no país. As brigadas da “resistência” e da “insurgência” iraquiana estão compostas em grande parte de desempregados, desfarrapados, desapossados depois da gigantesca “redução de plantel” que significou a guerra e invasão do Iraque: centenas de milhares de pessoas sem mais oferta de trabalho que unir-se à polícia ou ao novo exército. E, para um exército, outro exército, que raios. A gente não é toda fanática, nem acha de menos Saddam, nem farrapo de gaitas: querem é ter um trabalho numa economia “estável”, como é sempre o inferno des-reconhecido do Capital.

Por isso veremos ainda mais guerras, mais experimentos. Choraremos genuinamente o sangue que não cessa, e choraremos com lágrimas hipócritas toda a cultura que será destruída. Haverá alti-baixos na conquista ocidental do petróleo. Mas, da minha modesta ignorância, sugiro: não se engane ninguém. Ontem saiu derrotada nos EUA apenas uma versão menos selvagem do capitalismo, como na Espanha (aparentemente) saíu derrotada em Março a mais feroz. (Neo)liberais contra intervencionistas, Esperanzas Aguirres contra Gallardóns, Núñez Feijóos contra Palmous, e Solbes com todos: esse é jogo das vitórias e as derrotas.

Pola nossa parte (das pessoas que, espero, ainda pensamos) não há maior derrota do que acreditarmos que é nessas batalhas que se deve dirimir o mundo, que é a política, que é a utopia razoada de que falou Bourdieu. Estaremos vencidos se nos alegramos das suas vitórias eleitorais, não dos seus fracassos. Eu só exijo, minimamente, que deixem de roubar também a minha força de trabalho para os seus votos: que me dêem de vez o mais-valor roubado, que caralho, que quero um computador mais rápido, uma outra caixa de plástico feita do seu petróleo.

Língua: Em favor do suicídio

Todo o pragmatismo, toda a lenteza, todo o possibilismo, todos os atrancos, todos os pactos, todas as liortas, todas as medalhas, todas as demonizações, todos os roubos, todos os insultos, todas as prebendas, todos os populismos, todas as marginações, toda a mediocridade, todas as repressões, todas as exclusões, todas as louvanças, todas as hagiografias, todos os rituais, todas as mentiras, todos os protestos, todos os segredos, todas as pintadas, todos os congressos, todas as discussões, todas as olhadas, todos os esquecimentos, todos os prémios, todas as campanhas, todos os manifestos durante décadas de concorrência entre iluminados pola administração dos resíduos da língua portuguesa na Galiza são profundíssimamente cansativos. Profundíssimamente reiterativos, circulares, endogâmicos, inférteis, aborrecidos, virais, masculinos, diletantes. Já avonda. Já basta. Já está. Morre o mundo e aqui a semearmos letras em campos reduzidos para que paçam vacas de pasta de papel. Deliberadamente lentos perante o abismo. Lentos e deliberadamente anacionais para que nos deglutam as letras doutra monstruosa Patria, sem acento. Pactando a morte em lugar de abraçá-la, obedecê-la. Fingindo resistirmos, uns e outros, que somos os mesmos. Fingindo as palavras, os argumentos, os escritos, os achados, os manuscritos, os provérbios, as partes do carro, os neologismos que ninguém nunca utilizará. Pactando os acentos, os morfemas, as proibições, as contra-senhas. Adorando os adjectivos, os versos, a tinta, os abraços. Contemplando o abismo, a queda iminente, o equilíbrio.      Pois: Nada há mais real do que o abismo antes do suicídio. E nada mais doloroso do que a morte lenta. Se afinal vai desaparecer todo germolo de uma monstruosa Pátria, não nos neguemos a um final glorioso, como nos filmes de suicídio. Só há dous caminhos para a Unidade. Um mantém-nos, como hoje, como até agora, no purgatório de uma semi-língua. O outro é acatarmos a Língua plenamente, como esta, adoptá-la, e saltarmos de pés juntos polo abismo. E, enquanto caímos, ao melhor formamos essa monstruosa Pátria que tanta náusea dá e que tanto nos faz combater contra nós mesmos. E ao melhor a queda polo abismo dura mais do que pensávamos e até, enquanto morremos, desfrutamos.

Língua e Estatuto: Uma proposta audaciosa

Enviado a A Nosa Terra; não publicado • No Portal Galego da Língua • Em CMI Brasil

Nunca gostei da expressão, mas começa um novo “curso político” e social paralelo ao académico. Com ele, voltarão debates à minguante esfera pública que nos resta. A língua não é nem de longe o principal problema de qualquer sociedade. Mas o problema da língua é amiúde sintoma e, pior ainda, causa de outros. Neste sentido, é evidente que a situação sociolinguística na Galiza continua a ser grave: a Galiza como sociedade ainda foi incapaz de se articular nacionalmente, e a sua língua continua sem ser o que se entende por Língua Nacional, quer dizer, entre outras cousas, um símbolo de Estado e um instrumento que veicule e expresse conteúdos culturais distribuídos “democraticamente”, que sirva como recurso dentro da infelizmente inescapável lógica do Capital, e que seja um referente e uma conduta natural, diária e habitual de que por fim podamos deixar de falar com obsessão. E a sociedade galega foi incapaz de alcançar ainda esta situação porque carece dos recursos políticos soberanos, aqueles que poderiam levar a um estado nacional independente tão nocivo (mas, contra os medos dos liberais defensores do “mercado”, não mais nem menos) como o Reino de Espanha ou a República de Portugal, ou como qualquer outro Estado do capital.

Diz tudo isto quem nem é programaticamente nacionalista, nem independentista, nem estatalista. Manter contra toda laminação do pensamento uma ucronia ideológica informalmente libertária não pode significar cegar-se às evidências. E uma das infelizes evidências é essa carência de Língua Nacional na Galiza paralela à falta de autodeterminação real, como lhe corresponde em direito (humano, já não político) a qualquer colectivo em processo de construção intersubjectiva, que é como se dão os processos sociais.

Seria longo (e precisaria de outro autor) detalhar as responsabilidades históricas das proto-elites nacionais na falta de país e de língua actuais. Culpar sempre o Outro, como se o Outro fosse uma invisível entidade estrangeira em “Madrid”, não soluciona o problema. O facto é que em dous séculos as proto-elites nacionais galegas políticas e intelectuais foram incapazes de gerar pouco mais do que ideologia da Identidade e discursos culturais. Mas muito pouco Capital. E sem Capital não há Língua, porque é esta que se constitui em moeda de troca simbólica paralela às moedas únicas que nos subjugam. Evidentemente, a versão actual do galego culto, proposta pola Real Academia Galega e acolhida como útil miragem polas classes dominantes, não é tal veículo de capital que poda concorrer contra o espanhol como lengua nacional. De facto, está a acontecer todo o contrário: de cada vez mais, o espanhol é também lengua nacional da Galiza, porque todos os processos fundamentais de identificação social, (escassa) mobilidade de classe, comunicação social, etc., passam por ele.

Na minha opinião, no plano sociolinguístico só há uma maneira de procurar reverter esta tendência: abraçarmos com todas as consequências e acatarmos como súbditos obedientes a natureza cruel das Línguas Nacionais de estado, e construirmos a língua da Galiza como tal. Este é, nem mais nem menos, um velho projecto que o insidioso “senso comum” se encarregou de adjectivar como “lusista” ou, em linguagem politicamente correcta, “reintegracionista”, mas que subjaze a notáveis ideólogos da nacionalidade galega, desde Biqueira até Castelao ou Lôpez-Suevos ou (com uma importante concessão ao benefício da dúvida) Nogueira. E a história e o presente dizem-nos que o modelo mais próximo que temos para construir uma Língua Nacional que reproduza e à vez invisibilize a cruel distinção social e de classe é também o mais próximo cultural e geograficamente: Portugal.

Sei que se argumentará que o “Povo” não concebe o galego como língua portuguesa. Talvez este argumento fosse válido se os especialistas soubéssemos ver a ideologia “real” que têm as pessoas sobre a língua nos enunciados delas. E talvez não fosse válido, se soubéssemos resgatar as variadas concepções informes da língua e da fala em qualquer sociedade. Mas, contudo, queiramo-lo ou não, a concepção do “povo” sobre a língua não é a questão. Durante o Franquismo o “povo” galego (a gente) sabia que o galego era um dialecto do espanhol. Não o “pensava”: sabia-o. Agora a maioria da gente sabe que o galego é independente do espanhol. Muitos sabem que é independente também do português; mas muitos também sabemos que o galego é língua portuguesa. Como o sabemos, alguns chamamos o galego “português galego”, paralelo ao “francês quebequense”, e sabemos que não estamos a violentar a natureza da língua. Contudo, nada adianta discutirmos a firmeza destes saberes (o episteme é a cousa mais misteriosa que existe) nem os números das maiorias ou das minorias: as analogias mais transparentes (estruturalmente, o galego é à língua portuguesa o que o quebequense é à língua francesa) são facilmente ignoradas quando contradizem fortes ideologemas. Por isso, trata-se de tomarmos um caminho diferente do debate circular. Passo a explicá-lo.

O “curso político” talvez ofereça a possibilidade de as elites partidárias levarem adiante uma revisão do quadro jurídico do Reino: o quadro dos Estatutos de Autonomia, incluído o galego. Devo suprimir por praticidade a discussão da conveniência destas reformas. Teoricamente (ucronicamente), não podo defendê-las, porque não podo aceitar a existência do Reino sem grande ranger mental. Mas os factos sociais são mais poderosos do que a vontade do cérebro. E existe a possibilidade de o estatuto para “Galicia” ser revisado. No que atinge à língua (a minha deformação profissional) e aos direitos linguísticos, não se deveria deixar escapar a oportunidade de tocar o estatuto.

E é aqui onde se apresenta socialmente o que considero uma proposta audaciosa. Em 29 de Junho de 2004, as associações linguístico-culturais de âmbito galego AAG-P (Associação de Amizade Galiza-Portugal), AGAL (Associaçom Galega da Língua) e MDL (Movimento Defesa da Língua) aprovaram após discussões a três bandas uma proposta conjunta de revisão de alguns pontos do Estatuto, apresentada publicamente em 25 de Julho, que, na minha opinião, contribui para facilitar juridicamente a construção de Língua Nacional. A Proposta 2004, como é chamada (http://www.proposta2004.tk/) redefine o estatuto legal da língua da Galiza deixando aberta, de maneira muito elegante, a sua consideração, classificação tipológica e portanto denominação. A sugestão de reformulação do Artigo 5 do Estatuto galego, na qual me focarei, é a seguinte: O galego ou português é a língua oficial da Galiza.

Esta formulação é extremamente inteligente. A identificação entre “galego” e “português” é paralela à tão efectiva equiparação entre “castelhano” e “espanhol”, por exemplo, sinónimos que operam tanto no âmbito oficial e institucional quanto no quotidiano. No nível jurídico, a fórmula O galego ou português é a língua oficial da Galiza (esteja escrita como estiver) não impede nem promove qualquer modelo de formalização (padronização) autónoma do galego, enquanto levanta qualquer atranco jurídico para a discriminação em razão de língua (outro ponto também reformulado na Proposta 2004). Não se posiciona (como não se pode posicionar um Estatuto) sobre o debate técnico a respeito da delimitação do galego como língua (língua galega, língua galego-portuguesa, língua portuguesa na Galiza, português galego, etc.), nem muito menos sobre a questão normativa. Não impõe usos (como não poderia), e não os impede. Em definitivo, é inclusiva, não excludente.

Na minha opinião (e de muita outra gente), a construção efectiva de Língua Nacional na Galiza passa inelutavelmente polo amplo reconhecimento social e pola plasmação jurídica desta inteligente equação. Evidentemente, esta é uma condição necessária mas não suficiente para o alvo dos três enes: nacionalização, normalização e naturalização da língua. Para isto, a Proposta 2004 (que diz mais cousas, por exemplo sobre direitos linguísticos e meios de comunicação públicos) visa o apoio maciço de pessoas e organizações. Não é uma iniciativa desenhada para ficar no fácil recanto da heterodoxia que se autolegitima: é para ser contemplada com seriedade. Não me engano: a Proposta 2004 representa um desafio para partidos, intelectuais, e outras inevitáveis minorias que querem (em toda lógica) que sejam reconhecidas socialmente as parcelas de legitimidade alcançadas numa recente história de trinta anos. Mas eu vejo que a Proposta 2004 não está desenhada contra: está desenhada para. Cada um(a), cada pessoa, cada organização ou entidade, saberá como fazer encaixar a sua ideologia e projecto político com uma oportunidade histórica.

Confesso que eu já dei o meu apoio a esta iniciativa: o meu apoio, sim, à revisão dum Estatuto inconcebível. Diz tudo isto, e convida a visitar a Proposta 2004 e a considerá-la, uma pessoa que, repito, não é nem autonomista, nem quisera acreditar nas leis, nos estados e no poder das línguas. Mas assim é a natureza da Besta, que impõe tantas aberrações diárias, enquanto morre o mundo a mãos da única Língua, uma espessa língua de ouro preto que se chama Language.

Proposta 2004: http://www.proposta2004.tk/
Associaçom Galega da Língua: http://www.agal-gz.org
Associação de Amizade Galiza-Portugal: http://www.lusografia.org/amizadegp/default.htm
Movimento Defesa da Língua: http://mdl-galiza.org/

“Mi terrorismo”: Como as palavras denunciam a verdade

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Numa entrevista feita por Federico Jiménez Losantos em la COPE na manhã do 12 de Março passado, quando se propagandizava ainda sobre a autoria de ETA do massacre de Madrid, ao então candidato do PP Mariano Rajoy escapava-lhe um significativo lapsus linguae, que ele auto-corrigiu, mas que explica muito sobre o tratamento do “terrorismo” em Espanha. O tema era, como não! (uma vez “cancelada” a campanha eleitoral) por quem votariam os espanhóis o 14 de Março:

“Y éste [a eleição de voto] es un problema de confianza sobre el que se debaten los españoles, de a ver en quién puedo dejar… en manos de quién dejo esto: mi país, mi bienestar y mi terrorism- y y y y mi libertad y mi vida” (Arquivo sonoro: http://www.cope.es/audios/manana/entrevista2_120304.wma ).

“Mi terrorismo”. Com efeito, no confronto eleitoral entre “ETA” e “Al-Qaeda” em Espanha entrou em jogo a questão da delimitação do que é “próprio”: do que é o “nosso” terrorismo (e o que lhe convém ao Estado Espanhol) e o que é “alheio”. Não para só Rajoy, mas para a grande maioria dos habitantes do Reino, existe a convicção de que ETA representa o “nosso” terrorismo, o interno, enquanto Al-Qaeda representa o terrorismo alheio, o estrangeiro, e, assim, é denominado às vezes “terrorismo internacional”. A falácia desta dicotomia é evidente, mas funciona para reforçar a ideia de Espanha. Farei-me temporariamente espanhol e farei-me parte dum “nós” inexistente para explicá-lo.

Para começar, tanto os bascos como os árabes estão entre “nós”, em Espanha. Nas notícias sobre o 11-M distingue-se significativamente entre os detidos “marroquinos”, “árabes” ou “sírios” e os “espanhóis” (como se um árabe não pudesse ser espanhol, ou um espanhol árabe), às vezes com detalhadas etiquetas, como a de “hispano-sírio” aplicada a um cidadão espanhol desde há anos que nascera num lugar que se dá em chamar Síria. Se se argumenta que os atentados, nos que morreram tantas pessoas com passaportes estrangeiros, foram contra “Espanha”, é lógico concluir que os ataques por residentes e cidadãos espanhóis também vinheram desde dentro de “Espanha”: também foram feitos por “Espanha”. Com efeito, alguns dos implicados na matança são residentes legais de Espanha desde há muitos anos. Três deles têm um DNI expedidinho por procedimentos idênticos ao DNI de Rajoy, de Zapatero, de Otegi, ou o meu próprio. Portanto, ou “Al-Qaeda” é também em parte espanhola, como a ETA (e portanto é o “nosso” terrorismo), ou nenhuma é “nossa”: as duas são exteriores (Euskal Herria, o Islão) e atacam o estado que as ataca. Se ao nacionalismo liberalista espanhol lhe importassem um figo os estados (o Estado só deveria ser um gestor e garante da “liberdade”, sobretudo a económica), por que negar-lhe a espanholidade ao espanhol “de origem síria”, ou por que negar-lhes o seu contributo para o fabuloso progresso do país a esses residentes legais árabes, que durante décadas pagaram obedientemente os seus impostos na nossa sociedade de mercado? Semelhantes aparentes contradições deram-se nos EUA após o 11-S, para apresentar sempre o “terrorismo islâmico” como uma ameaça “externa” contra um Estado natural, essencial e nacionalmente infalível. Mas a evidência é que o atentado de Al-Qaeda foi um atentado espanhol, isto é: tão espanhol como os da ETA.

Ou, se não, tão pouco espanhol: Ou jogamos todos, ou rompemos o baralho. Com efeito, as duas redes assassinas surgem fora do país Espanha (a ETA, em Euskal Herria e Bélgica; Al-Qaeda, nos EUA e Afeganistão). Mas seguramente é mais próxima a Espanha (mais “nossa”) Al-Qaeda do que a ETA. E com isto quero dizer que o ideário (?) de Al-Qaeda é muito mais semelhante à ideologia cristã conservadora do que o ideário (?) da ETA. É curioso constatar o descenso brutal do terrorismo do fundamentalismo cristão não estatal nas últimas décadas em todo o mundo, excepto, por exemplo, nas recentes matanças em Uganda polo chamado Exército de Resistência do Senhor. Os terrorismos do estado de Israel, dos Estados Unidos e desse “actor não estatal” (como o caracterizam os think-tanks ultraconservadores) que é “Al-Qaeda” compartilham muito mais que as bombas. Compartilham sobretudo três cousas: o monoteísmo como inspiração ou justificação propagandística, a meta da expansão territorial, e a guerra santa como método para estes fins. Lembremos que a noção de “cruzada” é apenas adaptação duma interpretação parcial da noção muçulmana de jihad, que significa guerra contra outros, sim, se é necessário, mas também guerra interna (“revolução interior”) contra o Mal. Para o sionismo expansionista (não todo sionismo o é), o território de Israel deverá chegar até ao Éufrates e Tigris, em pleno Iraque actual. O Islão é nem mais nem menos que todo o imenso território do planeta onde há muçulmanos. E o território a conquistar pola cruzada capitalista cristã é o da “globalização”, pois já sabemos que o capitalismo é só a expressão moderna e genuína do cristianismo, particularmente do protestantismo. As três formas de terror, portanto, são a táctica que têm os três fundamentalismos político-religiosos principais do planeta para levarem adiante as missões dos respectivos povos elegidos. E resulta que “nós”, os espanhóis (repito o truque retórico), somos fruto destas três visões monoteístas do mundo. Israel, Al-Qaeda, EUA, deus uno e trino: Pai, Filho e Espírito Santo da trindade, em competência mútua polo papel a jogarem no planeta.

Porém, esta explicação ideológica a três bandas não satisfaz um importante aspecto da realidade: o económico. E a realidade é que o mundo em conflito na altura (o mundo a conquistar) é sobretudo as terras e mares sob os quais há ouro negro, um território que se estende do Sara Ocidental até Indonésia, passando por várias zonas “geo-estratégicas”. É assim de simples. Como podemos esperar que fenómenos da transcendência como o terror selectivo estejam desligados desta realidade económica? É lógico então que pensemos num jogo mixto de conflitos e conivências entre estas três variantes fundamentalistas polo controlo de recursos essenciais. Porque, quando a história de classes pus as suas cartas mais duras sobre a mesa, por exemplo durante o período hitleriano, demonstrou-se que os interesses económicos se sobrepõem à pretensa ideologia religiosa: judéus ricos colaboraram com os cristãos nazis ricos, muçulmanos ricos deram-lhes as costas muçulmanos palestinianos pobres, cristãos americanos ricos mataram cristãos alemães ricos e pobres, e assim por diante.

Entre o 11 e o14 de Março passados, à direita liberal e conservadora espanhola convinha-lhe que o inimigo fosse “interno” (mi terrorismo). À direita social-democrata, convinha-lhe que fosse visto como “externo”, só por necessária hidráulica eleitoral. Mas resulta que não há nada externo nem interno nestas duas formas de morte programada: as ordens para matar sempre vêm em última instância do capital. Se ETA sempre foi a escusa para a nacionalismo liberal estatal contra os interesses dos nacionalismos liberais subestatais por construírem estado, “Al-Qaeda” é o braço armado dum poderoso capital oleogárquico transnacional para atacar selectivamente estados, quer dizer, grandes corporações económicas.

Na entrevista citada, Rajoy tinha razão, mas devia ter-se auto-corrigido doutra maneira. Evidentemente, uma eleição “democrática” consiste em depositar o voto naquele grupo de poder que vai gerir melhor “mi terrorismo”. Rajoy deveria ter dito: “mi país, mi bienestar y mi terrorism– quiero decir, mi Estado”.