Al-Israel 9/11

Publicado em Nós Diario

     Desde há mais dum mês, com eficaz regularidade, cada quatro dias Al-Israel lança um Boeing cheio de fuel contra uma enorme torre comercial de 100 andares chamada WTC com 1.500 palestinianos dentro (quase a metade, crianças) que resultam assim cruelmente assassinados. Ocidente observa-o, frente aos ecrãs de televisores e computadores, inspira com assombro quando a aeronave sulca os claros céus de outono contra a torre, grita quando a vê desfazer-se a prumo em metais, concreto, gases, pó, corpos despedidos e sangue, exclama que isto não pode ser, e continua a observar o ecrã até o próximo avião suicida de Al-Israel, quatro dias mais tarde, com eficaz regularidade. Quando se escrevem estas linhas já vão onze aviões, onze massacres, 16.000 mortes.

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A palavra vazia

 Publicado em Nós Diario

    O ataque de Hamás e outros grupos palestinianos contra a população civil israelita foi terrorismo. Deveu criar enorme terror nas pessoas que fugiam das brutais explosões. Deve ser terrorífico ser refém e moeda de troca dum grupo sabendo que a tua vida pende dum fio. A genocida devastação de Gaza polo exército de Israel é terrorista. O terror permanente rege a vida nos restos da Palestina. Esse terror vê-se nos olhos das crianças trementes que sobrevivem, e ficará marcado por vida.

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Gaza, 2023

Publicado em Twitter e Facebook

     Acho que a mente, que é sábia, impede que compreendamos o que significa “500 pessoas mortas polo ataque de Israel num hospital de Gaza”. Imaginemos, com dor, imaginemos. O melhor é a morte imediata por decapitação ou metralha no coração. A partir daí entra o sofrimento.

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Galiza, 17 de agosto, 1936-2020

Publicado em Nós Diario

     Havia muito em jogo. Por isso o mataram. Estava em jogo a recuperação da terra e da dignidade, algo que os amos nunca vão aceitar. Ou uma ou a outra, mas não ambas. Como se pudessem ir separadas. Havia um projeto, um projeto ainda nada revolucionário, de começar a auto-reger-se. Bóveda não era um comunista. Álvarez Limeses (o meu avô) não era um comunista. Nem Casal, nem Díaz Baliño. Eram pessoas que pensavam o país. Eram próximos da terra e das gentes. Por isso os mataram. Eram perigosos. Podiam anunciar o sentido democrático. Podiam mostrar como se regem as cousas, cada um e cada uma no seu. Chamava-se, com outras palavras, auto-determinação. Era o poder de, por uma vez, começar a contestar o roubo, a exploração. Eram jovens e tinham sonhos. Não tinham exércitos por detrás. Não tinham igrejas poderosas. Não tinham juízes. Nem sequer tinham leis: queriam é criá-las. Por isso os mataram.

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Boina circunflexa ou tricórnio palatal?

     As forças de segurança do estado, isto é, o serviço privado de repressão do capital, acabam de deter quatro pessoas na Galiza acusadas de pertencerem à fantasmagórica operação de Fake Reality Show Resistência Galega. Esta fase do relato por entregas chama-se, inteligentemente, “Operación Lusista”. Será porque essas pessoas independentistas colocam o circunflexo em Resistência. Então, que tenha muito cuidado a imprensa do regime — que já passou a qualificar as quatro pessoas de “terroristas” sem aguardar a sentença da Audiência Nacional — em colocar bem o circunflexo, ou qualquer dia os gorilas do capital detêm pessoal do ILG por serem de Resistencia (sic) Galega na “Operación Isolacionista”. Continue reading “Boina circunflexa ou tricórnio palatal?”

Vencer o após-guerra

     No excelente documentário La maleta mexicana, sobre uma mala perdida de negativos da Guerra Civil espanhola de Robert Capa e outros dous fotógrafos, o escritor mexicano Juan Villoro sentencia de maneira inimitável:

“Las guerras terminan en una fecha concreta, pero es muy difícil saber cuándo terminan las posguerras, y quiénes ganan las posguerras”.

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O neocapitalismo, a Catalunha e o sangue

     A avidez do capital financeiro está prestes a destruir o capitalismo mesmo: a acumulação de valor via a produção está a chegar a uns dos seus “limites” por sobreexploração dos recursos naturais, por mecanização e por devaluação da mão de obra: se o Trabalho não vale, também não acrescenta valor ao produto! As baratíssimas e ubíquas mercadorias plásticas são metonímias físicas que contêm a degradação do valor do trabalho que levou produzi-las. Por sua parte, a mecanização, por primeira vez na história do Capital, já não é capaz de recolocar a força de trabalho que expulsa dum dado setor: a saturação da tecnificação provoca que muito mais capital, em intensa concorrência na carreira tecnológica, vaia para a manutenção das máquinas que não produzem valor, do que para o trabalho em si. Mas a morte do Trabalho é a morte do Capital, e este sabe-o muito bem na sua própria carne.

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Treze Tweets Sobre Carrero Blanco Que Não São Piada. Dedicados à metáfora de Cassandra

Se Carrero Blanco não tivesse sido assassinado, hoje não seria delito fazer piadas sobre o seu assassínio: não teríamos Audiencia Nacional, herdeira do Tribunal de Orden Público fascista.

O assassínio de Carrero foi uma alegria emocional mas um erro político. Isto é: um sucesso do Franquismo, que assim se perpetuou na Monarquia.

Assassinar o terrorista Franco teria sido mais efetivo. Mas um regime fascista nunca se suicida. É melhor eliminar alguém mais débil da cadeia: Carrero.

O serviço secreto (SS) sabia o que se preparava para Carrero. O regime EUA sabia o que se preparava para Carrero. Sabiam alguns partidos o que se preparava?

Carrero não poderia ter continuado o regime como Franco. Era um medíocre burocrata reacionário. Simbolizava o fascismo, mas não era um Franco.

Possivelmente Carrero teria caído com mais força. Alguém pode imaginar que o regime dos EUA não teria interesse na continuidade dum Carrero se fosse possível?

Mas EUA sabiam que Carrero cairia. Era melhor matá-lo. O melhor instrumento?: a ETA, e a conivência duma socialdemocracia queimada e enganada.

Portanto, Panem et Circenses: “Vamos matar Carrrero. E o velho cabrão amigo dele esmorecerá de pena. Saiam à cena Juan Carlos, Areilza, Fraga, Suárez…”

Panem et Circenses 2: “Deixemos pulular os velhos fascistas (Blas Piñar, Girón) como folclóricos: o antídoto necessário para dar a ilusão de mudança”.

E Panem et Circenses 3: “Mas nunca, nunca, deixemos que a gente esqueça quem ganhou a guerra, e por que: porque mantemos ocultos os ossos dos vossos mortos,

enquanto os ossos e a memória dos grandes assassinos são venerados. Eis a maior humilhação. De classe. Não nos importam os vossos «chistes». Não é isso:

é lembrar-vos perenemente que perdestes a guerra, vós e os vossos descendentes. Temos os instrumentos, a polícia, as leis e a ignorância popular,

e, sobretudo, somos España, essa metomínia de fracasso histórico com nome de estado.
(Mas sshh, que ninguém se inteire de que, na verdade, o Rey Felipe está despido)”.

A morte extrema

No Portal Galego da Língua

     Invirto o título do livro do poeta Mário Herrero A vida extrema para refletir na natureza deste último momento do mundo. É verdade que não existe um desenho, nunca existiu, e portanto é possível que a humanidade estivesse a morrer já logo que começou. Mas agora enxerga-se de maneira inusual a perversão do tempo. O grau de reflexividade sobre o estado do mundo é tal que o capital, por exemplo, poderia programar a destruição de toda a vida ciente num instante. Mais difícil seria programarem a salvação só dos poderosos, e por isso não o fazem. Em definitivo, parece que está a fracassar o projeto de a humanidade ser a consciência auto-organizada da matéria, incluída a si própria. Talvez fracassasse sempre, desde o começo, e não o sabíamos, ou não queríamos imaginá-lo. Talvez fosse sempre mais cómodo lutarmos por manter dentro dessa imaginação uma ilha que aboiava conosco e levava dentro a igualdade, e arribaria a costas diversas e germinaria. No entanto, crescíamos com a lenteza requerida para ir observando a instalação interna da morte pequena, mimese da morte grande das selvas ou das minas. E essa morte interna ia curando o terror suicida da utopia, no processo exatamente homeopático que o poder desejava. E assim foi, década após década, geração após geração, até a este momento singular em que uma pessoa qualquer é capaz de observar o mundo inteiro num instante. Por isso não é possível voltar aos antigos rituais de luta, não operam. Não é possível confiar. Também não há tempo humano para qualquer cousa que não seja uma radical transformação do ser, como uma definitiva injeção de claridade nas veias, com a dor e a sujidade do delito. Todo o restante será tão parcial como a coincidência de ser, qualquer de nós, tão semelhante a uma pedra que distinguir-nos delas é um acaso. Se ainda se mantém o projeto da consciência, matar a morte extrema será, seria, um procedimento igualmente extremo. Seria comparável àquilo que os mitos que procuravam paliar a solidão humana chamavam iluminação. Seria contemplarmos este último minuto do mundo, que em toda a sua dor ainda pode demorar décadas, e decidir pará-lo e revertê-lo, como Moebius, polo menos acreditando na generosa geometria de Moebius, ou como Marx, polo menos acreditando na íntima relação entre a realidade material e a dignidade humana. Seria, pois, organizarmos a expulsão dos poderosos. Isto requer algo mais do que uma inanimada maré, sempre sujeita a ciclos e ritmos superiores. Na maré a água é única, indistinta. Numa assembleia aberta na aberta pradaria, porém, cada corpo permanece em si, distinto mas unido. Numa assembleia contínua de vontades não é preciso renunciar a ser fração organizada e diferente da matéria do mundo: só se unem as vozes se não se perdem, precisamente, no monopólio da unidade. Porque o contrário da voz é a morte. E o contrário da morte humana, a verdadeira e necessária, é esta morte extrema, diária, a que um tempo perverso de monstrosidades e assassinos quer impor. Reparar nela, de acima, como um demorado e enorme fotograma, talvez seja, polo menos, um passo para regressarmos à consciência.

Agora, o Bruno

No Portal Galego da Língua

     Por fim levaram para a cadeia o terrorista Bruno Ruival, Bruno Vence Ruibal no seu nome espanhol. Já era sem tempo! Andavam toda Compostela e a Galiza cagadas de medo pola sua presença nas ruas. A gente estava apavorada, sei-no de boa tinta. Parabenizo o cidadão ou cidadã que o delatou. Ao parecer, dizem a lei e os jornais, o Bruno teria mantido na sua casa Maria Osório. É natural nele: ali onde se podia apoiar o terrorismo, aí ia o Bruno. Sempre lembrarei uma conversa uma noite em Compostela, no meio da rua, em que me explicou como se faziam as bombas. Advertim-lhe que esta foi exatamente uma das razões (explicar a um operário comunista como se faziam bombas) polas quais o meu avô médico, membro do perigoso Izquierda Republicana, foi justamente fuzilado por Franco em 1936. Mas o Bruno continuou, gesticulando grandes esferas com as mãos, salivando ao reproduzir o som das explosões.
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