A custódia do tempo

Na memória de Berta
Com agradecimento para todas, para todos

     Há uns dias morreu a minha irmã Bertinha, na sua casa de Coruxo, ao lado do mar, do rio, perto dos campos, frente às ilhas, frente à região do sol-pôr. Chamou-me um amigo e perguntou-me se podia fazer algo por mim. “Só uma cousa”, pedi: “Por favor, dá um pouco para trás à manivela do tempo”. “Não a tenho…”, desculpou-se, triste. Era certo, porque então lembrei onde ela estava. Se nos debruçamos na varanda da casa de Coruxo olhando para o mar nota-se às vezes debaixo da duna o lombo da enorme roda de madeira do tempo, a resistente roda de moínho que em lugar de mover lâminas de água faz deslocar em fitas de imagens o estado do universo. Ao seu lado deve estar custodiada também por baixo das areias a manivela que a ativa.

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