Guerra Civil, Franquismo e língua

Publicado em Pensa Galiza • O texto faz parte dum comentário longo no Foro aberto do Portal Galego da Língua

Penso que há dous argumentos comummente aceites sobre as razões para a Galiza carecer na altura de elites galegófonas poderosas comparáveis às de outros países do Estado Espanhol: 1) A penetração “de acima para abaixo” do espanhol nas classes sociais galegas desde (agharra-te!) a Idade Média: aristocracia, burguesia, classes trabalhadoras (o processo é conhecido). E 2) os efeitos mais recentes da “repressão Franquista” sobre os usos públicos das línguas-não-Espanhol do estado.

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Um diálogo francamente real

Publicado em Novas da Galiza 44, 15 Julho – 15 Agosto 2006, p. 20

“Francamente vivimos mal”. “Pues realmente viviremos peor”
Da revista La Codorniz, nalgum momento dos 1970’s

-Não entendo por que sempre criticas o Rey. Estás por uma República galega?

-Pola Monarquia espanhola não estou.

-Mas à gente não lhe importa o Rey.

-A mim, sim. Eu sou gente.

-A gente tem outros problemas.

-Com Franco também.

-A gente quer o Rey.

-Também queria a Franco.

-Mas o Rey foi votado num referendo.

-Num referendo de Franco.

-Franco era um militar.

-O Rey também.

-E Franco não fora eleito polo povo.

-O Rey tampouco.

-Como? A gente votou na Constitución.

-E, antes, nas Leyes Fundamentales.

-Franco era Chefe de Estado vitalício!

-O Rey também.

-E Franco impôs o seu sucessor.

-O Rey também.

-Com Franco, todos os partidos eram ilegais.

-Com o Rey, alguns.

-E que me dizes da Ley de Represión de la Masonería y del Comunismo?

-E que me dizes da Ley de Partidos?

-Com Franco não havia autonomia.

-Com o Rey não há autodeterminação.

-Antes todos eram separatistas.

-Agora todos são terroristas.

-E a Unidad de la Patria? E os desfiles das Fuerzas Armadas?

-Pois isso, pois isso.

-E o Alzamiento?

-E a Transición?

-E o Día de la Raza franquista?

-E o Día de la Hispanidad monárquico?

-E o 18 de Julio?

-E o Día de la Constitución?

-E o discursinho de Franco em fim de ano?

-E o discursinho do Rey no Natal?

-Durante o Franquismo a emigração galega era terrível.

-Durante a Monarquia, também.

-No Franquismo, usar o galego não era um direito.

-Na Monarquia, saber o espanhol é um dever.

-Mas antes a língua própria estava reprimida!

-Agora, a escrita própria também.

-Já avonda!: De Franco não se podia falar livremente.

-Do Rey tampouco.

-Ias ao Julgado. Ao Tribunal de Orden Público.

-Agora também. À Audiencia Nacional.

-Então! Vás me dizer que são iguais??

-E tu, que são distintos?

-O de Franco era uma ditadura!

-Pois isso.

-Francamente, não te entendo…

-Eu realmente a ti sim.

Vítimas do terror

Publicado em Vieiros

O terror não consiste apenas em encontrar-se de súbito rodeado duma floresta obscena de carne humana ensanguentada e metralha. Não consiste apenas em sentir o frio do metal na caluga e aguardar, aguardar a bala eternamente. Não consiste apenas na escuridão do calabouço, esse zulo democrático, esse anti-útero do Estado. Nem na ignomínia do fato laranja, da tortura com cães, das mãos infantis talhadas com machete, das praias bombardeadas, do corredor da morte. O terror começa na mente masculina, na quotidianeidade das cozinhas, na primeira labaçada, no primeiro insulto, na violação diária da dignidade. O terror é a mais poderosa fantasia sexual dos varões que levam mísseis entre as pernas e grandes facas erectas para matar, sempre para matar, para roubar, possuir e depois matar a carne usada que já não serve.

Todo o terror é político, como a mente. A mesma mente que agora faz reconstruir o cenário do assassínio é a mente que o concebe antes, como um plano estratégico de conquista. Desde há milhares de anos, o exército mundial dos varões planifica o lento genocídio. Seduzir, induzir, enganar, atrair com palavras ou com gestos, e depois possuir, violentar, utilizar, exterminar. O corpo da mulher está em usufruto do terror. Cada vez que o terror mata uma mulher, a mesma vesânia histórica reproduz-se. O terror mata-as na casa, na rua, num deserto em guerra, num prédio desabitado, com luz, às escuras. Mata-as com gasolina, com facas, com metralha, com as mãos. O varão mata-as protegido pola lei, legitimado pola propaganda, justificado pola exaltação universal do corpo que ele não tem. A mente do varão sofre o corpo que não tem. Porque, no fundo, a mente do varão terrorista só se vê a si próprio como corpo. Todo o mundo é carne para o terror do varão.

Mas as vítimas do terror não se organizam. Não saem em brigadas de voz a encurralar o terror. Não exercem a sua força, a da metade da humanidade, em armas contra o varão, contra o terror. O terror inflecte nas suas possíveis vítimas indignação e ira, mas não induz à revolta. Porque a revolta, a revolta verdadeira, consistiria numa insurreição de classe muito mais poderosa do que todas as que a História contemplou. E a mente masculina do terror que rege o mundo não pode permiti-lo. Assim, cada poucos dias, surge a notícia do assassínio. Lemos os jornais, sentimos a náusea, a ânsia de vingança. Mas o tempo passa, o tempo fundado por um deus atroz continua a passar, enganoso, enganando a memória. O varão dosifica o terror como um preparado homeopático contra-natura. E as vítimas suportam a regulada barbárie do terror como se fosse esporádica, não um fiel produto da mente masculina.

Todo o terror é politico, como a mente. A política do terror mora nos actos mais miúdos, no sagrado seio triangular da Família, no sagrado seio dos Partidos, no seio do Trabalho e da miséria. Hostes de mulheres levam dentro corpos futuros para o prazer do terror, nova carne para o longo genocídio. Varões desenham em mapas militares, jogos eléctricos e hormonadas conversas os seus planos de conquista. De novo no Verão os números sexuais soam sem controlo. Nos televisores refulgem líquidos limpadores de corpos, de cozinhas. Mulheres continuam a esmolar trabalhos provisórios, nutrir o corpo do varão, coser o uniforme do varão, cuidar o filho do varão, sempre lavar os fluídos espessos do varão. Lustrosos generais ejectam enormes pénis de metal que sobrevoam os desertos. Estoura o sémen. E no calabouço dum prédio desabitado aparece uma outra vítima do terror.

Para o Terror, todo o mundo é carne feminina.