Dia D da Vitória do Povo

Apenas 16 anos após a vitória eleitoral do PP na Galiza, o Povo Galego conseguiu botar definitivamente a opressão do poder. Com uma esmagadora vitória 38-37, o Povo Galego demonstrou o poder da democracia para fazer imperar a lei dos esfarrapados. Estou contente, porque é o que queria eu, e o meu voto também foi um Boto, e foi Nacional, e Útil. Eu votei em Anxo Quintana e Pablo González Mariñas.

Durante 16 anos (ou 24, se contarmos o primeiro governo de Gerardo Fernández Albor), o Povo Galego desenvolveu uma inteligente táctica de resistência para acadar o triunfo. Primeiro, deixámo-los ir ganhando pouco a pouco mais poder, mais votos e mais assentos no parlamento, para que confiassem. Deixámos que criassem poderosas redes clientelares que eram, na realidade, uma ilusão. Em muitas ocasiões, participámos destas redes como verdadeiros quinto-colunistas de bomba em peito. No Parlamento Nacional, a resistência foi subindo ou baixando ao chou para dar a falsa impressão de debilidade e desconcerto. Fingimos ter liortas personalistas internas, como eles, embora na realidade a nossa Ideologia sempre estivesse por cima destas mundanidades. O Povo Galego berrou muito várias vezes por crises horrorosas, e depois deu-lhe a maioria eleitoral outra vez ao PP para confundi-lo. E por fim, com a constância dos verdadeiros revolucionários, sem presas e sem pausas, há uns dias fizemos saltar a surpresa para acabar com um PP dividido, queimado pola sua política espanhola, gasto de tanto que lhe deixámos mandar. No dia D da Vitória, 19 de Junho de 2005, com as melhores roupas de Domingo, o Povo Galego baixou às furn-… quero dizer, às urnas, com as únicas armas da liberdade, para proclamar o “Câmbio”, que é muito mais sério que a mudança.

É o começo de uma nova era gloriosa. Sei que muito possivelmente não havia outra opção, mas é o começo de uma era. Gloriosa, como foi a Transición Española, quando todos cantavam “Habla, Pueblo, Habla”, e o Povo falou: falou na UCD, falou no PSOE do 23-F, de Roldán, Mariano Rubio, Vera, Barrionuevo. Falou no PP da FAES, do Iraque, dum falangista galego, de Zaplana. Falou no PSOE de Ibarra, de Bono, de Vázquez. Mas agora por fim haverá Câmbio. O espanholismo será substituído polo espanholismo. Por fim a gestão do benestar substituirá a gestão do benestar, e o malestar será desterrado por sempre para onde hoje está o malestar. O crescimento, o progresso e a modernização darão passo à modernização, ao progresso e ao crescimento. Em lugar de edifícios megalómanos, autoestradas e portos exteriores, haverá edifícios megalómanos, autoestradas e portos exteriores. Os velhos líderes serão substituídos por líderes novos, que se farão velhos, e estes serão substituídos por líderes novos, que se farão velhos. É uma mudança imparável, como a queda newtoniana de uma papeleta numa furn- digooo, uma urna. Porque na democracia todos valemos igual e o nosso voto vale igual. E por isso os partidos, sabiamente, decidiram não impugnar os votos irregulares que não valiam igual porque não mudariam o resultado eleitoral.

Estou contente. Sinceramente, estou contente. 16 anos tentando botar a mesma gente já cansava. Agora temos uma nova oportunidade, abre-se um novo ciclo. O Povo Galego, sábio como sempre, teimudo e constante, saberá aguardar a nova oportunidade, daqui em 16 ou 20 anos, para botar a direita do poder. Na máquina de movimento perpétuo que é a política parlamentar e eleitoral, a direita mais direita desaparece afundida no espectacular sol-pôr fisterrão que há dous mil anos contemplou Iunius Brutus com assombro, enquanto a direita do país faz-se direita mais direita, o centro faz-se direita, a esquerda faz-se centro, a extrema esquerda faz-se esquerda, e dos lugares escuros onde continua sem chegar o pão a fim de mês vai surgindo a esquerda mais esquerda que votará sempre NÃO ou não votará, a jovem ou desiludida extrema esquerda que não conta porque não tem um voto na frente e no bico um cantar. E de pouco a pouco, com as armas do voto no quente ventre da urna (por fim me saíu!), em 20 anos os descendentes dos revolucionários de hoje berrarão como hoje berrámos nós: HÁ QUE BOTÁ-LOS!, quero dizer: “HAY QUE ECHARLOS!”. Que, traduzido para a Lingua Galega do Porvir será “Caciques Go Home!”.

No entanto, a filha de Felipe de Borbón y Grecia herdará España. Mas isso hoje tanto tem: Já os botámos.

Construindo a “fraude” com palavras: As declarações de Fraga Iribarne

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As declarações de Fraga Iribarne depois das eleições (19-6-2005) sobre uma hipotética “fraude” com o voto dos emigrantes e o 70% dos votos que, pensa ele, conseguirá o PP, colocam vários interrogantes preocupantes. Os comentários respondiam a uma estudada pergunta por parte de uma jornalista:

PERGUNTA: “En estas elecciones es más peligroso que nunca el tema de que se produzca un fraude en el voto de la emigración. ¿Teme el PP que pueda ocurrir esto? ¿Que manipulen los [ininteligível]?”

A resposta de Fraga contém duas partes. Transcrevo apenas a primeira, numerada por segmentos para comentá-la melhor:

RESPOSTA:

1 – “Esperemos que no.
2 – Yo desde luego-
3 – he hablado-
4 – me han llamado desde Uruguay,
5 – me han llamado desde Venezuela,
6 – todos me certifican que (el)-
7 – lo que ha salido de allí
8 – puede ser un setenta por ciento a favor nuestro.
9 – Todo depende de los restos, donde tengan que aplicarse,
10 – pero desde luego el resultado de la emigración ha sido muyyy…
11 – porque nunca, nunca- …”

Na segunda parte, Fraga defende o seu labor, e o do PP, entre os emigrantes galegos.

O discurso revela características particulares que apontam para alguns aspectos planificados previamente. Quer dizer, era esperável que alguém lhe perguntasse algo sobre a limpeza do processo do voto emigrante quando está em questão um escano crucial (o 22 por Ponte Vedra), e Fraga devia estar preparado previamente para responder isto. Isto é natural e provavelmente habitual. Mas as várias reformulações no discurso de Fraga são significativas, como se ele estivesse a procurar a expressão mais atinada ou efectiva para objectivos específicos. Em várias ocasiões, ele detém-se no meio da frase, e reformula o que vai dizer. Este padrão de auto-corrigir-se não se repete claramente no resto das respostas da sua comparecência. Vejamos:

1) “Yo desde luego- “ aponta para a expressão incompleta de uma convicção ou opinião, como “estoy convencido de que”, o “pienso que”. Isto é reformulado.

2) A expressão reformulada “He hablado-“ reforça a evidência do que Fraga vai dizer. Uma cousa é opinar, outra muito distinta é ter “provas” que provêm de experiências. Mas a expressão também fica truncada, e é também reformulada. “He hablado” é ambíguo num sentido: poderia implicar que ele mesmo, ou a sua equipa, chamaram a “Venezuela” ou “Uruguay” para conhecer a situação eleitoral; ou poderia implicar que a iniciativa da chamada surgiu de organizações do PP destes países. Fraga interrompe-se e especifica que são “os seus” (os seus subordinados; ele é presidente do PP) quem o chamaram. Isto é significativo, porque pouco antes na comparecência, Fraga deixara claro que não chamara nem a Touriño nem a Quintana, e que eram eles quem deviam chamá-lo a ele. Na hierarquia, são os subordinados os que devem chamar aos superiores. Da mesma maneira, pareceria debilidade demonstrar que o Presidente da Junta e do PP está a chamar ao seu partido no estrangeiro para interessar-se polos resultados e ver se perdiam ou não, sobretudo quando é ambíguo quem o chamou concretamente. Daí a necessidade de especificar que não foi ele quem chamou (o mais interessado na vitória!), mas os seus subordinados.

Por último, a sequência “desde Uruguay… desde Venezuela…” aponta para uma série incompleta: podemos supor que também “o chamaram” desde mais lugares (como Argentina, onde se encontra a maior parte do eleitorado emigrante), mas sempre de Latinoamérica.

3) A expressão “Todos me certifican que (el)-“ também vai ser reformulada. A conclusão poderia ter sido “el voto” ou “el resultado”. Mas adiante Fraga falará de “el resultado de la emigración”.

4) Fraga passa a reformular o anterior enfaticamente, destacando um contraste entre “allí” e “aquí”. “Lo que ha salido de allí” é o que remeteram os votantes, enquanto o implícito “aquí” é o aparelho administrativo (os correios, etc.), sob responsabilidade do Governo e do PSOE. Evidentemente, nenhum poderia “certificar” a Fraga que o que saíu dos consulados é o 70%. Portanto, Fraga está a referir-se às estimações de voto segundo os seus partidários no estrangeiro. Quanto à escolha do verbo “certificar”, não há qualquer indício para interpretá-lo num sentido literal; pode ser sinónimo de ‘assegurar’, e só destaca a firmeza da “evidência”.

5) “puede ser un 70% a favor nuestro” é uma expressão muito significativa. Os cálculos que se dão estes dias indicam que, com efeito, o PP precisaria em torno do 70% do voto CERA para garantir o escano 22 por Ponte Vedra. Que pode fazer pensar a Fraga que é essa a percentagem que obtivo o PP, quando nas últimas eleições (gerais de 2003) foi menor, e quando acaba de comprovar que o apoio percentual ao PP na Galiza também baixou? Evidentemente, os cálculos do PP (como os dos outros partidos que fizeram comparecências públicas) estavam preparados e debatidos de antemão (um candidato não faz uma comparecência pública sem saber em detalhe como andam as cousas), e Fraga sabe (ou disseram-lhe) que essa é a percentagem segura do voto CERA por Ponte Vedra para alcançar o escano 22.

Um pode imaginar, portanto, que o diálogo do PP galego com “Uruguay” e “Venezuela” foi muito distinto: nalgum momento, o PP galego chamou estes países e inquiriu e destacou, após conhecer os resultados, que se precisaria o 70% dos votos para assegurar esse escano. Poderiam as organizações do PP nestes países (ou outros interlocutores sem especificar) confirmar estas percentagens? A resposta perante “Dom Manuel” foi que sim. Como poderia ser de outra maneira? Como iam reconhecer que não, se era o caso? Mesmo se os informadores de Venezuela ou do Uruguai não confirmaram estes dados, como ia reconhecê-lo Fraga numa comparecência que poderia ser a sua despedida política? Havia que evitar que o fosse.

6) A expressão “Todo depende de los restos, donde tengan que aplicarse” incorpora um matiz novo no discurso: Fraga está a destacar a vitória do PP no voto emigrante no seu conjunto (mais ou menos 70%). Mas, evidentemente, nem o PP galego nem o do Uruguai ou Venezuela podem conhecer em detalhe para que província iriam esses votos. Portanto, Fraga parece deixar a porta aberta a que em Ponte Vedra a percentagem seja menor, porque o que parece estar em questão é esse escano 22. “Todo” (em “todo depende”) significa ‘obter esse escano’. Mas todos sabemos que isto, precisamente, não “depende”: que é em Ponte Vedra onde, ao aplicar o cômputo, se pode modificar o resultado provisório. Ou não só? Pois não só: Fraga pode estar a sugerir também que esse 70% mais ou menos deve dar-se também noutras províncias, como Ourense, onde o PSOE baralha a possibilidade de obter o escano 5 contra o 8 do PP. As palavras iniciais “Espero que no haya fraude” cobram, portanto, um novo matiz: Fraga “esper(a) que no haya fraude” também no que respeita a província de Ourense, pois só com a manutenção deste escano 8 por Ourense poderia o escano 22 por Ponte Vedra dar a maioria absoluta ao PP.

7) Por fim, Fraga matiza o seu discurso e, presumivelmente, começa a destacar de novo o bom resultado do PP: “pero desde luego el resultado de la emigración ha sido muy…”.

8) A partir daí, Fraga começa a segunda parte: Interrompe-se de novo e começa a relatar as acções positivas do PP e dele mesmo na emigração americana. Destaca o apoio para o PP, e critica os outros candidatos. Fraga menciona que talvez o evento mais importante da sua vida fosse um acto multitudinário em Buenos Aires, apresentando-se então mais do que nunca como “filho de emigrantes”.

Significativamente, esta segunda parte talvez constituísse o último acto eleitoral de Manuel Fraga Iribarne, transmitido talvez pola TVG internacional e sem dúvida pola Internet. É um discurso orientado para o exterior, para salvar a sua imagem na emigração caso de perder a maioria absoluta. Mas também parece orientado a captar votos. Captar votos quando já acabaram legalmente as votações? Por que vias?

Em resumo, a intervenção de Fraga Iribarne é preocupantemente ambígua. Apoiado numa pergunta preparada de manual, Fraga procura dar a volta ao que se entende comumente por “fraude” (votar repetidas vezes, substituir papeletas, votar por pessoas mortas, etc.), para sugerir na hipotética “fraude” uma implicação das administrações do Estado e talvez dos Consulados ou do PSOE.

O terreno discursivo está preparado para estes dias: se o PP não obtém em torno do 70% dos votos da emigração que lhe dê o escano por Ponte Vedra, a sombra da “fraude” “aquí” (não “allí”) esvoaçará sobre os resultados. Num debate da TVE2 sobre as eleições no mesmo domingo, Anxo Guerreiro apontou muito atinadamente as implicações desta sugestão de Fraga, só para encontrar que outros contertúlios (Domingo Bello Janeiro e José Antonio Portero Molina) lhe restavam ferro aos comentários de Fraga. Bello Janeiro explicou a íntima ligação de Fraga com a emigração, e Portero Molina não lhe deu “mayor transcendencia” às declarações, acrescentando que Fraga disse o 70% “como podría haber dicho el 60% o no haber dicho nada; yo creo que esto es irrelevante”. O debate sobre este assunto fechou-se, infelizmente, aí: Portero Molina passou a falar da baixa do BNG (comentada por Fraga) e da galeguidade do PSdeG-PSOE.

Obviamente, estas são interpretações. Neste dia, o Discurso ainda progride. Por exemplo, a ênfase dalguns médios nos “8.000 votos” necessários para o PP obter esse escano (uma inexactidão, porque a diferença necessária dependeria do número total de votos emitidos por Ponte Vedra, tanto internos como do CERA) também contribui para esta confusão.

Só com os resultados finais na mão, haverá que ver se o PP, caso de não obter esse escano, aproveita discursiva e politicamente a sombra da fraude. Que os três partidos parlamentares na Galiza e os meios de comunicação estejam a baralhar a expressão “fraude eleitoral” num sentido ou noutro com total normalidade revela uma preocupante concepção do sistema democrático formal. Lembram as eleições USA 2000? Mas já advertim noutro artigo que eu não sou democrata.

O último Iribarne

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Não pertenço a qualquer formação política. Não acredito na democracia. O meu voto nunca deu a vitória a qualquer partido. Não sou politólogo. A minha formação teórica é escassa. Mas fum formado politicamente, lá polos anos 1970, quando ainda existia o ideal comunista e libertário, na convicção de que o que conta são os projectos e os factos, não as individualidades. Infelizmente, a história eleitoral do Reino e da Galiza deu-nos amostras da facilidade com que a gente, órfã de si própria, faz abrolhar como fungos mini-Francos eternizados no poder: Jordi Pujol, Felipe González, Manuel Chaves, Francisco Vázquez, José Castro ou o último Iribarne são apenas alguns exemplos de homens (todos homens) que se aportronaram em diversos Conselhos Directivos de España durante décadas, verdadeiros funcionários da gestão do capital, fieis emuladores do patriarcal princípio monárquico que nos rege. Não sei se as suas gestões na perpetuação da injustiça social foram piores do que outras soluções teriam sido. Mas os itinerários de todos estes homens foram e ainda são exemplos de uma triste, quase histriónica versão da figura do político. Nenhum colectivo humano deveria permitir que uma geração inteira de jovens cresça sob a sombra de um líder no poder durante décadas. Essa ideologia do indivíduo e da testosterona foi sempre caldo dos alçamentos. Nenhuma pessoa que ordene durante tantos anos pode ser trigo limpo. A nossa história e presente monárquico atestam-no.

Não vou fazer qualquer chamamento explícito a qualquer voto. A minha mente e a vossa inteligência não o permitiriam. Mas o que está em jogo no 19 de Junho não é a Galiza, senão a necessária queda das estátuas. A figura que ainda se impõe diariamente sobre nós representa a trajectória das armas. Representa uma tétrica silhueta chinesa sobre a parede do quarto antes do sono. A sua palavra molesta, moldada por um inominável pensamento, invoca os anos mais escuros de todas as pré-guerras, quando se coze o ódio que só favorece sempre os poderosos. O último Iribarne escuda-se no símbolo do macho derrotado entre a manada, a proferir os seus derradeiros estertores ideológicos. O último Iribarne é fiel produto de uma terra penosa que deve morrer.

Antes havia, tínhamos (que estranho soa esse “nós” inclusivo) um ideal. Lembro férteis conversas de unidade com homens (sempre homens) então progressistas, que agora se disputam um pedaço de voto ou uma prebenda oficial. Um, que uma vez há muitos anos me chamou “cristão” (a mim?) quase como um insulto, agora segue fielmente o seu particular messias marxista, cego ao retrocesso que tal isolamento significa. Outro, que dirigia com grandes barbas as nossas reuniões de célula clandestina, é agora pontual analista eleitoral para a direita. Outro que admirava com saudades os generais comunistas do 36 acompanha o último Iribarne nas suas viagens coloniais às Américas. E assim por diante, até cobrir a imensa nómina dos vencidos.

No entanto, foi esquecendo-se a razão utópica que mora irremediável no interior do cérebro humano. E por isso agora periga até o simples derrubo colectivo das estátuas. Já sabemos que botarmos abaixo um homem e um emblema não significa instaurarmos qualquer utopia. É um singelo acto de cordura, uma necessária ablução mental. E, infelizmente, este mês não haverá muitas maneiras para fazer isto. Nomeadamente, só há uma. Já haverá tempo noutros meses para derrubarmos outras estátuas, serrando-lhes as pernas com efeito, como se precisa. Porque, se não acabarmos com esta efígie, um outro mini-Franco e um novo projecto económico, ainda mais brutal, abrolharão em pouco tempo das entranhas da primeira. Quase ninguém fala disto, mas esse projecto chama-se Feijóo, e o seu mundo é perigoso. Engana-se quem pensa que, nesta circunstância concreta, a coerência ideológica de votar no ineficaz (sempre), e portanto de perder a oportunidade do derrubo, revelaria ainda mais contradições no Sistema. Um voto é um aberrante gesto cúmplice, já o sei. Mas às vezes não é louco votar polos traidores. Sobretudo quando, simultaneamente, a pureza ideológica tampouco consegue construir na base a sociedade civil que se precisa.

Por isso, o último Iribarne merece desaparecer pola esquina direita da televisão quando esta percorra os escanos de simples deputados e aí esteja ele, decaído, talvez a perguntar-se pola origem do seu fracasso, a perguntar-se quando começou ele a ser um fantasma de si próprio: Na Falange? Em Palomares? Quando sequestrava a palavra impressa como um triste trapeiro? Num majestoso Parador erguido a vinte metros da miséria? No Paço de Meirás, com o seu pai Francisco Franco? Manipulado polo rei Juan Carlos? À sombra de Arias Navarro? No sangue brutal de Gasteiz? Na crise das vacas loucas? Asfixiado de piche? Onde está o gérmen do longo fracasso do último Iribarne? Por que lhe será tão patética a derrota? Por que aceitaria ser sempre um títere? Quem dos seus o traiu, Pai, como a um Cristo contra-natura? O último Iribarne merece desaparecer do televisor como um apagado mamute, em silêncio, em tons de cinza, sem estátuas a cavalo, sem intensas fotografias, sem amigos, sem controle dos seus próprios actos, recolhido no seu erro.

O Verão anseia uma notícia agradável. Talvez não seja assim, porque afinal só a História escreve os textos. Mas, nalgum momento, será fácil esquecer o último Iribarne. Até para os seus lacaios será um alívio.