A Morte do Sexénio (uma história)

     Hoje, na Universidade, alguém do meu corpo docente perguntou-me se eu tinha algum sexénio vivo. Precisava sabê-lo para colocar-me nalgum dos velhos lugares em que se baseia o saber universitário: os de acima, com vários sexénios vivos, e os de abaixo, seres asexeniados ou cujos sexénios, no nosso fértil eufemismo, não se chamam mortos não: não se chamam. Perguntaram-me isso, e ainda não sei como alguma gente é capaz de foçar nas intimidades dolorosas doutrem sem rubor. Porque eu tinha dous sexénios, sim, e os dous me morreram, e não é agradável lembrá-lo cada dia. Na verdade, seria mais duro admitir que nem sei se vivem, que há muitos anos que não os vejo. Concordemos, então, que para mim estão mortos. Sim, o meu segundo sexénio também morreu há tempo, e ainda hoje não deixo de tê-lo em mente. Para consolar-me, recorro à barbaridade que cunhei quando comecei a compreender para que servia ou não servia: que na realidade talvez nunca devesse ter nascido.

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Contrastes de línguas e nações

Regressando da Catalunha depois duns dias de lazer compreendo mais uma vez os contrastes constitutivos entre duas nações, aquela e esta, tão diferentes mas unidas numa questionável aliança contra um estado central que, entre outras formas de miragem, foi capaz de produzir até o pretenso antídoto Galeusca. Na Catalunha, não apenas as pequenas lojas fazem rotulagem na língua do país: também as grandes companhias (aéreas, por exemplo) convocam e convidam a cidadania em catalão. Na Catalunha, não apenas jovens com consciência linguística patente utilizam o idioma: grupos de raparigas pré-adolescentes brincam na rua na língua antiga.

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A crise da língua e um futuro possível

Publicado em Novas da Galiza 90, 15 de maio – 15 de junho de 2010, p. 20

Na crise sociolinguística atual da Galiza convergem desde há aproximadamente ano e meio vários processos: (1) A evidente perda de falantes e de usos do idioma, refletida, por exemplo nos dados mais recentes do Instituto Galego de Estatística; uma estimativa própria sugere que, a este ritmo, os usos do galego passariam a ser minoritários nuns três ou quatro anos. (2) A legislação regressiva em Política Linguística, com a supressão fulgurante das Galescolas, a eliminação da prova escrita obrigatória em galego para o acesso à função pública, a redução de ajudas à tradução e, de maneira singular, o chamado Decreto de Plurilingüismo no sistema educativo não universitário. E (3) um debate público sobre a língua no qual, apesar das aparências de resistência, se pode detectar a cedência do galeguismo perante as formulações minoritárias do españolismo, nomeadamente com a relevância crescente (mesmo para criticá-la) da fantasmagórica noção de “imposición del gallego”.

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O Mito das Portas Singulares

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Para os mestres da escrita e da política

No primeiro dia de escola, a estudante foi levada pelo mestre perante duas portas paralelas rotuladas “G” e “E” que davam para um jardim exterior. Primeiro o mestre deu-lhe uma grande chave antiga em forma de E, com elementos modernos. “Toma”, disse ele. “Com ela aprenderás a abrir a porta E.  Não é fácil: há que dar certos giros na ordem precisa”. “Por que tenho que aprender?”, perguntou ela. “Assim está ordenado. O teu dever é saber abri-la”. O mestre continuou: “Fora encontrarás um espaço imediato, cercado pela direita com amplas portas de cristal, que dão para um mundo muito mais amplo. Também poderás chegar ali”.  “E como abrirei as portas grandes?”. “Com a mesma chave. O fecho é o mesmo”.

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E chegou a Pergunta

Publicado em Vieiros

O Conselheiro de Educação Jesús Vázquez, acompanhado polo Secretário Geral de Política Linguística, Anxo Lorenzo, apresentou o questionário de consulta de “preferências” dos pais sobre as línguas de ensino para os seus filhos. O questionário consiste em quatro perguntas por nível educativo: Educação Infantil, Educação Primária, Educação Secundária, e Formação Profissional. Será distribuído a 330.000 famílias que têm filhas ou filhos escolarizados.

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Sim, mas, que Pergunta prefere a Língua?

Publicado em Vieiros

O novo Secretário Geral de Política Linguística, Anxo Lorenzo, declarou em mais duma ocasião que “O principal problema [do Velho Decreto sobre o galego no ensino] é que non está apoiado por todas as forzas políticas” (Encontro Digital em La Voz de Galicia, 29 de maio de 2009), ou que “El bipartido aprobó un decreto sin el acuerdo del PP” (entrevista em EL PAÍS, 23 de maio de 2009).  Frente a outras opiniões de Lorenzo, esta parece uma avaliação transparentemente política, não técnica (sociolinguística), porque não se sustém numa interpretação das relações entre a conduta dum partido (o apoio do PP ao Velho Decreto esvaeceu-se no último minuto) e a posição (apoio ou apatia) que a massa social votante desse partido possa suster. Como sociolinguista, Lorenzo não poderá acreditar que o PP estava enganado a respeito da posição da sua massa social votante durante meses de gestação do Velho Decreto, nem, muito menos, que esta posição do eleitorado do PP mudasse coletiva e radicalmente num dia.

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