Não é a lusofonia: é o comunismo

No Portal Galego da Língua

   A ideia de que só a plena reintegração do galego na lusofonia, incluída a forma gráfica, salvará o idioma da sua perda acelerada está bem estendida entre o ativismo reintegracionista. Quase diria que opinar assim é senha de identidade. O postulado tem duas versões: 1) a plena reintegração é condição suficiente; 2) a reintegração é necessária, mas não suficiente. Quisera argumentar por que esta visão é imobilista, e por que a reintegração formal na lusofonia seria sobretudo lógica (e nesse sentido, historicamente necessária), mas duma lógica diferente à hegemónica hoje; quero argumentar também que o galego se pode salvar em qualquer das suas visões e formas desde que, precisamente, se abrace essoutra lógica.

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Sobre os prémios e concursos, o valor de troca e a pseudomercantilização do simbólico

Publicado em Nós Diario, 2 de fevereiro de 2022, pp. 24-25.

     Periodicamente ocorre que se produzem posicionamentos de setores sociais, grupos e coletivos, figuras mediáticas e outros em favor de pessoas galegas que concorrem em concursos internacionais sob bandeira espanhola, “representando” España (talvez contra o seu desejo ou ideal político). Não critico em absoluto as decisões dxs participantes. Reflito sobre o sentido das situações sociais geradas.

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A coprofilia da informação

No Portal Galego da Língua

     Recebo duma pessoa dos EUA uma preocupante notícia dum portal informativo australiano: que no “noroeste da Espanha”, um indivíduo entrou num supermercado com um colete suicida, e disparou contra a gente enquanto gritava “Alá é Grande”. Duas das fontes para a notícia eram os tabloides The Sun e La Región. Embora no próprio corpo do texto se dissesse que o atacante era basco, que o polícia que o desarmou o escutou gritar em euscara, e que devia ter problemas mentais, tanto o cabeçalho como o texto introdutório aludiam igualmente ao jihadismo.

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A Epistemologia do Norte de Boaventura de Sousa Santos na Corunha

No Portal Galego da Língua

     O célebre sociólogo Boaventura de Sousa Santos, do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, vem à Universidade da Corunha falar das Epistemologias do Sul e o futuro da universidade, com motivo do 25 aniversário da fundação da UDC. É um importante ato convidado pola universidade, com os poucos fundos que nos restam e que a atual Reitoria procura distribuir com siso, sobretudo para que o capital do Norte não possa botar mais pessoal trabalhador. Dentro dumas semanas virá, dentro da mesma série de palestras, por exemplo, outro célebre varão intelectual e mediático, Vicenç Navarro. Continue reading “A Epistemologia do Norte de Boaventura de Sousa Santos na Corunha”

Ideometria

     Há três maneiras em que o trabalho intelectual universitário atual se inscreve numa lógica muito distante do que ele pretensamente representa: mercantilização, disciplinamento, e calibração. De maneira interessante, a trabalhadora ou trabalhador intelectual resume e incorpora, no capitalismo especulativo do conhecimento, várias dimensões do mercado do capital, como um microcosmos dessa sanguenta ilusão.

     Mercantilização. A mercantilização do trabalho intelectual não é nova (mas constitutiva), mas condensa hoje a crise do valor que os teoristas argumentam como caraterística do capitalismo tardio. A crise do valor consiste em que a atividade conformada como trabalho (labor material ou imaterial) revaloriza de cada vez menos a matéria e portanto o produto final. Cada bem de consumo só contém uma pequena fracção de valor acrescentado: o produto é “barato”, muito barato; o lucro do capital obtém-se pola acumulação de valor apropriado na venda de milhões de produtos iguais. Portanto, é a própria força de trabalho que está desvalorizada, ao ter que realizar a mesma atividade infinidade de vezes para criar valor no produto. Conclusão: a força de trabalho não vale nada, pois só acrescenta valor polo tempo em que exerce a sua atividade mecánica, não polas destrezas do trabalho específico. Conclusão: floresce o trabalhador “genérico”, que vale para tudo. Conclusão: este trabalhador genérico não vale para nada, pois há muitos iguais, sobretudo no “terceiro mundo”. Conclusão: não importa que morram (menos dinheiro do “estado social” para mantê-los).

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As axilas de Bourdieu

     Há uns minutos tentava explicar à minha companheira de quase toda a vida (pobre ela) que eu deveria escrever um texto sério sobre Bourdieu, o meu pensador favorito, o que nos deixou tantas cousas sobre as relações entre língua (e linguagem, e discurso) e o seus valores e “capitais” associados, e a apropriação destes valores polas elites, e a sua conversão destes valores nas sociedades, que explicou tanta cousa como por que se estão a perder as línguas que nos constituem, simplesmente por uma equívoca pulsão de sermos humanos mais perfeitos ao falarmos línguas superiores. Mas dizia à minha companheira que, quando imaginava a custosa tarefa de reunir as minhas notas e ideias cada vez mais fragmentadas pola trivialidade dos telejornais em que consiste a Internet, por exemplo, assaltava-me uma sensação picante nas axilas, algo como uma constatação racional de que, com efeito, tenho axilas (tribulação inexistente quando tomo café ou vejo um filme), ou como se estivesse a produzir inconscientemente sustâncias inodoras diante dum cão ameaçador que não me vai travar ainda que eu quisera para ser herói de mim mesmo, isto é, um picor que associo ao desodorante natural maori de alúmen, pedra de alúmen, pedra da loucura, que vai instalando o Alzheimer progressivo (o ordinário, não o de Adolfo Suárez) a partir dos 50 de idade. Em fim, resumo, escrever algo sério sobre Bourdieu resulta-me impossível porque me assaltam as axilas, as minhas, não as dele, e portanto este texto não é sobre as axilas de Bourdieu mas sobre as próprias, embora um título assim de sincero, “As minhas axilas”, procedente de alguém habituado a oferecer verdadeiros tijolos, provavelmente convocasse ainda mais riso do que este texto.
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A Crise do Linguotariado

No Portal Galego da Língua

     Na Fábrica da Lingua, propriedade do Estado, trabalharam durante quarenta anos centenas de pessoas. Cada manhã recolhiam pedaços irregulares de fala do chão milenário, faziam simétricos tijolinhos com esta matéria, distribuíam-nos entre elas, e cada tarde consumiam-nos elas mesmas nas casas, nas escolas, e nalguns atos públicos. Os tijolinhos, organicamente, defecavam-se, e pouco tempo depois encontravam-se de novo no chão da terra na forma de pedaços irregulares que havia que voltar a recolher e processar. Durante quarenta anos.

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Quarenta Anos na Fábrica da Língua

No Portal Galego da Língua No Praza Pública

     Desde há aproximadamente 40 anos se vem construindo na Galiza uma versão (oral, escrita e funcional) da língua do país que geralmente está naturalizada já como o “galego oficial” (paralelamente, não esqueçamos, desde há um pouco menos se vem construindo e praticando a versão “reintegracionista”). As explicações de por que “se” optou por esse caminho (e deixo o “se” deliberadamente ambíguo por enquanto), desde e com as instituições, são variadas, mas entram no geral em três grandes blocos de critérios: fidelidade à tradição escrita, fidelidade à fala (e — dizem que portanto — maior aceitação social), e facilidade de uso. Não é objeto deste escrito comentar os critérios anteriores, já muito debatidos. O facto inegável é que, nesta altura, essa versão da língua, que chamarei o “galego-RAG”, está amplamente reconhecida (na medida em que pode está-lo uma língua em processo de extinção), sem que isto empeça que a visão alternativa (e simbólica e politicamente contrária), o “reintegracionismo”, esteja também naturalizada noutros grupos de pessoa possivelmente crescentes.

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Descapitalizar a Língua e o Discurso: sobre o galego, o valor e o capital

No Portal Galego da Língua No Diário Liberdade

     Em 1987 eu estava a fazer a tese de doutoramento numa universidade dos EUA. Tinha 28 anos, e vinha periodicamente a estadias na Galiza para a pesquisa. A tese, sobre o que chamei “a institucionalização do galego”, procurou descrever os começos da introdução estruturada do galego no estado e no poder como objeto de legislação, como elemento de ideologia, como recurso apropriável e como prática de uso. A investigação — é significativo indicar para os argumentos posteriores — foi subsidiada repetidamente, ora pola universidade americana, ora por capítulos do ministério espanhol de negócios estrangeiros destinados à colaboração científica com os EUA.

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A Morte do Sexénio (uma história)

     Hoje, na Universidade, alguém do meu corpo docente perguntou-me se eu tinha algum sexénio vivo. Precisava sabê-lo para colocar-me nalgum dos velhos lugares em que se baseia o saber universitário: os de acima, com vários sexénios vivos, e os de abaixo, seres asexeniados ou cujos sexénios, no nosso fértil eufemismo, não se chamam mortos não: não se chamam. Perguntaram-me isso, e ainda não sei como alguma gente é capaz de foçar nas intimidades dolorosas doutrem sem rubor. Porque eu tinha dous sexénios, sim, e os dous me morreram, e não é agradável lembrá-lo cada dia. Na verdade, seria mais duro admitir que nem sei se vivem, que há muitos anos que não os vejo. Concordemos, então, que para mim estão mortos. Sim, o meu segundo sexénio também morreu há tempo, e ainda hoje não deixo de tê-lo em mente. Para consolar-me, recorro à barbaridade que cunhei quando comecei a compreender para que servia ou não servia: que na realidade talvez nunca devesse ter nascido.

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