Sobre os prémios e concursos, o valor de troca e a pseudomercantilização do simbólico

Publicado em Nós Diario, 2 de fevereiro de 2022, pp. 24-25.

     Periodicamente ocorre que se produzem posicionamentos de setores sociais, grupos e coletivos, figuras mediáticas e outros em favor de pessoas galegas que concorrem em concursos internacionais sob bandeira espanhola, “representando” España (talvez contra o seu desejo ou ideal político). Não critico em absoluto as decisões dxs participantes. Reflito sobre o sentido das situações sociais geradas.

     Desde que os/as participantes nesses eventos não podam levar / exibir simultaneamente uma outra bandeira (com uma estrela vermelha), que polo menos conteste simbolicamente a Nacional Española, é claro que as suas vitórias legitimam o Reino. Ora bem, que compensação se obtém?

     Os setores sociais mencionados querem que xs participantes galegxs “vençam”. Mas nesta altura da perda do valor de uso das criações culturais próprias, os concursos e prémios (musicais, literários, culturais, também académicos e inteletuais), tanto no âmbito internacional quanto internamente, na Galiza (concursos literários, prémios e medalhas institucionais), que distribuem formas de pseudo-valor não socializáveis, são profundamente nocivos para a emancipação em chave comunal e via socialista. Incidem no estabelecimento de insidiosas hierarquias e reforçam as ideologias de mercado. Classificam e dividem internamente grupos humanos com a mesma posição objetiva. Hierarquizam e antagonizam as formas dos instrumentos de expressão simbólica (normas linguísticas, estilos) que são indéxicos dos grupos que habitualmente os utilizam. Reproduzem lógicas de acumulação. Geram campos bourdieuanos (onde se cria e combate esse valor diferencial, que o sociólogo chamou duvidosamente de “capital”), em lugar de implodi-los como vínculos estruturais entre a agencialidade grupal e a classe.

     Os prémios e concursos, dotados de dinheiro ou não, são mecanismos motores duma infinita lógica de distinção e classificação, que conduz à coopção dxs “melhores”, à dominação simbólica, e à fragmentação em círculos concêntricos de possuidorxs de “valor” em circuítos estancos, que não dialogam: escritorxs série A, série B, série Z, noções como “subliteratura”, “arte naïf”, “qualidade”, “celebridade”… Acarinhados polo fulgor, coletivos e povos dimitem da assunção da sua agencialidade para conformar-se com se verem “representados” por estes cúmios da (pseudo)produção cultural, artística, ideológica… ou política!, porque semelhantes princípios e estrutura regem na conformação dos liderados políticos, do “carisma”, etc.

     Contra esta lógica só cumpre a des-pseudomercantilização da criação e trabalho simbólicos próprios (língua, literatura, música, técnica), retirando-os da circulação da pseudotroca de pseudovalor (porque, afinal, só fragmentos mínimos desse “valor”, em âmbitos específicos, são convertíveis noutras formas), e, assim, retirando os próprios sujeitos duma lógica mercantil imposta: inaugurando ou recuperando outra lógica, primitiva e futura: a do usufruto comunal dos recursos não mercantilizáveis.

     No contexto do capitalismo não há prémios bons e concursos bons. Não há “vitórias” boas, nem (polo mesmo) “derrotas”. Há um jogo piramidal perverso, cujas regras não foram escritas polos povos e classes submetidos a ele, e frontalmente contrário ao alvo igualitário, comunista.

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