Não penses no NH

Na essencialização da luta jurídica e social sobre o sentido dum famoso pseudo-topónimo, La Coruña, esquece-se (intereseiramente?) o outro aspecto crucial da questão que nos deveria ocupar: Coruña ou Corunha? Ou Crunha? Ou Acrunha? O poliglóssico nominho debate-se assim entre duas fontes de conflito semiótico interno, ambos símbolos de Língua e Nação, ambos susceptíveis de serem ré-significados tacticamente: um artigo espanhol, La, frente a uma letra também espanhola, ñ. Ao priorizar um símbolo morfológico sobre outro gráfico, o Discurso (inerentemente espanhol) mascara eficazmente o significado do símbolo adversário. De maneira crucial, a questão do ñ nem é mencionada por reivindicadores galeguistas de todo tipo, como se tudo se reduzisse à imposição dum articulado topónimo espanhol sobre o direito essencial a existir dum articulado topónimo Agalego@, isto é, espanholizado.

A táctica é sem dúvida efectiva: A fórmula duplamente espanholizada A Coruña galvaniza a pretensa resistência dos agravados, todos (quer dizer: todos os Agalegos que se prezem@). Ninguém ousa abrir a boca para dizer que tanto monta monta tanto, porque o que subjaz ao império toponímico da Xunta é a concepção espanhola e espanholizada da língua portuguesa. Pretender dizer publicamente, então, que a questão não é A Coruña frente a La Coruña, mas Corunha frente a Crunha, significa situar-se fora do âmbito legítimo onde se coze a aparente Acontradição fundamental@: vazquismo versus galeguismo genuíno. Desde o galeguismo oficial e para-oficial, falar no assunto Corunha vs. Crunha pode interpretar-se como fazer filibusteirismo sociolinguístico, isto é: preterir a solução final que consagra o ñ galego frente a… frente ao ñ espanhol, claro, porque é sabido que se o ñ aparece numa palavra galega é um ñ galego, não espanhol.

Portanto, no debate entre La e A, o que está em jogo é o ñ. É precisamente para quebrar este jogo, para a necessária ruptura do quadro dominante, que devemos situar no debate social a questão crucial: Como vamos chamar definitivamente a segunda cidade da Galiza, Corunha ou Crunha? As condições para este são filibusteirismo estão dadas: A caixa de Pandora está (na verdade, leva anos) muito aberta. E os razoamentos para defender uma ou outra opção (que são, verdadeiramente, inconsequentes: outro tanto monta monta tanto) são tão transparentes que só um nacionalista espanhol poderia negá-los: que nos mapas internacionais da nossa língua o artigo não se emprega; e que os mapas internacionais da toponímia da nossa língua o ñ não existe.

Claro que então defender discursivamente Aa nossa língua@ é a questão central. Aos espanholistas manifestos, pode-se-lhes dizer: AOlha, na vossa língua, escrevei La Coruña se queredes. Mas Corunha é uma cidade da nossa língua@. E aos galeguistas manifestos (isto é, espanholistas implícitos), pode-se-lhes dizer: AOlha, que A Coruña está escrito com letras da sua língua. Não quererás que seja a tua língua também! Ao que íamos: Tu pensas que esse o de Corunha deve estar aí, ou é um invento?@.

Não confio em que estas verdades e perguntas de manual entrem lóstregamente nos miolos dos cépticos galeguistas, que são os que nos interessam. Mas descolocar o debate para colocá-lo bem tem o seu atractivo.

E a táctica específica para fazer isto pode vir da mão do linguista cognitivista estado-unidense George Lakoff. Num livro recente por outra parte esquecível, Don=t think of an elephant!, Lakoff aponta atinadamente que a simples menção de um conceito, inclusive para negá-lo, evoca o quadro de referência associado: Não penses num elefante! E automaticamente imaginamos a sua trompa, a cola delgada, as orelhas a abanar o ar, a estepe ou o circo… Por isso, diz Lakoff, tanto defender algo como atacá-lo com as palavras dos que o defendem acarreta evocá-lo e, portanto, reforçar o seu quadro associado na mente.

Mas quando um conceito não é socialmente dominante (aventuro eu, não Lakoff), defendê-lo talvez não adiante nada. É melhor, simplesmente, lembrar que existe: activar a pressuposição de que existe, evocando-o. O elefante, no nosso caso, é o dígrafo próprio, NH, que é um conceito, um forte conceito que evoca o quadro de uma (de outra) Língua Nacional. É isso o que devemos mencionar… sem defendê-lo. Como? Por exemplo, dizendo aos amigos e amigas galeguistas que assinam Recursos contra as leis ilegais do Reino: Não, não penses no NH do topónimo, não é essa a questão crucial. Não penses no reintegracionismo. A questão crucial é como deve ser o nome escrito: Corunha ou Crunha?

España, S.L.

Publicado em Vieiros

O problema que tivo o Conselho de Administração de Euskadi Ltd. é que a legislação comercial do cartel España S.L. não permite a separação unilateral dum dos sectores de produção, sobretudo quando este é tão importante que sem ele a empresa ficaria praticamente descabeçada. Ontem, na Junta geral de proprietários de España S.L., ficou claro que comercialmente teria sido melhor para Euskadi Ltd. a estratégia, praticada profusamente há anos durante a época de venture capitalism em USA & Co, Europe Inc. e a própria España S.L., de descolar-se da empresa mãe fugindo simplesmente de noite com a principal carteira de clientes. Afinal, se Euskadi Ltd. fosse capaz de evadir os serviços de segurança por terra, mar e ar contratados consoante o artigo 8 da Constituição Comercial, que garante a integridade da empresa, e fosse reconhecido como partner potencial polas outras empresas mundiais, pouco poderia fazer o resto de proprietários de España S.L. Catalunya Inc. e Irmáns Galicia talvez contemplassem com inveja e preocupação a aventura, enquanto o resto de España S.L. deveria, sem dúvida, aggiornar-se a um novo panorama comercial menos favorável.

Nominalmente, a reunião de ontem foi mais um desses trâmites polos que as Juntas de Proprietários devem passar para aprovarem as cousas mais triviais. Euskadi Ltd. mostrou os dentes, Catalunya Inc. confirmou a sua lealdade ao cartel, um quadro médio de Irmáns Galicia queixou-se de novo do lamentável estado das suas instalações, e a aliança entre os dous maiores sectores proprietários de España S.L., sentados a direita e esquerda da longa mesa de trabalho, continuou a funcionar como desde há décadas, na aparência de confrontação, mas sempre protegida sob o solene retrato do Presidente Vitalício de Honra, Sua Majestade Real, e os de todos os antepassados que possuem o consórcio desde há séculos (fora de temporárias ocupações civis que sempre acabaram desalojados pola polícia). O Presidente do Conselho de Administração, o Sr. Talante, demonstrou que é capaz de dialogar com um presidente territorial sem humilhá-lo. Por contra, o Sr. Mire Uszté, cujo sector é maioria em tantos Conselhos de Administração territoriais, rejeitou veementemente qualquer cissão no cartel (mesmo com posterior aliança comercial), e até ameaçou com uma possível OPA agressiva sobre Euskadi Ltd., contemplada no artigo 155 da Constituição Comercial como tábua salvadora para unificar a política de empresa. E apenas vozes tímidas (como a do Sr. Nosotros Creemos) se alçaram na Junta de Proprietários em favor duma restruturação horizontal do organigrama e duma questionável oferta pública de acções que corresponsabilizasse os próprios consumidores da instabilidade estrutural da empresa.

Contudo, é evidente que algo se move dentro de España S.L. Sofre simultaneamente pressões centrípetas pola sua futura absorção por Europe Inc., fendas centrífugas pola necessidade de expansão dos seus sectores periféricos, que já não respiram com as quotas de mercado cedidas por Madrid, e desconcerto pola recente mudança de sede executiva da rua Génova a Ferraz. España S.L. tem demasiadas filiais com demasiados interesses sectoriais. Por exemplo, o Conselho de Administração de Irmáns Galicia (quer dizer, os quatro irmãos, mais o púdico Presidente eleito, braço direito da Capital antes da modernização de España S.L.) levam anos demonstrando estarem dispostos a mudar radicalmente o seu sector de produção se assim podem manter a titularidade da empresa a qualquer preço. Producsioneh Canariah, por sua parte, é favorável a colaborar no cartel España S.L. com a única condição de preservar a sua imagem corporativa exterior. Facções em alça de Catalunya Inc. continuam a manifestar a sua intenção de absorver as contíguas Distribuidora Valencia e Servicis Illes. E enquanto concessionárias como Andalu & Cía. reclamam também periodicamente parte da torta, outras como Mur Cia. levam anos sem abrirem a boca na Junta de Proprietários. E assim por diante.

Em resumo, tudo isto dificulta o desempenho de España S.L. nos mercados, e coloca a empresa numa situação difícil de administrar com lucidez comercial. Por isso, a campanha de mercado em andamento de España S.L., que culminará com o maciço inquérito de consumo do 20 de Fevereiro, está só desenhada para desviar a atenção dos problemas internos e para preparar a sua absorção por Europe Inc. perante o temor de queda de confiança dos consumidores. España S.L. debate-se assim entre a perda de capacidade de gestão que a sua integração em Europe Inc. acarreta, e as demandas de subsectores altamente especializados que não parecem achar equilíbrio no actual organigrama do conglomerado. O resultado só pode ser ralentização do processo produtivo, custos produtivos crescentes, possível ajuste brutal de planteis, e desconfiança do mercado. Perante esta salada, só algumas vozes críticas sugerem que o mais prudente para a empresa seria rejeitar a fusão com Deutschland Internationale, France Totale e outros cartéis semelhantes, a independização das filiais territoriais, e começar de novo a capitalização desde abaixo. Algumas ousadas organizações de usuários até propõem fórmulas distintas de capitalização. Seja como for, a crise está servida, e quem sofreremos, de novo, seremos os consumidores. Haverá que ir viver a outras empresas. Ou montar um país próprio, sem Capital.