Corrupção, consenso e política linguística

Publicado no Portal Galego da Língua • Em Vieiros

     Em textos anteriores (“Língua, Mercado e liberdade”, “O conflito linguístico só tem uma saída”, “Contra a utilização dos ‘direitos linguísticos'”, “Bilinguismo zumbi e crise sociolinguística”) tenho apontado que a história da política linguística na Galiza se deve examinar como a articulação de três dicotomias entrecruzadas: o âmbito público frente ao privado; a dimensão individual frente à coletiva; e os direitos frente aos deveres. Hoje, a máxima expressão desta dialética múltipla na crise sociolinguística é o conflito entre deveres públicos coletivos a respeito da língua e direitos privados individuais, por exemplo os “direitos” dos e das estudantes do nosso sistema educativo.

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Rosa Díez insultou deliberadamente

Publicado em Xornal • Em Vieiros

Está fora de dúvida que a utilização do vocábulo “gallego” por Rosa Díez para desqualificar Zapatero na entrevista que lhe fez Iñaki Gabilondo ofendeu milhares de pessoas. A questão é se se pode estabelecer com suficiente certidão que a ofensa coletiva de Díez foi deliberada, e que portanto as suas pretensas justificações posteriores reforçam o insulto. Após examinar o desagradável diálogo muitas vezes, penso que se pode determinar isso.

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A perfeição da democracia pós-representativa

Publicado em Diário Liberdade

A pós-democracia, ou democracia pós-representativa, chegou a tal grau de perfeição que os nossos representantes, homens e mulheres, são imagens fieis de nós mesmos. Votar neles, e escolhê-los, faz como se nós próprios estivéssemos nas instituições, muito perto da Lei e do Rei.

A democracia pós-representativa é tão perfeita que, se um dos nossos representantes morrer ou deixar o cargo, pode ser substituído de contado por outro na mesma lista, pois será uma réplica exata do anterior e de nós mesmos.

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O jogo institucional da língua

Em Xornal de Galicia • No Portal Galego da Língua • Em Diário Liberdade • Em A Zona Velha

«Agora ben, o galego xa non é o portugués, e iso ocorre dende finais da Idade Media. Calquera reintegracionismo é un forzamento da Historia, e como dicía Tony Negri calquera forzamento da realidade é terrorístico».

(Xosé Luis Méndez Ferrín, presidente da RAG, em entrevista no Xornal, 6/2/2010, edição digital)

     Nunca antes, com excepção da polémica de 1986 sobre o dever de conhecer o galego eliminado da Lei de Normalización Lingüística (LNL), foi tão claro o processo que dei em chamar por primeira vez, há agora 20 anos, a institucionalização do galego. Por institucionalização não quis nem quero dizer uma difusão “normalização”, mas a redução da língua a um objeto de tratamento jurídico, e o seu submetimento à dinâmica institucional, reflexo da política. Num contexto de verdadeira crise sociolinguística (crise de usos e de transmissão), o debate atual sobre as Bases para o decreto de plurilingüismo no ensino (em diante, Bases) manifesta transparentemente esta institucionalização totémica, com curiosas ramificações discursivas.

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Consenso sem senso

Publicado no Xornal de Galicia, na edição em papel e na web

     Perante a atual crise da língua da Galiza, existem basicamente duas amplas posições para a mobilização social, articuladas em torno de plataformas e manifestos. Um bloco, com alguns matizes internos, chama a um novo “consenso” dos partidos hoje parlamentares, baseando-se no que de positivo para o galego pudesse ter (dizem) o quadro constitucional español e estatutário. Dentro deste campo, o manifesto Galego, Patrimonio da Humanidade reclama do Partido Popular um “retorno” a esse consenso, e chega a valorar positivamente a sua gestão sobre o galego de décadas anteriores. A plataforma ProLingua nasce com o mínimo denominador comum da defesa do cumprimento “íntegro” da Lei de Normalización Lingüística (LNL) de há 26 anos (a mesma que diz normalizar que também o español, afinal do ciclo de ensino obrigatório, se conheça na Galiza “en igualdade de condicións” que o galego, curiosa meta para uma lei de “normalização” da língua dominada) e do Plan Xeral de Normalización da Lingua Galega, PXNLG (o mesmo que foi desenhado para cobrir os desejos apenas de “quem quiser viver em galego”). E a plataforma Queremos Galego também apela ao “consenso” e à “unanimidade” do PXNLG e da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias,  e a uma política linguística “progresiva”.

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Como fumigar democraticamente

Publicado em Vieiros

Como não seguim o Circo Eleitoral Europeu, não soubem que o lidereso popular basco Carlos Iturgaiz propusera um tratamento higiénico político de provada efetividade: a fumigação, não apenas do exército da ETA, mas de todo o seu “contorno”, legal, alegal, ilegalizado ou relegalizado, incluindo o candidato de Iniciativa Internacionalista Alfonso Sastre. Aquelas (e estas) declarações de Iturgaiz são transparentes: “Iturgaiz felicita la ilegalización de Iniciativa Internacionalista porque ‘hay que fumigar a ETA’” (EFE, 18 maio), “‘hay que fumigar a ETA con la ley en la mano se llame como se llame’ y ha reclamado medidas por parte del Gobierno ‘cuando sabemos que la lista de Iniciativa Internacionalista en la lista de los criminales’” (Europa Press, 30 maio); “ ‘…actuar con la ley en la mano para fumigar todo lo que signifique terrorismo’ (…) ‘Ese terrorismo (…) intenta(n) exportar un terrorista a Europa con el nombre de la lista Iniciativa Internacionalista” (Europa Press, 1 junho); “fumigar con la Ley en la mano todo lo que signifique ETA y sus acólitos” (22 junho). Claro que talvez tudo fosse apenas feliz metáfora, caso no qual o “dolor” que Sastre agoira para Euskal Herria e España também se pode ver assim. Ui, que escorrego.

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E chegou a Pergunta

Publicado em Vieiros

O Conselheiro de Educação Jesús Vázquez, acompanhado polo Secretário Geral de Política Linguística, Anxo Lorenzo, apresentou o questionário de consulta de “preferências” dos pais sobre as línguas de ensino para os seus filhos. O questionário consiste em quatro perguntas por nível educativo: Educação Infantil, Educação Primária, Educação Secundária, e Formação Profissional. Será distribuído a 330.000 famílias que têm filhas ou filhos escolarizados.

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Sim, mas, que Pergunta prefere a Língua?

Publicado em Vieiros

O novo Secretário Geral de Política Linguística, Anxo Lorenzo, declarou em mais duma ocasião que “O principal problema [do Velho Decreto sobre o galego no ensino] é que non está apoiado por todas as forzas políticas” (Encontro Digital em La Voz de Galicia, 29 de maio de 2009), ou que “El bipartido aprobó un decreto sin el acuerdo del PP” (entrevista em EL PAÍS, 23 de maio de 2009).  Frente a outras opiniões de Lorenzo, esta parece uma avaliação transparentemente política, não técnica (sociolinguística), porque não se sustém numa interpretação das relações entre a conduta dum partido (o apoio do PP ao Velho Decreto esvaeceu-se no último minuto) e a posição (apoio ou apatia) que a massa social votante desse partido possa suster. Como sociolinguista, Lorenzo não poderá acreditar que o PP estava enganado a respeito da posição da sua massa social votante durante meses de gestação do Velho Decreto, nem, muito menos, que esta posição do eleitorado do PP mudasse coletiva e radicalmente num dia.

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O conflito linguístico só tem uma saída

Publicado no Portal Galego da Língua

     O conflito linguístico é inerente às sociedades de classes, porque não é um conflito linguístico: é um conflito de classe, em vários sentidos amplos, de grupos em controlo de diversas peças dessa perversa maquinaria que é um modo de produção essencialmente injusto, ainda com todas as correções que se tenham introduzido. Não quisera simplificar o problema negando que a questão identitária tenha um lugar importante no conflito linguístico na Galiza. Mas a questão identitária também consiste num conflito entre grupos. Quando a supervivência material inça a vida quotidiana, qualquer elemento cultural ou social suscetível de ser apropriado, capitalizado e distribuído diferencialmente cobra o seu papel classificador. Certo, a língua não é apenas “qualquer” elemento, mas a lógica da igualdade intrínseca dos humanos deveria levar-nos a questionar por que, em ocasiões, em sociedades específicas, a língua se torna em praticamente o mais importante dos elementos diferenciadores. O combate simbólico pola língua na Galiza é velho, tão velho como a incapacidade geral de a gente assumir, precisamente, a evidência dessa realidade coletiva, além dos nossos desejos, e ainda contra as mais puras das nossas ideologias que nos dizem que o coletivo nunca deveria se impor contra a liberdade.

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