Língua: Em favor do suicídio

Todo o pragmatismo, toda a lenteza, todo o possibilismo, todos os atrancos, todos os pactos, todas as liortas, todas as medalhas, todas as demonizações, todos os roubos, todos os insultos, todas as prebendas, todos os populismos, todas as marginações, toda a mediocridade, todas as repressões, todas as exclusões, todas as louvanças, todas as hagiografias, todos os rituais, todas as mentiras, todos os protestos, todos os segredos, todas as pintadas, todos os congressos, todas as discussões, todas as olhadas, todos os esquecimentos, todos os prémios, todas as campanhas, todos os manifestos durante décadas de concorrência entre iluminados pola administração dos resíduos da língua portuguesa na Galiza são profundíssimamente cansativos. Profundíssimamente reiterativos, circulares, endogâmicos, inférteis, aborrecidos, virais, masculinos, diletantes. Já avonda. Já basta. Já está. Morre o mundo e aqui a semearmos letras em campos reduzidos para que paçam vacas de pasta de papel. Deliberadamente lentos perante o abismo. Lentos e deliberadamente anacionais para que nos deglutam as letras doutra monstruosa Patria, sem acento. Pactando a morte em lugar de abraçá-la, obedecê-la. Fingindo resistirmos, uns e outros, que somos os mesmos. Fingindo as palavras, os argumentos, os escritos, os achados, os manuscritos, os provérbios, as partes do carro, os neologismos que ninguém nunca utilizará. Pactando os acentos, os morfemas, as proibições, as contra-senhas. Adorando os adjectivos, os versos, a tinta, os abraços. Contemplando o abismo, a queda iminente, o equilíbrio.      Pois: Nada há mais real do que o abismo antes do suicídio. E nada mais doloroso do que a morte lenta. Se afinal vai desaparecer todo germolo de uma monstruosa Pátria, não nos neguemos a um final glorioso, como nos filmes de suicídio. Só há dous caminhos para a Unidade. Um mantém-nos, como hoje, como até agora, no purgatório de uma semi-língua. O outro é acatarmos a Língua plenamente, como esta, adoptá-la, e saltarmos de pés juntos polo abismo. E, enquanto caímos, ao melhor formamos essa monstruosa Pátria que tanta náusea dá e que tanto nos faz combater contra nós mesmos. E ao melhor a queda polo abismo dura mais do que pensávamos e até, enquanto morremos, desfrutamos.