Le Pen, a Esquerda e Tu

Enviado a A Nosa Terra; não publicado • Publicado em NON!

Estes comentários sobre a vitória relativa de Le Pen na França soarão tão velhos a alguns como os princípios que sustentam a minha utopia razoada, esse projecto que nos legou Bourdieu para algo mais que conversas de salão (em Bourdieu, a utopia razoada era um sólido ideal político e social; na maioria dos que agora citam Bourdieu, é uma sonora expressão, como o seu nome, para aquilatar medalhas). O fracasso da “esquerda” e o pretenso fracasso da “direita democrática” frente à pretensa vitória relativa da “ultra-direita” são na realidade a consolidação do projecto de dominação a que ambas facções das classes dominantes levam empurrando o mundo nas últimas décadas. O argumento é singelo, e portanto não faz os quinze minutos de televisão, os pseudo-debates democráticos: O argumento é que uma “esquerda” que se dá a mão com o fascismo económico é cúmplice do fascismo, e uma “esquerda” que não apresenta mais do que retórica esvaziada de conteúdo é a peça fundamental que precisa a “direita democrática” para auto-legitimar-se, “contra o fascismo” que nos invade.

Com efeito, quando a análise política se reduz ao bisbilheio anedótico, quando se comentam as subas e baixas de Le Pen e Chirac, Aznar e Zapatero, Fraga e Beiras (ou Beiras e Rodríguez) como se fossem as subas e baixas da popularidade de Operación Triunfo ou Gran Hermano, o efeito não pode ser outro que o efeito brutal da teoria. A teoria é que todos somos iguais, e que em democracia ganha quem pode porque sempre ganha o povo com o voto. O efeito é que desaparece a utopia política, humana, social e histórica que informou tanto pensamento verdadeiramente criativo e revolucionário durante tantas décadas tão ultrapassadas polo novo escravismo de que somos cúmplices. A teoria e o seu efeito são que os “partidos” se definem por pequeníssimas questões que atingem aspectos marginais da existência: a quantidade de um subsídio de desemprego (não a ignomínia do desemprego nem a ignomínia do trabalho assalariado), a quantidade de semanas em baixa laboral por maternidade (não a função dos filhos como possessão do estado para a reprodução do sistema de segurança), a quantidade de papéis necessários para reclamar a “cidadania” (não o direito a mover-se livremente polo planeta, nem o dever dos estados opressores –todos– a garantirem a permanência na própria terra), e assim por diante.

Quando se ignoram os princípios da utopia razoada, Le Pen é apenas um acidente que reforça, como hemos ver, o grande monstro de €uropa. Le Pen ou Haider são o pretexto, não a ameaça. A ameaça está e continuará a estar dentro da partitocracia enquanto as poucas mentes lúcidas das “esquerdas” sigam a renunciar a um ideal que não lhes custa –sejamos sinceros– nada: Os intelectuais de “primeira” ou “segunda geração”, como os chamou Bourdieu, os “intelectuais orgânicos” gramscianos que ocupam a simbólica cimeira da pirâmide das suas classes respectivas, continuariam a exercer o seu sacerdócio (como já fazem periodicamente Chomsky, Said ou Galeano) com a mesma impunidade de consciência ainda se proclamassem esse resto de integridade política que mantêm, mesmo por nostalgia, no fundo de leituras e escritos progressistas. Onde estão os modelos económicos destes intelectuais, além da sua lógica e veemente oposição aos extermínios? Mas o possibilismo é uma serpe que se acosta contra os corpos dormidos na noite, que penetra o cérebro e o sexo e cresce para romper desde dentro a utopia razoada, que é nossa, da história, não dos seus pretensos salvadores.

A utopia razoada consiste em algo tão singelo que toda a maquinaria económica das sociedades de classes leva já mais de cem anos tentando destruir com milionárias videotecas de sorrisos e frases fáceis. A utopia razoada, o lugar nos mapas do socialismo de que falou Oscar Wilde, é simplesmente o convencimento íntimo e consequente de que a matéria e as forças do planeta são de todas as pessoas, e de que qualquer distribuição injusta e desigual dessa matéria atenta contra o próprio carácter da humanidade. Ninguém negaria, desde a razão (não desde o medo ou desde o possibilismo) de que o projecto de igualdade é o único razoável para a espécie humana e as demais. Eis o enorme potencial que tanto as “direitas” como as “esquerdas” institucionais se empenham em destruir constantemente para o seu próprio benefício.

Foram os chamados “governos socialistas” das cidades os que, no Estado, começaram a desmantelar o público e a aumentar a desigualdade com falsos booms económicos há um par de décadas. São os actuais governos das vilas e cidades os que também exercem contra a gente o mandato divino que lhes dá o voto. As palavras igualdade, revolução de classe, socialismo, desapareceram totalmente do discurso público. Na invasiva circulação do discurso legítimo, a menção de “classe” produz na intelectualidade aborregada e na plebe igualmente aborregada uma ladaínha de pseudo-explicações, escusas sobre a “dificuldade actual de definir as classes”, como para negar a evidência da injusta miséria. Agora que morreu Gramsci, que nasceu o pós-modernismo com Bill Gates, que o planeta se faz “tão pequeno” que compramos Kit-Kats com um euro pintado de flores de Finlândia ou águias alemãs, a classe é uma pesada lage conceptual que a esquerdinha não quer levar acima como um molesto resto de ideologia. Tudo se reduz a “direitos democráticos”, a “reconhecimento cultural”, à “integração das minorias”. Neste programado conflito entre conflitos, os interesses económicos confrontam tristes jornaleiras de Polónia contra tristes jornaleiros de Marrocos nos campos sudistas de fresas congeladas, confrontam máfias drogaditas de ucránios com máfias drogaditas de ciganos, moros contra cristãos e dépores contra barças no televisor congénito da mente. Tudo responde ao mesmo esquema infantil que inventou Abraxas e deu tanto fruto no concurso televisivo da política.

Por isso desce dos ceus Le Pen como sintoma, como polícia mau contra Chirac o polícia bom, ambos votados polos próprios torturados do euro. Aqui, dizem os listos, a “ultra-direita” não existe. Claro: está debaixo do uniforme de Jaime Pita, Pérez Varela ou Fraga Iribarne. A “direita democrática” leva o fascismo ideológico por debaixo porque por fora veste menos. E a “esquerda democrática”, o novo “nacionalismo da cidadania” que suplanta a força das múltiplas autodeterminações (o direito humano a ser oprimido como um queira) com um ambíguo direito ao boletim de identidade, dá-se a mão sem ideologia com a hidra reaccionária, que é (sem ironia) o “Pobo Galego” que a vota.

Companheiras e companheiros da “esquerda”: cada vez que matades a utopia razoada, que silenciades a necessidade indómita da total igualdade, aqui e alhures, nasce um Le Pen e ganha um Chirac: duas faces da mesma mo€da, que não deixa de ser a vo$$a. E a minha, que tenho o privilégio de escrevê-lo.

Da aberração ao quotidiano

Publicado em Lusografia.org • Na revista Em Movimento do Movimento Defesa da Língua, com variações

O quê dizer sobre a língua galego-portuguesa moderna na Galiza que não esteja já dito? Na realidade, as etiquetas “língua”, “escrita”, “lusofonia” ou “lusografia” reúnem tal quantidade de práticas sociais diversas (práticas de classe) que qualquer tentativa de descrição — e ainda mais de “defesa” — de uma ou outra não pode ser senão uma enorme redução, com objectivos também de classe. Por um vago princípio fujo de qualquer posicionamento que coloque a “língua” por cima das pessoas. A glorificação das línguas cobra tais dimensões entre as elites cultas de um país que só se pode entender como o seu exercício de manutenção da sua posição de classe. Argumentará-se (ou deveria escrever, lusograficamente, argumentar-se-á?; porque?) que dentro dos campos “lusógrafos” há variadas posições de classe, assim como dentro do campo “isolacionista” da Galiza na actualidade. Mas o que constitui estes grupos, estas empresas de actividade humana, é a sua penetração e intervenção na variedade da linguagem para reduzi-la a totem, símbolo, moeda de troco, e todas estas cousas à vez.

Infelizmente, a questão é mais singela que a sua representação social por grupos interessados na Língua como objecto. Tem-se dito tantas vezes e em tantos lugares ainda sem ler que sobejaria repeti-lo: há gente que tem e gente que não tem. Há gente que possui os meios de produção dos bens materiais e simbólicos e gente que não os possui. Não podia ser diferente no caso da língua. Não podia ser diferente na Galiza.

É apenas historicamente contingente que, na altura, a interpretação dominante sobre o idioma na Galiza o situe como um produto e artefacto cultural espanhol, embora sectores reintegracionistas e parte das elites isolacionistas privilegiadas o neguem, e, de boa fé, façam bastante (nunca se pode dizer “tudo o possível”) por resistirem contra as formas de fascismo encabeçadas por grupos e pessoas com nome e apelidos, como Manuel Fraga Iribarne. Podia ter sido de outra maneira: podia ter triunfado certa razão linguística e cultural lá por volta dos 70, ou mesmo depois, ou mesmo antes, pois também não vejo como inerentemente necessário que o projecto nacional espanhol precise de uma concepção puramente isolacionista do galego. Sempre é mais fácil predizer o passado, justificar pós-facto como os eventos foram hegelianamente necessários para este estado de cousas. É mais fácil, mas a profecia do passado é inútil. A situação está a ser assim, isso sim, e esta evidência é suficiente para analisarmos onde estamos e aonde irmos, se esse “mos” existe.

A concepção galego-portuguesa da língua (que reúne etiquetas temporariamente úteis, como “reintegracionismo” ou “lusismo”) não poderá estender-se no imaginário social sem uma séria penetração nas estruturas onde se gere a dominação. E para fazer isto precisará convencer as elites hegemónicas de que estas letras portuguesas que utilizo não são uma ameaça: não uma ameaça para o “Povo” ou o “Pobo”, não, mas para aqueles que constroem o Povo e o Pobo. Se estas elites estivessem dispostas a reconhecerem que o seu domínio sobre as cousas da língua é uma cousa trivial, a cerimónia da construção social de classe poderia tomar outros caminhos. Mas, se predizer o passado é inútil, lembrar o futuro é árduo: não há suficientes instrumentos para interpretarmos os poucos signos presentes acessíveis (signos há muitos, mas resistem-se à análise, portanto não são signos) que nos indiquem o quê vai acontecer no país daqui a dez ou vinte anos em matéria de ideologias linguísticas e práticas orais e escritas. Parece, sim, que desce o número de falantes nativos do galego. Mas também parece que na Galiza se escreve em português mais que nunca, relativamente a outros tempos e relativamente a usos não portugueses (quer dizer, usos isolacionistas galegos). O quê se faz destes factos? Caminhamos face a uma elitização maior da escrita galega na Galiza? Que significado tem isto para uma análise da reprodução de classes?

Obviamente, poderia propor uma alternativa emancipadora de signo muito diferente: uma sociedade essencialmente distinta onde o valor das letras, da alfabetização, da cultura escrita se situasse num nível de intranscendência agora indescritível. Mas não tenho nenhum argumento para justificar que, nessa sociedade, fosse esta concepção galego-portuguesa a mais razoável. Provavelmente nenhuma concepção da língua fosse mais “razoável” do que outra: simplesmente, as visões e práticas da língua aconteceriam. Quando a diversidade das condutas não afectasse à classificação social em ignominiosas escalas, é de supor que o mesmo aconteceria com as práticas da fala e da língua. Nessa hipotética altura, ser “reintegracionista” ou “isolacionista” seria tão pouco transcendente como caminhar mais lento ou mais rápido. Estamos muito longe desse lugar, não por mor da “Língua”, mas dos exércitos e dos santorais do mundo, que matam corpos e mentes e infectam com as suas hierarquias todas as actividades humanas.

Qual é, portanto, a situação actual da “língua” na Galiza? Em que estado de cousas devemos mover-nos? A situação linguística é, simplesmente, mais uma manifestação do controlo social, da divisão, da classificação e ré-classificação sociais. Esta dominação — este contributo da língua para a dominação — não é igual aqui que em outras formações sociais, nem pretendo sugerir isso: entrecruza-se de maneiras específicas com também específicas questões nacionais e de classe, que lhe dão a esta questione della lingua a sua complexidade e até matéria para o ocasional e fátuo brilho intelectual. Mas, essencialmente, na intervenção sobre a língua na Galiza também se trata da colonização da mente e da obtenção de capitais por sectores privilegiados. Reconhecer estes processos no espelho da palavra escrita deveria ser o primeiro passo para combatê-los, até por desídia. E, nesta pequena resistência, qualquer totalização é o pior adversário da razão. É claro que há projectos distintos dentro do campo cultural galego-português, como os há dentro do campo isolacionista. Mas acredito (intuo) estarmos num momento de especial fragilidade, de especial tensão política e intelectual, onde algo que poderíamos chamar “unidade de acção” faz-se um pouco mais importante. Deveria (poderia) ser uma unidade sobre bases amplas, como a clara revindicação da legitimidade, nas proclamas e na prática diária, e como a concessão do “benefício da dúvida” face aquelas posturas com considerável base social que ainda não compartilham o valor totémico da grafia “ã”. Explico-me? Na altura, na Galiza a primeira fronteira simbólica social dessa prática chamada “lusografia” na Galiza, à margem das nossas detalhadas análises (que existem) sobre o valor indéxico da escrita, passa pola aberração visual do “ç” cedilhado (e do “ss” duplo, do “m” final, etc). Como converter, em primeiro lugar, essas aberrações em normalidade quotidiana, dentro da nossa analfabetização maciça, eis uma parte inicial da questione della lingua. Uma parte muito pequena, contudo: infelizmente, “euro” e “cent” escrevem-se igual em toda Europa, e isso também (e sobretudo) é Língua: é O Discurso.

Sobre as circunstâncias da reforma ortográfica: Uma operação política

Publicado no canal Galego.org de Vieiros

Pede-se-me um artigo no qual “analizase as circunstancias en que se produciu o acordo” (sic) ortográfico, baseado numa mensagem que enviei ao Foro aberto sobre esta questão. A minha contribuição ao Foro tinha o título “Clarifiquemos algumas cousas, sim?” Aceito o convite, mas devo precisar o seguinte:

(1) Para compreender as bases políticas, ideológicas e, no fundo, materiais, do conflito sobre o idioma na Galiza (nomeadamente sobre a sua representação escrita), mais do que este textinho ou centos como este é muito mais produtiva a leitura (ou polo menos a consulta) de certas obras, como esta:

Mário J. Herrero Valeiro. 2000. Glotopolítica y genealogía del Poder: El proceso de institucionalización del gallego desde la perspectiva de uma (macro)política de la lengua. Tese de Doutoramento. Departamento de Galego-Português, Francês e Linguística, Universidade da Corunha.

(Para compreender a questão, avonda com ver o título: A tese foi redigida e apresentada em espanhol perante a impossibilidade legal de fazê-lo em galego-português, numa universidade galega. Na mesma universidade apresentaram-se teses em inglês).

Claro que é mais fácil ler a imprensa.

(2) O meu convite a participar em VIEIROS exemplifica (não paradoxalmente) a táctica da invisibilização dos “distintos”. Não é a primeira ocasião em que participo como “distinto”, quando a evidência é que há muitos mais “distintos” com nomes e apelidos, tão “expertos” ou mais do que eu próprio (naturalmente) ou do que muitas das contribuições que repetem e repetem as mesmas obviedades página após página. Mas entenda-se bem que não estou aqui para contribuir ao Debate Nacional — apenas à sua aparência.

Entro em matéria. A formulação da própria petição de Vieiros (que “analizase as circunstancias en que se produciu o acordo”) é interessante. Como deformado linguista, à partida estaria tentado a desmiudar que se entende aqui por “acordo”. O princípio operativo das conversas foi o da exclusão e invisibilização dum sector importante de pessoas, grupos, movimentos, colectivos, activistas, usuários habituais do galego escrito, profissionais, etc. (os que se chamam “reintegracionistas”, os utentes de “português padrão”, e outras faunas) que têm visões “distintas” da representada polos que se reuniram para esta reforma das Normas. Esta exclusão é um facto inegável. Portanto, o processo não cumpre nem as mínimas condições do debate “democrático” (afinal estas cousas votam-se, não é?) na esfera pública para qualquer tema de interesse nacional, tanto do ponto de vista político quanto académico e “científico”. Que cada um(a) julgue como quiser estas condições de partida. E, sobretudo, que lhes confira depois a dimensão e lhes adira a justificação que lhe dite a sua consciência.

Como todas as cousas da língua, as conversas sobre a reforma ortográfica foram uma operação política. Tiveram uma parte de contactos, de condições prévias, e logo de negociações secretas. A minha informação é que duas destas condições, apresentadas pola representação do ILG e aceites polos demais, eram: (1) Que não se questionaria de maneira nenguma o carácter do galego como “lingua propia” independente do português. (2) Que, se antes de as conversas concluírem (ou quase, quem sabe) saía à luz pública informação sobre o processo (por exemplo, na forma dum artigo na imprensa), o ILG abandonaria as negociações (o qual significaria pará-las totalmente). A pessoa que me contou isto (por própria iniciativa: eu nem sabia que existiam as conversas) instou-me, por exemplo, a não enviar nengum artigo jornalístico sobre esta questão (por uma série de razões, resultou que efectivamente afinal nunca dediquei o meu tempo a escrever qualquer cousa sobre o assunto). Contou-me também da composição das comissões (3 membros por cada universidade e 3 polo ILG).

Se não foi assim, que me rectifiquem. Não me perguntem quem me facilitou esta informação nestes termos, porque deverei dizê-lo.

A segunda fase do processo foi uma mui importante campanha mediática preparatória (incluída a campanha de VIEIROS e a de jornais locais leais ao regime). Nessa campanha os sentidos das palavras são distorcidos e apropriados sistematicamente até que os novos sentidos se estabilizam e já todos contentes. Temos muita experiência disto no discurso sobre o “terrorismo”, o “independentismo”, etc., e os procedimentos mediáticos reproduzem-se, porque, como escreveu Foucault num lugar que não lim, os mesmos DISPOSITIVOS de coerção, disciplinamento e exclusão são utilizados por poderes aparentemente diversos, até encontrados. Assim, “concórdia” começou a significar ‘aproximação entre as variantes das Normas vigoradas’. “Mínimos” começou a significar ‘as opções “permitidas”, mas não “recomendadas” das Normas’. A produtiva metaforização bélica não deixou de fazer acto de presença (“AS IRMANDADES DA FALA CONTRAATACAN”, intitula VIEIROS uma das suas notícias). Na propaganda, à falta de possível comprovação por parte dos leitores e do público, as afirmações repetidas são tomadas por verdades de fé. Assim, menciona-se o número cabalístico de “100 especialistas” (muito mais curioso ainda quando se mencionam “100 linguistas”) que estariam por detrás do “acordo”. É difícil saber se a cifra se refere a (a) todos os membros das áreas de “Filoloxías Galega e Portuguesa” (sic) das universidades galegas, mais os membros do ILG; ou (b) todos os membros dos Departamentos universitários correspondentes, que podem incluir outras áreas de conhecimento; ou (c) todos estes mais os membros da ASPG, etc. Sobretudo, é difícil ver o valor da cifra 100 quando não sabemos quantos “especialistas” NÃO apoiariam o acordo: professores reintegracionistas destas ou outras áreas, professores de ensino secundário que por diversas razões (sempre políticas) nunca acederam nem acederão às universidades galegas, etc. E, por último, também não sabemos como estes acordos foram (ou não) referendados polos colectivos implicados. Em votações nas Áreas correspondentes? Por delegação nas comissões de três membros?

Por exemplo, no meu Departamento (“Depto. de Galego-Portugués, Francés e Lingüística” da Univ. da Corunha) a proposta de reforma foi levada a votação como ponto da ordem do dia numa reunião, e aprovada por maioria, com algumas abstenções (entre 3 e 5, não lembro) e um voto em contra, o meu. A minha argumentação na reunião foi que aprovar tal proposta de reforma ortográfica não era competência dum departamento universitário como tal, além, com áreas que não estiveram nunca implicadas nem foram chamadas às conversas, como os/as professores/as de Francês e os/as de Linguística (como eu), e sugerim que a Área implicada (“Filoloxías Galega e Portuguesa”) elaborasse qualquer escrito sobre a proposta como tal área, que o Director do Departamento poderia remitir aonde for necessário nas suas funções de representação. O Director do Departamento argumentou, porém, que, para o acordo ortográfico ir adiante, os negociadores requereram que fosse efectivamente APROVADO por todo o departamento da Univ. da Corunha (ignoro como fizeram nas outras universidades). De maneira que, logo duma longa discussão sobre se procedia ou não pronunciar-se sobre o assunto, na UdC votámos sobre a proposta de reforma ortográfica professores especializados em “Filoloxías Galega e Portuguesa” (sic) (“lingua galega”, “lingua portuguesa”, “literatura galega”, “literatura portuguesa”), “Filoloxía Francesa” (sic) , “Lingüística Xeral” (sic), e representantes de estudantes de Filologia (a representação do PAS, Pessoal de Administração e Serviços, estava ausente). A ambiguidade sobre a quem se refere o número “100 especialistas” continua. E a arbitrariedade de que numa universidade se pronunciassem sobre o acordo professores/as de francês e linguística geral e noutras universidades talvez não, também é difícil de entender.

Em definitivo, frente à CLAREZA da votação adversa da Academia (números de votos com nomes e apelidos), o jogo de cifras dos “100 especialistas” do “acordo” é escorregadiço e bastante irrelevante: como tantos números, só tem uma função propagandística. E assim por diante quanto à campanha mediática.

Finalmente, em toda operação política vem a fase da ofensiva. Inteirado o Povo por fim do que estava a acontecer e o que se vai fazer, a proposta chega ao organismo correspondente. Em impoluto procedimento Democrático (bom, houvo pressões, mas onde não há pressões nas votações, incluídas as que se dão no seio das universidades entre os “especialistas”?), a Academia rejeita a proposta. A Academia deslegitima o ILG, as universidades e a ASPG, e, em “contra-ataque”, estes organismos tentam deslegitimar a Academia. Mas, e se a votação tivesse tido o sentido contrário? Não se estaria a falar agora da “responsabilidade” e do “compromisso” da Academia, composta exactamente polos mesmos membros? Aceitam ou não aceitam os proponentes da reforma atè às suas últimas consequências a legislação que confere à Academia o poder decisório sobre a questão normativa para os usos administrativos do galego? É a Academia uma instituição para a construção nacional ou não o é? Se os votos duns/dumas poucos/as académicos/as (que não todos filólogos/as ou linguistas) valem mais do que as opiniões de “100 especialistas”, porquê seria desejável politicamente que esta instituição LEGITIMASSE desde a sua total discrecionalidade um trabalho “científico” de meses dos que “realmente” sabem da Língua? Por contra, se não devemos generalizar e verdadeiramente existem “académicos bons” que perdem as votações e “académicos maus” que as ganham, por acaso não poderiam existir também “especialistas bons” que por agora perdem a definição comum da língua (os reintegracionistas) e “especialistas maus” que na altura ainda a ganham (os demais)? Ou é ao revês? Ou só se tem a razão (científica, política e histórica) quando se ganha uma votação? As contradições nas posturas dos proponentes da reforma são flagrantes.

Não julgo ter dito nada que a lógica mais comum não poda entender: Se se quer “concórdia” e “acordo” sobre a “Língua”, acorde-se com todos aqueles que “trabalham” por Ela, ainda que estejam errados na sua ignorância reintegracionista (ou a escrevam mal, como eu). Porque, se a Verdade da Língua existe e é revolucionária, afinal o actual jogo das maiorias e das minorias teria o seu correlato nas acções e as decisões dos “especialistas”: a verdade científica (quer dizer, política) imporia-se TAMBÉM sobre os dissidentes, como aconteceu nesta (lógica) “concórdia”. A imensa maioria do Povo Galego já sabe que o galego é uma Língua independente do português e que portanto se deve escrever com letras espanholas, não é? Então, o quê poderia perder a “concórdia”? Morreriam de vergonha os “especialistas” reintegracionistas por estarem errados? Perderiam o seu chisquinho de carisma actual de dissidentes? Talvez. Mas então, que melhor final feliz para esta história? Ou é que ao pior o Povo Galego sairia da liorta pensando diferente? Ou é que, se falasse o Povo (que polo seu infantilismo e imadureza não podia conhecer a existência deste “acordo” pola imprensa), escreveria só espanhol? Ou melhor ainda: não escreveria?

E é que como diz o nosso presidente Pujol, “la pela és la pela”, e é sempre a que se impõe, da mão do Estado, através do conceito de Nação, Naçom, Nazón ou Nación, que che é igual de diferente. Todas estas conexões pelas – Nação – Ortografia, e mais, na obra citada no começo.

As torres gémeas de Kabul

Publicado em A Nosa Terra 1008, 15 Novembro 2001, p. 16 • Em NON! — cultura e intervenção

Regresso dos EUA logo de um mês de sofrer o carbúnculo mental e as rodas desinformativas do Pentágono expostas na CNN e na FOX News, Coca-Cola e Pepsi-Cola respectivas (ou vice-versa) para a nossa induzida sede mediática. A maquinaria económico-informativa desse país tem conquistado o pensamento público. O discurso sobre o “terrorismo” foi sequestrado habilmente polo poder para instaurar o medo e a vigilância mútua, o qual para nós não é nada novo. A consciência crítica é uma ilha esmagadora, e só se encontra na internet (onde aprendo os meus dados) ou na conversa. A CNN produz explícitas circulares internas onde se instrue aos informadores a desactivarem qualquer notícia sobre “danos colaterais” em Afeganistão com expressões do tipo “Porém, os talibã causaram mais de 4.000 mortes no maior atentado da história”, ou “Porém, a responsabilidade última destas mortes recai na rede assassina de Ben Laden” etc. etc. O Pentágono mercou por milhões de dólares os direitos de todas as imagens da região tomadas polo satélite civil Ikonos (muito mais preciso do que os satélites espias), para impedir a sua compra e difusão polas cadeias de TV. A imprensa reproduz fielmente as palavras do governo e infielmente as dos “terroristas”. Aqui (aqui é todo o mundo) também é assim, não nos enganemos: morre mais gente em Rússia ao ano de carbúnculo e EL PAÍS não enche as suas páginas multimédia sobre como não apanhá-lo de uma cabra russa que nos chegasse por correio. Terror, sim: sobretudo o da mentira e o disciplinamento.

O sociólogo dos média Robert McChesney explica como os meios informativos foram de pouco a pouco passando do profissionalismo das primeiras guerras fotogénicas à submissão nesta mal denominada “guerra contra o terrorismo”. Umberto Eco confirma em Der Spiegel as palavras de Berlusconi sobre a “civilização ocidental” frente ao “Islã”, reproduzindo mesmo contra as suas melhores intenções as dicotomias oficiais entre Nós os cristãos velhos e Eles os muçulmanos, que viriam a utilizar as “nossas” escolas. Ninguém comenta que os acontecimentos actuais são resultado directo de a gente acreditar em deus e no mercado. Ortega, Beiras, escutem, por amor desse deus: no capitalismo as eleições sempre se perdem.

Apesar da submissão geral, alguns intelectuais advertem do perigo duma possível e devastadora guerra mundial. Eis o elemento crucial que distingue este episódio do continuado conflito de Oriente Médio e Ásia Central. É evidente que se trata de violência polo controlo económico, do gás e das reservas de petróleo: calculam-se 50.000 milhões de barris em Kazhikstã (superiores aos 30.000 milhões da Arábia Saudi), que deverão ser conduzidos por um oleoduto cujo traçado mais directo passa por um Afeganistão dócil. Também se trata dum combate pola imposição dum dado modelo de “globalização”, e, como sempre, pola sujeição das mentes das pessoas à lógica da morte. Mas o preço a pagar é muito alto, tanto que poderia exceder os cálculos do establishment ocidental. Colin Powell, que orquestrou a Guerra do Golfo, aparece agora como “moderado” tentando impor contenção; por isso mesmo está desaparecido. Uma eventual extensão dos ataques a Iraque (quer dizer, a intensificação dos já vigorados desde há dez anos) poderia ser a escusa que procurasse o outro integrismo económico, o árabe, cuja rede de interesses na região excede toda descrição. Ou o nazismo judéu, que já prometeu responder com armas nucleares se o regime de Iraque atacava Israel com bactérias ou venenos. E no elo pré-tecnológico da cadeia, os anciãos paxtuns que cruzam a inexistente Raia seca desde Paquistão para se unirem aos paxtuns afegãos não o fazem em apoio do regime talibã: fazem-no contra um inimigo genérico, como o fizeram contra os impérios britânico, zarista e soviético, na procura da dignidade e a preservação da sua longa história. Não estou a ser essencialista das identidades, porque aborreço que no seu nome se cometa qualquer guerra, que supõe o máximo culto ao corpo (matar corpos alheios para conservar o próprio). Tento simplesmente explicar porquê atiram velhos fuzis kalaxnikof contra opulentas bombas BLU: sempre a mesma máscara da morte.

Estamos num ponto de inflexão na história da humanidade. Penso sinceramente que aqui o “nós” é pertinente, e não se refere a qualquer entidade nacional ou grupo cultural, como “ocidente” ou “o islã”, essas falácias. Refiro-me aos humanos. Estamos provavelmente no momento mais perigoso desde a invenção do machado de pedra. E não há dous lugares neste duelo, não há duas opções. Às vezes –confesso e admito– nas guerrinhas diárias, há dous lados, sobretudo um o do papel, onde se escrevem cousas de palavras, e outro o das balas, onde se mata totalmente. Mas diante desta guerra só há um lugar possível, uma única opção, a que habita no pensamento ético (marca primordial do humano), a opção que ilumina a nossa utopia razoada. Todo cérebro pode imaginar essa utopia da razão: isso é suficiente para persegui-la. A outra opção, a inconcebível, não é opção: é o vazio. Pode que o vazio atómico não devore todo mundo, e os restantes ressurjam ou ressurjamos após do fungo nuclear dos búnqueres da consciência com mais terror nos olhos e uma ingénua vontade suprema de não repeti-lo. Mas isso mesmo afirmou muita humanidade depois de Nagasaki e Hiroxima, os maiores atentados terroristas da história. E, já vêem: bomba sim, bomba também, a história é uma náusea infame que se repete. É hora de mudá-la, de sequestrar a Deus e os seus sinónimos antes de que nos abrasem a todos nestas torres gémeas de Kabul, neste cárcere de lume onde escrevemos poesia cegada pola burka, onde cozinhamos tristes alimentos e esquecemos, cada vez esquecemos o futuro que levamos na cabeça, por um pouquinho de moedas ou de aplausos.

Alegado pola dor contra a paz

Publicado em A Nosa Terra

Nestes dous meses de guerra declarada tentei tantos tipos de discursos –internos, às vezes inutilmente públicos como este, às vezes na forma duma dor adolescente– que pude concluir que toda palavra habita no silêncio. Neste triturador silêncio público da sociedade, as numerosas conversas de café ou cerveja com as poucas mentes ainda ágeis que conheço demonstram que a táctica da fragmentação não funciona só nas criminosas bombas da OTAN. Por acaso é possível alinhavar um discurso colectivo a partir das narrações fragmentadas dessa dor impotente? Podem ou querem os partidos assumir essa responsabilidade, reconhecer-se -embora lhes doa aos seus interesses– nessa mítica “vanguarda” da Europa que construía a consciência dos esfarrapados? Indubitavelmente, não: não querem, portanto não podem. Por contra, a figura que emerge desta guerra declarada é a dos Intelectuais Institucionais, esmagadoramente masculinos (como os generais), que representam no calabouço de interrogatório dos jornais os papeis reais do Polícia Bom e o Polícia Mau: Bourdieu contra Cohn-Bendit, Chomsky contra o Estado, os Escritores, as plumas multiculturais que recebem os Prémios Príncipe de Astúrias. No tear das rotativas (não tanto das televisões, porque aí os seus rostos humanos denunciam as mentiras assumidas por uns poucos gravanços), os intelectuais institucionais tecem o discurso fechado da dicotomia e da responsabilidade: impedem efectivamente a circulação da dor, erigem o Manifesto como uma renovada arma de joguete, para cumprirem em conivência com o capital (sim, o capital) o ritual do silêncio, a bolsa de pintura ideológica contra os cérebros humanos.

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Os Balcãs: Outra guerra de classe

Publicado em Çopyright 71, 24 Abril 1999 • N’A Nosa Terra

Entre as características mais notáveis dos discursos actuais sobre a guerra em Jugoslávia, surpreende ver a omissão quase total da questão económica. Perante a afirmação de que também na guerra em Kosovo e Sérvia há bases económicas, tanto a direita quanto a “esquerda” parecem reagir com incredulidade, se não com clara oposição. Mas a omissão ou a negação da dimensão económica no discurso público são reveladoras. O Secretário Geral da OTAN, Javier Solana, em entrevista na TVE-2 de Espanha no programa “El Tercer Grado” (15-Abril-99) diz explicitamente “Esta guerra não é polo petróleo ou polos recursos naturais: é uma guerra polos valores humanos”. Se a deciframos minimamente, a afirmação implicita um ingénuo reconhecimento de que outras guerras semelhantes sim que foram e são polos “recursos naturais”. Perante esta descrição de Solana, um vê-se forçado a tentar compreender por que esta guerra especificamente não seria polos recursos naturais; quer dizer, um vê-se forçado a procurar as (inexistentes) circunstâncias peculiares polas quais a expulsão e o massacre de centos de milhares de kosovares das terras em que habitavam, e o intuito dos exércitos europeu e americano de, aparentemente, devolvê-los a elas, não seria um conflito económico. Eu pessoalmente não conheço nenhuma guerra que não seja económica, e a explicação é singela: nas sociedades de classes (todas), na matança de outros seres humanos há grupos armados que actuam como instrumentos de elites económicas e políticas para a apropriação de recursos e para o mantimento de regimes economicamente injustos (todos). A guerra armada é um produto da lógica de exploração que começa na submissão ao roubo do trabalho assalariado.

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Kosovo e Sérvia: Os exércitos contra os povos

Publicado em Çopyright 70, 10 Abril 1999 • Em Non! • N’A Nosa Terra

Quando se leia este texto, provavelmente a intervenção por terra da OTAN em Sérvia e Kosovo já estará decidida ou será um feito. O estado russo já estará a emprestar o seu apoio ao exército sérvio dalguma maneira, provavelmente na forma de contingentes humanos.

A guerra contra os povos em Sérvia e Kosovo convoca mais que nunca a uma aliança mundial anti-militarista, à renovação da utopia libertária baseada nos mais singelos princípios da liberdade, a igualdade e a justiça ética. O conflito está desenhado para reforçar a dependência das populações ocidentais do aparelho militar e do discurso democrático, numa era em que cresce o anti-militarismo de base mercê a essa ambiguidade de que os soldados, simplesmente, deixam de fazer-se necessários para matar. Frente ao horror bélico cultivado polas elites dos estados, as sociedades civis dos países afectados vêm-se forçadas a posicionar-se diversamente, num maniqueísta jogo que só favorece a cultura da violência de estado. É o mesmo dispositivo ideológico interpelador que leva operando com êxito em Euskadi desde há 30 anos e que a ideologia política nacionalista basca agora tenta desactivar com o projecto ilusório duma Grande Euskal-Herria.

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Biafra, sempre

Quando contemplo em detalhe o granulado fotográfico daquele meninho totalmente despido de Biafra que retratou McCullin em 1969, ou o corpo calcinado polo napalm do paradigma do terror que foi a meninha vietnamesa a fugir pola estrada borrenta, compreendo com uma força aterradora que o meu próprio privilégio de falar é a essência pura do fascismo. Sem tristeza, com a raiva dum cérebro impotente, debato-me entre a adesão ao Acaso mais inapelável ou a adesão à História. É redundante lembrar que esse meninho poderia ter sido eu, e que o meu corpo poderia ter sido aquela meninha: carne obscenamente nua, carne expiatória, desaforada mancha ética, epítome da barbárie que desde a origem do tempo não cessou.

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O Corpo, a Língua e o Estado Nacional

Publicado em Çopyright 66, 7 Novembro 1998 • Em Non! – crítica & intervenção

Na sociedade ocidental actual os três objectos (língua, corpo, estado nacional) que fazem referência a três âmbitos fundamentais da pessoa (o simbólico, o fisiológico, o social) sujeitam-se a um jogo entrecruzado de analogias com as quais entendemos e construímos um âmbito por meio do outro. Os três (língua, corpo, estado) são espaços minuciosamente territorializados e articulados polo discurso. Os discursos quotidianos, com as suas visões fortemente enraizadas de “como são as cousas”, constroem as nações-estado em termos orgânicos, como seres vivos cujas partes devem coerir, a risco de ficarem mancados: como uma árvore a que se lhe não podem cortar pôlas, como um corpo que não deve perder membros ou fetos. As línguas são também concebidas como realidades orgânicas que nascem, crescem, vivem, reproduzem-se e morrem, e que são mesmo invadidas por colonos alheios (“impurezas”) que as infectam e até as fagocitam. Os vírus das línguas são os “estrangeirismos”, os vírus dos estados são os “terrorismos”, os terroristas dos corpos são os vírus. O inimigo duma língua é outra língua, o inimigo dum estado é outro estado, o inimigo do corpo masculino é o corpo feminino.

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As falsas Perguntas dos estados

Publicado em Non! – crítica e intervenção

Confesso não conhecer muito os detalhes da proposta de regionalização de Portugal, mas, como galego do Norte, supõe-se que deveria ser uma questão que nos interessasse. A Galiza “desfruta” dum pedacinho de Estado monárquico na forma da Comunidade Autónoma “Galicia”, e a aparência de democracia mais directa também inça de cada vez mais as nossas maltratadas consciências. Apenas algumas gentes, provavelmente lunáticas, comprimidas entre várias formas de Estado –desde a crescente Europa até aos governos locais dos concelhos– debatem-se entre aceitarem a miragem duma suposta “aproximação” do Estado aos súbditos e a sua inusual lealdade às utopias, isto é: um mundo sem Estados como os conhecemos, e uma verdadeira regionalização e nacionalização definida pela união livre e pela desunião também livre.

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