Guerra Civil, Franquismo e língua

Publicado em Pensa Galiza • O texto faz parte dum comentário longo no Foro aberto do Portal Galego da Língua

Penso que há dous argumentos comummente aceites sobre as razões para a Galiza carecer na altura de elites galegófonas poderosas comparáveis às de outros países do Estado Espanhol: 1) A penetração “de acima para abaixo” do espanhol nas classes sociais galegas desde (agharra-te!) a Idade Média: aristocracia, burguesia, classes trabalhadoras (o processo é conhecido). E 2) os efeitos mais recentes da “repressão Franquista” sobre os usos públicos das línguas-não-Espanhol do estado.

O primeiro argumento tem um buraco que tenho comentado em diversas ocasiões: se a assimilação ao espanhol era e é uma fonte de “avanço social” (mobilidade social ascendente), por que, então, o espanhol não ficou nas classes altas e o galego nas baixas, como azeite sobre água? Isso seria o efeito preditível se, decerto, a assimilação à língua dominante ajudasse para o ascenso social. A realidade é que isto se trata de uma miragem: a assimilação ao espanhol não ajuda para o ascenso social na Galiza. Por que? Porque não há mobilidade social ascendente na Galiza a escala notável. Fales o que falares, se és de certa classe, os teus descendentes serão da mesma, talvez em melhor situação económica em termos de renda, mas equivalente na estrutura social. A mobilidade social ascendente, que só existe nos países com liberalismo económico forte, significa que filhos/as de trabalhadores/as podem ser capitalistas. Aqui não, com excepções.

O segundo argumento também tem o seu buraco (que também tenho comentado): se se proíbe o uso de uma língua, não há maneira de se distinguir daqueles que a usam. Portanto, o projecto nacionalizador espanhol na Galiza nunca (até agora) foi eliminar o galego, mas mantê-lo como marcador de classe.

Bom. Mas o que aconteceu nos anos do Franquismo em termos económicos (reestruturação das proto- ou quase- ou mini-elites locais, sobretudo rurais) pode deitar nova luz sobre estas questões, concretamente no relativo às novas lealdades sociais inauguradas após o golpe militar e a guerra. Tentarei explicar-me.

É também lugar comum que as proto-elites da Geração Nós e do Partido Galeguista, eram as chamadas a capitanear e capitalizar a lealdade linguística entre a população galega se o Estatuto se tivesse vigorado. Para começar, os que sabem disto dizem que se o Estatuto estivesse vigorado no 36 talvez as instituições semi-próprias pudessem ter combatido a rebelião militar ou galvanizado o apoio popular ao sistema republicano. Mas, sobretudo, a Galiza poderia ter começado a ter um sistema ocupacional (piramidal, claro) próprio das sociedades capitalistas normalizadas (um “capital nacional”) onde a hierarquia de classe se reproduz internamente mas não em termos de adscrição linguística (adscrição a uma dada “língua” étnica frente a outra). Lembremos que daquela ainda existiam os “capitais nacionais”, e a Galiza ainda não tinha o seu próprio. O que aconteceu com a guerra foi o descabeçamento do projecto modernizador proto-nacional galego, sabemo-lo.

Mas, por que projecto foi este substituído? Em termos ideológicos, foi o triunfo do projecto nacionalizador espanhol. Mas em termos económicos, foi o surgimento de novas (?) lealdades sociais dentro da própria Galiza. Essas leves ou fortes mobilidades sociais (pequenas fortunas criadas polas circunstâncias da pós-guerra) acarretavam lealdades a sectores dominantes do Franquismo/Falangismo local apesar da origem social dos subordinados, isto é, das novas pequenas burguesias rurais ou urbanas de origem rural. Frente a um esquema clássico e típico onde os pequenos proprietários rurais teriam sido chamados a ser intermediários entre as elites galegas (politicamente, o PG e ORGA) em virtude da ideologia apropriacionista do “sentimento nacional” (galego) –esquema que não chegou a desenvolver-se precisamente pola rebelião e a guerra– no panorama da pós-guerra as novas pequenas burguesias são as intermediárias naturalizadas entre as burguesias industriais urbanas de adscrição espanhola (conservadoras, defensoras do golpe) e o campesinado galego. E estas novas pequenas elites são e sentem-se cómodas (são feitas se sentirem cómodas polas elites urbanas), repito, apesar da sua origem inculta, incivilizada, rural, bruta, galega e galego-falante. Que melhor destino e que melhor maneira de saírem do gueto rural?

Por isso a língua não era e não é um problema na Galiza. Por isso a Galiza “é bilíngue”. Por isso não há nem nunca houve “auto-ódio” na Galiza: O “auto-ódio” como ideologema só se explica desde um discurso (de classe) apropriacionista da identidade (nacional galega), que, vista a estrutura de classes da Galiza, fracassou tanto como o discurso forçadamente espanholizador do Franquismo.

O quê acontece agora, o quê aconteceu nos últimos 30 anos na Galiza? Pois que estavam e estão em pugna, por uma parte (a) herdeiros ideológicos das proto-elites nacionais galegas dos anos 1930 (o BNG), mas sem a base sociológica de então, contra (b) herdeiros ideológicos e sociológicos dessas novas burguesias do Franquismo (o PP), mais (c) uma mais recente apózema ideológica e social (o PSdeG-PSOE) que se nutre do seu irmão maior espanhol e da construção nacional espanhola. Nas três posições políticas, a apropriação do imaginário identitário galego (também o linguístico) é diferente. O BNG quer reconstruir o passado perdido; o PP (polo menos os “boinas”), conservar o conquistado durante o Franquismo; o PSOE, construir uma nova Galiza espanhola sob novos parâmetros das relações entre identidade de classe, lealdades sociais e lealdades linguísticas. A posição mais (fodidamente) “moderna” é a do PSOE, e é a que leva as de ganhar.

Quanto à língua, o “galego” (a lealdade linguística ao seu uso) só se “salvará”, contra o PSOE, se o BNG actual ganha mais espaços de poder, se as classes herdeiras do Franquismo (PP) vêem que têm menos a perder com um BNG dominante que com um PSOE dominante (reconfiguração de cartéis económicos), e se o independentismo se alia tacticamente com o BNG.

Mas resta pouco tempo, porque a ideologia apropriacionista da identidade e da língua só funciona para a construção nacional com uma base mínima de usos produtivos do idioma, e a assimilação ao espanhol já é maciça e acelerada.

E, quanto ao reintegracionismo, só será (se chega a ser) uma prática amplamente naturalizada quando/se a primeira fase de nacionalização se tenha alcançado. Os isolacionistas têm razão, mas polas razões e polas análises erradas.