Bilinguismo zumbi e crise sociolinguística

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     No seu blogue do New York Times, o prémio Nobel de Economia Paul Krugman introduz a expressão “zombie ideas” para se referir àquelas más propostas económicas já mortas que ressuscitam periodicamente. Aprendo a imagem numa entrevista que lhe faz Amy Goodman no inimitável noticiário Democracy Now!, e aproveito-a sem pudor. O “bilinguismo zumbi” do meu título não se refere aos milhões de pessoas galegas que conhecemos e falamos duas (ou mais) línguas, mas às ideias zumbis sobre a nossa crise sociolinguística que a história mata periodicamente mas que levantam cabeça à mínima, com sedução de ultratumba, e que haverá que voltar a matar com paciência. O “bilinguismo harmónico” de Fraga Iribarne ressuscitou há pouco no corpo da “amabilidade linguística” de Alberto Núñez Feijóo. Na realidade, são novas versões da velha ilusão do convívio entre línguas, que nunca funcionará na Galiza (entre línguas) até que se destaque uma outra maneira de articulá-lo.

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Chapapote linguístico

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A Alberto Núñez Feijóo, filho de Iribarne

Ressuscitam os cadáveres dos velhos navios peçonhentos nas nossas costas? Voltamos a recolher o lixo físico deixado nas nossas praias primigénias pola imprudência dum governo?  Não.  Mas nestes dias anda a garrar a curta distância dos nossos olhos um enorme monstro que começa a deitar palavras de ameaça no país. É uma alta máquina oxidada que quer impor a sua sombra uniforme sobre o nosso enxame de pequenas barcas que sempre funcionou em rede, como as sociedades reais, a se comunicarem com vozes antigas e inquestionáveis atravês do mar, e do mar às beiras, e da costa ao interior, para leste e para sul, até às fronteiras difusas do país verdadeiro que não conhece linhas traçadas em mapas de plasticina. É uma máquina que com a sua simples presença impede a pesca vital e com o seu balbúrdio ensurdece o labor secular. Não é uma máquina estrangeira, mas um experimento sem sentido duns poucos poderosos, um engendro que nunca devêmos permitir existir, pois foi armado enquanto o contemplávamos nas mesmas indústrias e com as mesmas engrenagens que produzem o papel escrito que muitas pessoas lêem cada dia como se fosse a sua verdade. No seu costado obscuro que ressuma águas esluídas vê-se em grandes letras de pau o nome do projeto, e é esse nome que nos quer pôr medo, porque o engenho metálico em si não tem qualquer outra função que levar o lema de vila a vila dos nossos mil quilómetros de costa, enturvar as águas e os campos, e deixar-se ler sempre, a toda hora, desde faros e campanários, desde cantis e calas, desde casas senhoriais e prédios pintados nas cores das gamelas. A nau caduca que estes dias anda a garrar pola Galiza diz, polos dous lados, LENGUA ÚNICA.

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Uma humilhação muito cordial

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Hoje de manhã sofrim o meu primeiro controle policial sem qualquer motivo, numa rua da Corunha. Confesso que o meu historial não tem medalhas: nunca antes me parara a Policía Nacional por terrorismo, alcoolémia, drogadição ou monolinguismo. Mas hoje ia eu de carro velho ao trabalho, e um polícia fluorescente muito armado fez-me parar no controle, por detrás duma carrinha. Fervilhavam em torno da Nave-Mãe outros polícias até os dentes, sem se afastarem muito, como em invisível cordão umbilical. Quem sabe os seres que havia aí dentro.

Todo o acontecido foi uma humilhação muito cordial:

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A propaganda sobre a língua e a força do “nós”

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1. Na Galiza, em galego

     No passado 8 de fevereiro houve em Compostela algumas manifestações de diverso tipo em favor do galego, com motivo duma outra manifestação autorizada em favor do espanhol e contra o bilinguismo, isto é, contra a política educativa bilíngue da Xunta da Galiza. O lema coreado e escrito duma das concentrações, impulsada polo grupo Nós-UP (mas a autoria não é o tema) era Na Galiza, em galego ou variantes (Na Galiza, sempre em galego, Na Galiza, só em galego). Mas, o que quer dizer realmente este lema?

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A Revolta do Capitariado

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Um espectro ronda polo mundo: o espectro do capitalismo. Todas as legiões das Forças do Trabalho, unidas em santa aliança com o Feminismo e o Ecologismo, andam à caça do capital, a quem escravizam com as suas exigências cada vez mais totalitárias: salários “dignos”, “estabilidade” laboral, vacações pagas, menos de 16 horas de trabalho por dia, “igualdade de género”, uma “idade mínima” para trabalhar… E que partido não lançou alguma vez aos seus adversários de direita ou de esquerda a alcunha de “capitalista” com intenção de infâmia? Mas já é hora de falar. Perante este acossamento, que se repete ciclicamente, o subjugado capitariado mundial (o único que possui é o grande capital!) rebela-se pouco a pouco, a funcionar em rede, como todo bom ativismo clandestino. Timidamente, as empresas mais ameaçadas pola Força de Trabalho (Boeing, Toshiba, Nintendo, Renault, Citroën) começam a reagir e são capazes de impor a purga laboral que a revolta precisa: não se pode consentir que os trabalhadores continuem a roubar. O mal chamado “despedimento” é o último tímido direito que lhe resta ao capitariado dentro do Estado Social. Talvez muitas vezes o despedimento seja só simbólico, pois historicamente a Força de Trabalho, até quando é descabeçada, regenera-se como uma peçonhenta ténia: da chamada “reserva” surgem logo milhares de militantes laborais treinados nos campos das oficinas do desemprego (verdadeiros “libertados” na sombra) que ao começo fingem aceitar salários mais baixos, só para procurarem impor a sua hegemonia de “salários dignos” quando o capitariado está mais débil. A turva tática, desenhada nas madrassas da Escola de Chicago, não por conhecida deixou de funcionar durante dous séculos. Mas desta vez o capitariado parece assumir por fim o seu primário papel histórico em criar um mundo novo totalmente desigual: De cada um, segundo a sua incapacidade; a cada um, segundo o seu poder militar.

Porque, polas imposições da Força de Trabalho, os ganhos do capitariado são cada vez menos imensos. A situação do capitariado mundial está a reverter a índices do velho colonialismo, onde o único que possuía eram uns milhões de hectares, umas matérias primas, algo de ouro, umas empresas téxteis, e uns quantos escravos. A japonesa Nintendo, por exemplo, declara ter tantas perdas nos seus ganhos (“pérdidas en sus ganancias”, informa o jornal espanhol Público) que, perante a angústia, lutou até conseguir reduzir o sangrante esbanjamento que implica pagar a mão de obra. E, igual que nela, em Boeing, em Renault, nas empresas mais ativas que sofrem o acossamento, por fim parece ter surgido a consciência de que o salário é um roubo ao Capital, legitimado polo Estado. Cada mês, ou cada quinzena, ou cada dia, milhões de “trabalhadores”, “operários” ou outros eufemismos que ocultam o seu papel estrutural de domínio, assaltam as arcas das empresas e levam para a casa centenas de milhões de euros em soldos como se até a isso tivessem direito, amparados nas “constituições democráticas” e nos “convénios coletivos”. O salário atual rompe o equilíbrio da lógica da empresa, que é o lucro sem mesura. É certo que nem o mais revolucionário capitalista nega que alguma forma de salário deva existir. Mas, como explicou Xram em Sad Latipak, o salário no Estado Social apropria vilmente o mais-valor que pertence ao capitariado polo seu hercúleo esforço de transformar o nada do papel-moeda falso em extrema opulência para uns poucos.

Mas a vanguarda do capitariado está a reagir, a exercer valentemente o seu direito conquistado ao despedimento coletivo, até na versão selvagem e ilegal, na melhor tradição combativa prévia à domesticação que sofreram as Confederações de Empresários depois da Segunda Guerra. Maciçamente, com o despedimento, o capitariado começa a impor o seu inalienável direito natural a que os seus ganhos não sejam roubados polo injusto preço do trabalho. Hoje talvez seja só uma grande empresa quem ouse, mas amanhã serão duas, depois dez, cem, dez mil, e em pouco tempo todo o capitariado mundial, desde o mais consciente até o pequeno capitalista que sofre alienação ideológica de classe e acredita ser “pequeno comerciante”, será capaz de recuperar o que lhe pertence e estabelecer uma nova ordem, sempre apoiando-se inteligentemente no próprio aparelho do Estado Social que o oprime. Como escreveu Nestor Kohan em “Icsmarg y Xram: hegemonía y poder en la teoría xramista“:

“Mesmo dando conta de todas as suas limitações, devemos reconhecer ao Manifesto Capitalista o facto de destacar na sua época (no meio de um conflito de classe europeu, depois mundializado) que o Estado jamais é neutral, e que portanto o capitariado revolucionário não pode pretender utilizá-lo ‘com outros fins’… mas deixando-o intacto“.

Porque, se foi o Estado Social que criou esta inaturável situação para o capitariado, que mantenha ele as legiões de “trabalhadores” desempregados, e que inunde as arcas do Capital com papel-moeda falso. Que pague o corrupto Estado o que deve, e quebre de vez!

O capitariado não se rebaixa a dissimular as suas opiniões e os seus fins. Proclama abertamente que os seus objetivos só podem ser alcançados pola derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes populares tremam à ideia duma revolta capitária! O capitariado já nada tem a perder: tem um mundo a ganhar.

Língua, Mercado e liberdade

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1. A eliminação do coletivo

Num texto de 1998, Pierre Bourdieu (“L’essence du néolibéralisme”, Le Monde Diplomatique, Março 1998; acesso na Internet: http://www.monde-diplomatique.fr/1998/03/BOURDIEU/10167 ; existem traduções portuguesas como a de Informação Alternativa, http://www.infoalternativa.org/teoria/teo007.htm) lembra-nos o principal procedimento do liberalismo moderno (o duvidosamente chamado “neoliberalismo”, isto é, o ultraliberalismo que quer laminar as “conquistas” sociais e laborais) na sua procura da Utopia do Mercado: a extirpação gradual de todo o coletivo, amiúde com a rendida conivência das forças do progresso. A recente ofensiva discursiva de um setor do liberalismo programático español contra as políticas e legislações orientadas à manutenção (também programática) das línguas “españolas” não castelhanas do Reino pode ser examinada dentro deste contexto. Os discursos do fenómeno Galicia Bilingüe, o Manifiesto por la lengua común –com as aderências que obteve na Galiza– ou, sobretudo, o mais recente relatório do Club Financiero Vigo (CFV) exibem uma clara base argumental política compartilhada. Destes, o relatório do CFV, polo prestígio da sua fonte e polo debate que está a suscitar, merece ser comentado como paradigmático. O documento, com data 2 Setembro 2008, é editado em galego e em español, e intitula-se Política lingüística: Unha visión empresarial (Cadernos para o Debate 12) / Política lingüística: Una visión empresarial (Cuadernos para el Debate 12). Porém, na web do CFV na altura (9 Setembro) só está disponibilizada em PDF a versão em español, que é, consequentemente, a que utilizarei: http://www.clubfinancierovigo.com/archivos/archivo_333_2481.pdf. / http://www.clubfinancierovigo.com/cuaderno.asp?id=333&lang=es .

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O Discurso Porquénotecallas

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Juan Carlos de Borbón y Borbón consagrou definitivamente para a política española o Discurso Porquénotecallas, e os responsáveis jornais riram-lhe a piada: se não gosto do que dizes, berro-che que cales, porque o teu é terrorismo; mas se tu não gostas do que digo eu e berras-me, o teu é terrorismo. Em inglês, a nossa segunda língua depois do español, isto chama-se “a lose-lose situation”: ou perdes, ou perdes. Vamos, como a Inquisición, mas em moderno politono.

O alcaide de Lalimgrado Xosé Crespo pratica o Discurso Porquénotecallas contra os socialistas. Aprendeu-no bem de Fraga Iribarne, do Rey Español-Nascido-Em-Roma (mas um imigrante residente não pode votar), e daquele ínclito “ariete” Xaime Pita que no Parlamento chamava os do Bloco (sim, os do Bloco) “jarraiciños” porque diziam NOM – NOM – NOM e “próprio”. Dizer “próprio” era a essência da estrangeirice, e requeria um urgente Porquénotecallas, estrangeiro!, que não gosto do que dizes. Vamos, como faz a macro-rede AGIR (dizem os médios), mas ao revês, que sim que vale.

Quando os neo-nazis batem na Fundaçom Artábria cada vários meses, por não perderem a prática e a tradição, Garzón e Grande-Marlaska continuam a jogar ao dominó. Recebem um politono no busca: Eh, que há feridos. Bah, são cousas de meninhos. Já sabemos que os neo-nazis não têm ideologia, são apenas gamberros. Sempre foram assim. Não são uma ameaça à disgregação social de España. Não cortam España horizontalmente não, por razão de classe, cor da pele e língua. Não praticam a violência não, mas o bonito Discurso Porquénotecallas, só que um pouco mais duro empiricamente. Desde que seja rojigualda, tudo é constitucional.

Mas AGIR, essa rede islâmica controlada desde as sombras por Darth Vader, quer impor um novo Cosova nos férteis campos que vão de Lalimgrado até à Galiza Irredenta da Naçom As Portelas, e desde a Corunha “sí, sin la ele”, como diz na SER o experto sociolinguista César Antonio Moína (sin la ele) até à Raia Seca onde muda automaticamente a cor da erva no nosso mapa escolar de hilillos de plastilina. Todos os membros de AGIR levam um mapa irredento inscrito nos miolos polos laboratórios de Fidel, o ex-Comandante. Mas os Peones Negros e Losantos não levam mapa nenhum nos neurónios não: levam só a essência platónica e imortal da Liberdade, que resulta que se encarnou terrenalmente no Estado Español, que se lhe vai fazer, situado providencialmente por Dios en el centro del Universo.

Ai, o Discurso Porquénotecallas! Ele produz monstros judiciais, e faz gastar muita, muita tinta de jornais que poderia ser melhor empregada em lusificar os topónimos do Povo. Porque o Discurso Porquénotecallas só tem sempre uma direcção: a minha, que sou o que mando, sou o mando e tenho o mando do politono. Vou-che chimpar os dentes, vou-che escachar uma taça nos focinhos, vou-che meter uma cortante carta polo cu, mas não me chames fascista, nem violento, nem terrorista, que invoco aos meus garridos amigos de azul, e aos da toga e o dominó. E os sociatas? Não, esses não vão ir chorar à Fiscalia, estão domadinhos. Já o disse Clinton I, o verdadeiro: São as Eleições, estúpido. Mas o teu, extraparlamentar mocinho estrangeiro, é puro terrorismo.

Todos somos La Mesita

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Eu pensei que o Entrudo já acabara. Mas este passado viernes – sexta-feira continuou. Disque cada semana em diante até o Grande(marlaska) Circo Eleitoral de Março se vai manifestar na cidade de ALa Coruña (si no hay fúbol) uma pequeninha mesa de duas patas chamada Mesa Por La Libertad Lingüística En Español, Que No La Tenemos, Caray, junto ao fálico obelisco cantoniano (anotem nas suas agendas), na ímproba defesa do seu dialecto español ameaçado polo regime sozial-nazionalista. Sim, digo bem: o regime das galeskolas de metralheta, fular palestiniano e mapas com as câmaras de gás preparadas para o extermínio idiomático, o da Polícia Linguística Xunteira que vai zorregando a eito todo quanto bom Ciudadano responde livremente em dialecto español com um “Buenos Días Nos Dé Dios” a um repelente “Bom dia”, o sanguinário regime calcado de Saddam, Chaves e Idi Amin Dadá (o que comia corações crus de misionários españóis). Pois, ¡pardiez!, ¡voto a bríos!, ¡cuán largo me lo fiáis!, esse hitleriano regime de terror linguístico nazional-sozialista-islamo-massónico está a impor a mais brutal das repressões sobre o dialecto español, inextinguível pátria nasal palatal de El Manco de Cervantes, do pródigo portento y Fénix de las Letras de Lope, da ninfómana mística Santa Teresa, de El Cid Campeador Que Ganó Una Batalla Después De Muerto, do mataíndios Pizarro, do escravista Colón Ariel, da suja Isabel la Católica que não lavava com Colón Ariel a camisa que fedia a doma y castración, do Carlos V esse que desbanjava o ouro dos indiecitos, do pornócrata de Alfonso XIII que igual encomendava pélis porcas que colocava um ditador na poltroa, do Pelayo da virgencita virgencita que se me pongan las dos manos igual, que inauguró o principado de Asturias e o Imperio Porquénotecallas de Bourbon, e, que caray, até do livremente bilingue Francisco Franco Bahamonde (escribía versos galegos en la intimidad) que com o extraordinário filme Raza elevou a cultura cinematográfica española à altura do Potemkin, e, enfim, de tantas outras lumbreras da história e da cultura em Dialecto Español Universal.

E é que eu compreendo ternamente a Mesa Por La Absoluta Libertaz Lingüística Achuchada, Qué Córcholis: Eles e elas sofrem, sofrem enormemente de ver o deterioro das asas do hispanófono aguilucho dessecado que preside os seus televisores General Eléctrica ESPAÑOLA, enquanto já nem há programas de sábado noche no seu dialecto, nem se encontra um só jornal de goles que não venha nesse mixórdio lusista do galego xunteiro, nem os seus filhos e filhas podem já brincar na creche (ui, jugar en la guardería) no primordial dialecto que durante séculos herdaram com íntimo amor filial desde o entranhável Pedro el Cruel de Castilla até Carrero Blanco. Eu poderia contar milhenta casos de membros da Mesa En Favor de La Completa Libertad Idiomática En Esta Esquiniña Verde Amenazada que perderam os postos de trabalho por dizerem em exercício da liberdade de expressão “¿Qué se le ofrece, buen caballero?”, que perderam bolsas de estudos por escreverem livremente nas instâncias os nomes patrióticos essenciais de La Coruña, El Orense, Santiago del CampoEstrella ou El Carbajito, que pola sua incombustível lealdade a España perderam amores, ilusões, esperanças aguirres dum futuro melhor, e que perderam até anos de liberdade nas masmorras ocultas de São Caetano onde Marisol López e Ángel Quintana, vestidos de sado-maso, latigam os valerosos hispanófonos resistentes com o hino de Arturo Pondal enrolado num vergalho de touro bravo do Courel.

E É QUE NÃO SE PODE TOLERAR! Una cosa es la democracia e outra esta euskadización do galaico terruño, esta messiânica intifada contra o dialecto universal de España. Lembremos o poema de Brecht, que não era de Brecht mas que para o caso quadra bem: “Primero va y resulta que vinieron a por los demócratas / y yo miré pa otro lao…” A repressão contra o dialecto español está chegando a limites tão insuportáveis para os Ciudadanos de Bien que todo silêncio perante o españicídio é cúmplice. E amanhã, quando as esquálidas crianças dos español-falantes gaseados esmolem côdeas de pão barolento no gueto electrificado da rua San Andrés, vigiado por babeantes cães palheiros de estrela vermelha marcada a ferro no lombo, quando os infantes ocultem nos faiados os seus Diarios de Ana España para que a história e La Santísima Trinidad os recuperem, quando já nada reste do secular dialecto patrio nas riquiñas rúas chuviosas de nuestro amado lar, nas rústicas leiras onde se cultiva el nutritivo millo y el versátil greliño, nesta tierriña de muñeiras, mexilóns y encaise de Camariñas que yo también amo, qué caray, muchos “progres” y “demócratas” de-pa-co-ti-lla pagos polo ouro de Teerão lembrarão com vergonha a sua imperdoável conivência com o linguicídio que hoje nos invade.

Pero ainda teñemos tiempo, camaradas. Não sejamos cúmplices do extermínio! ¡TODOS SOMOS LA MESITA POR LA LIBERTAZ LINGÜÍSTICA AMENAZADA! ¡Todos (ui, e todas) ao Obelisco de La A Coruña daqui às eleições! ¡Cada Viernes – Venres – Sexta-Feira, con calzoncillos y bragas rojigualdas! Como em Fonteovexúa, ¡Todos a úa!

E o último domingo, pardiez, a votar polos bispos.

O enfrentamento dos salva-pátrias

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Não serei eu quem defenda a organização Batasuna, cujos elementos de messianismo ideológico estão muito longe do meu ideário político, mesmo sendo consciente como sou da distorção sistemática a que as suas palavras e ideias estão submetidas polo império mediático español. Mas, se de abominar dos messianismos se trata, não esqueçamos nunca a postura e os actos da Audiencia Nacional deste Reino, com figuras como Baltasar Garzón ou Fernando Grande-Marlaska que têm tanto poder efectivo em remexerem o ambiente social e as nossas próprias mentes com a aplicação, sempre política, das leis do Reino. O auto de Baltasar Garzón para o encarceramento dos líderes de Batasuna, tal como o conheço pola edição impressa de EL PAÍS, é um exercício de uma natureza tão ricamente visionária que nos ilumina para sempre (quer dizer, até que mudem as directrizes policiais) o panorama próximo da violência (a de Estado e a outra) neste Reino de salva-pátrias. Porque, quando começavam a cheirar a cinza velha (como após uma adolescente fogueira) as imagens de Juan Carlos de Borbón, Garzón faz-nos gozar com mais uma historieta, com um texto escrito na mais peculiar gramática da língua do império, e com o recorrente leit-motiv jurídico e quase-literário de que Batasuna se reunia para “abordar el enfrentamiento”. Certo, diz EL PAÍS que esta frase está escrita a mão nas margens dum documento interno de Batasuna apanhado pola polícia na reunião. Mas esta frase é motivo para chamar Batasuna ETA, ou ETA Batasuna, ou para redesenhar a geometria dos “entornos” políticos (se se lê o auto com atenção), onde umas vezes Batasuna é ETA e portanto está dentro de ETA, outras está fora mas é de dentro, e ainda outras (quando procura a paz) está dentro mas quer estar fora, e assim por diante. Poupo aos leitores o desastre cognitivo de pretender compreender esta geometria imposta pola Audiencia Nacional e pola Lei de Partidos, uma nova geometria moderna que tão proveitosa resultou sempre para os Estados militares definirem à vontade a identidade delituosa dos sujeitos (veja-se, sem ir mais longe, a ordem pós-euclidiana do “Eixo do Mal”, a criação discursiva de “Al-Qaeda”, o “terrorismo internacional”, e outras ameaçantes construções fantasmagóricas que o jornalista Adam Curtis se encarrega de revelar no documentário The Power of Nightmares).

Não é preciso ser muito inteligente para imaginar o que se esconde após uma expressão política como “abordar o enfrentamento”. Duvido poderosamente, por exemplo, que as diversas instâncias do Estado e dos partidos não concebessem a situação política depois da bomba massiva de ETA em Dezembro de 2006 como uma nova fase marcada polo confronto. Os representantes políticos voltaram a empregar escoltas, reforçaram-se as medidas de auto-defesa, reanimou-se a violência jurídica, e a tensão voltou a notar-se na vida e sobretudo nos catequéticos jornais españóis que aos súbditos do Reino nos amargam o chá e a cálida torrada da manhã. Quem recomeçou essa nova fase e esse tipo de enfrentamento, com uma bomba brutal que assassinou duas pessoas? Evidentemente, a ETA. Mas, colocou esta bomba Batasuna ou a sua “cúpula”, curioso elemento arquitectónico dos partidos que remete para um templo em lugar de para uma rede de pessoas? Se Batasuna o tivesse feito, toda a Audiencia Nacional, a Fiscalia do Reino, os governos español, basco e madrileno e o Chefe do Estado deveriam estar todos na cadeia por flagrante e cúmplice negligência por deixar Batasuna livre. Porque, se reunir-se para “abordar o enfrentamento” é uma actividade “presuntamente delituosa”, mais presuntamente delituoso será desmembrar duas pessoas com uma explosão que esnaquiza um enorme estacionamento. Em resumo, se Batasuna é ETA, todos os seus membros, do começo até ao final, para a cadeia. E, se não é, a calar e a deixar-se de interesseiras hipocrisias e de linguagem perversa.

Portanto, calculo que concordamos que nem Batasuna nem o Estado Español são os autores nem os culpáveis da bomba da ETA que reiniciou o “enfrentamento”. Mas as novas condições políticas, herdadas dum patético “processo” encaminhado por parte do Estado sobretudo para inocular ainda mais confusão mental numa massa de súbditos já descerebrados, inauguraram um tipo de “enfrentamento” do qual não pode escapar nenhum dos dous agentes salva-pátrias desta guerra: os braços do Estado, e a patriótica (“abertzale” é uma desnecessária dissimulação) esquerda basca. Seria ridículo negar que ambos rivais vêem a situação em termos de confronto jurídico, político, e físico, quer dizer, numa relação de tensão definida pola violência: ataques físicos e verbais, privação ou coerção da liberdade doutrem, violação de direitos, exploração da propaganda como método, etc. etc.

Dificilmente a constatação deste confronto, e a vontade duma organização como Batasuna de “abordá-lo”, se pode ver como um argumento de peso como indício delituoso para uma mente racional, em ausência de detalhes explícitos na planificação do enfrentamento. Num enlamado totum revolutum que lembra mais uma fatwa que um texto jurídico, o auto de Garzón coloca lado a lado o “enfrentamento” com, por exemplo, a táctica política de Batasuna de aproveitar as mobilizações contra o AVE. E o tremendista órgão da direita intervencionista EL PAÍS, que já não sabe que hollywoodiano cabeçalho colocar agora que o Público regala DVDs, eleva ao cubo o poder evocador do “enfrentamento” reiterando-o várias vezes na notícia.

Os tristes gudáris de Batasuna, a desafiarem a lei dum Estado em que não acreditam, reuniram-se com suficiente luz: foram dous vizinhos da vila quem solicitaram o local do concelho para a reunião. Talvez se solicitou com qualquer escusa, nem sei, nem tem importância, mas calculo que como acto político da patriótica esquerda basca. A “cúpula” de Batasuna não se reuniu nos montes ou em majestáticos zulos habitacionais como os que, diz a lenda, tinha Ali-Babá-Ben-Laden nas montanhas de Tora-Bora, nem se reuniu num desses remotos e exóticos caseríos de petrúcios a que a imaginaria española nos tem habituados como campos de treinamento onde –pontifica a porta-voz do dogma da Transición Victoria Prego– se forjou a aliança de civilizações católico-etarra. Estranha maneira a da “cúpula” de Batasuna de pertencer a ETA para planificar o enfrentamento: num local dum concelho basco.

É difícil entrar nos mundos imaginários respectivos em que combatem estes dous messianismos: o do Reino de España, e o dos gudáris bascos. Devem ser territórios nacionais míticos habitados por tantos seres fabulosos e alimárias tolkenianas que a zoologia e a teratologia do nacionalismo precisariam ser reescritas. Mas um pobre súbdito como eu reage hoje assim, com a fúria das palavras, porque está canso de ser sacudido dia sim e dia também polas hostes habituais de salva-pátrias: os que levam na mão as leis do Reino Borbónico como a Lei de Deus que a invenção do “pueblo español” votou (dizem) em constituições e eleições e outros ritos de sujeição masoquista, e os que levam na mão e nos papéis uma ideologia também redentora (isto é, também nacionalista) composta apenas de quatro palavras primitivas, quatro noções sobre o que é ser pessoa, sobre o que é a acção política, sobre o que sejam as formas das identidades sociais. As mentes de todos os salva-pátrias são, felizmente, inescrutáveis. Mas, infelizmente, ainda projectam sobre nós, dia após dia, cada manhã, quando com toda a burguesa ingenuidade queremos abordar o habitual enfrentamento gastronómico com um chá e uma cálida torrada com manteiga, a sombra dum mundo repulsivamente repetitivo, circular, cansativo, brutalmente elementar como a esquálida mente e os actos de todos os guerreiros.

Queimando espero…- Semiótica pura

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Tenho muita curiosidade por saber o que se pode queimar ou não em público no Reino. O governo español, em representação do Rey (isto é, do Estado) deveria meter na SER uma dessas cunhas publicitárias explicando os males eternos da queima de papel, como os da droga ou do tabaco: Quemar Mata… O Te Enchirona. No Chamusques Tu Futuro.

Seica um papelinho com a figura do Rey não pode ser queimado porque ele é o “símbolo de la unidad y la permanencia del Estado” (art. 56 da Constitución Española). A bandeira española também não pode ser queimada: lembrem o encarceramento que sofreu Francisco Rodríguez, hoje deputado do BNG em Madrid, acusado de ter queimado uma vistosa rojigualda aquando da chegada dos restos de Castelao a Compostela em 1984. Num curioso programa de televisão anos depois, cujo simples título daria para uma análise de tese (“Queremos saber: ¿Por qué algunos catalanes, vascos y gallegos no se sienten españoles?”), Francisco Rodríguez respondeu à entrevistadora Mercedes Milá (hoje algo degradada jornalisticamente) que ele nunca queimara a bandeira. Pois má sorte! De ter estado na cadeia, polo menos ter tido o prazer!

Mas, pergunto-me eu, então a bandeira galega actual, tampouco pode ser queimada? De que tamanho sim e de que tamanho não? Em que milímetro começa o simbolismo? Eu, por exemplo, acabo de queimar uma miniatura de papel da vistosa branca-azul no meu gabinete: os seus restos estão no cinzeiro (fiz foto no telemóvel). E um exemplar do Estatuto de Autonomia, pode ser queimado? E um CD pirata do hino galego flamenco de Arturo Pondal (outro símbolo)? Haveria que fazer a prova, diante das câmaras da TVG, em aberto, durante uma manifestação independentista (queimar a galega, digo, a outra já está mais visto).

Queimando espero... - Semiótica pura

De maneira que queimar certos símbolos é ilegal, não porque contamine (Greenpeace não abriu a boca), mas porque a pessoa incineradora manifesta que não compartilha o valor ideológico desse símbolo, ou opõe-se à consagração jurídica desse valor. Então essa opinião distinta ao dogma torna-se num oitocentista “ultraje” (teríades que tunear a língua española um pouco, chachos). A leitura dos factos é assim singela. No entanto, cada fim de semana bêbedos jovens urbanos muito democratas queimam papeleiras plásticas por apolítico prazer, e a Audiencia Nacional (sic) nem se inteira.

Mas, vamos ver (pergunto-me eu): O que acontece se um apenas declara publicamente que queima algo, mas não o faz? O que significa isto? Por exemplo: “Pola presente queimo uma imagem de Juan Carlos de Borbón como símbolo da unidade e da permanência do Reino de España, projecto político que detesto”.

Não, não o fiz bem, não ardeu de todo (com suficiente ênfase). Terei que repeti-lo: “Pola presente queimo uma imagem de Juan Carlos de Borbón como símbolo da unidade e da permanência do Reino de España, projecto político que detesto”. Assim melhor.

Uf, isto é semiótica pura. A repetição exacta indica que a oração não foi gerada aleatoriamente por um vírus de trípi do meu processador WordPerfect. As aspas distanciam-me das palavras, de maneira que eu posso argumentar que citei uma hipotética declaração, mas não o declarei de facto (bom, em privado sim, para mim próprio: é delito?). E, ainda por cima, dizendo que declaro que queimo um ícone, estou a queimar o valor dum símbolo? Tremendo sarilho! Venham Pierce e Morris (semiólogos da Audiencia Nacional, sic) a interpretá-lo; eu afurrico.

Em resumo: Quantas vezes se podem dizer cousas assim sem que a Audiencia Nacional (sic) venha pedir o DNI? Quantas vezes pode uma pessoa manifestar uma opinião política antes de que seja “ultraje”? Porque, porventura alguma autoridade do Reino de España leu a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Há tradução española.

Enfim, queimando espero / a Audiencia que mais quero. É claro que a Coroa cambaleia. Resta-lhe menos.