Escrito em Berkeley, EUA • Publicado em A Nosa Terra
A minha geração nasceu do frio exílio das cidades. À noite baixávamos com fachos acesos por túneis improváveis, caminhávamos de espaldas à procura de sombras míticas descritas em tratados de luta, e ao sair críamos repartir o pão e a palavra dum combate que já mais havemos de ganhar. Por enquanto, esquecíamos na casa essa continuidade de pais que apesar das décadas se amavam, e, por vivermos sem lhe dar cara a um hábito que víamos alheio, no decurso da nossa ingenuidade perdemos a maneira de querer-nos. Durante anos cultivámos cegamente noites húmidas, beijos que sabiam cada vez mais a quotidiano pergaminho, essa inverniça tradição de saudar-nos em pares à entrada duma casa que inutilmente quigera reproduzir a nossa infância, e mesmo alguns cometemos a falta de crer-nos intemporais nos nossos filhos de cor imaginária. Agora, de novo em roupas de pouca consistência, com o peso de tantos manuscritos que fingimos, alheios no desesperado coração dum tráfico de dias, descemos como antes a figuradas tobeiras clandestinas onde o fumo desenha fantasmas que já nem sequer podemos reconhecer sem medo. Mas hoje não procuramos o Mito senão algum pretexto.
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