Publicado no Portal Galego da Língua • Em Renovação núm. 14 • Em Areanegra
Sr. Manuel Fraga Iribarne:
Sou súbdito seu. Estivem prestes a lhe enviar um pedaço de chapapote dentro dum envelope, anónimo, obviamente. Direi-lhe porquê anónimo: Primeiro, o Sr. nunca receberia o chapapote, interceptado polos seus serviços. Segundo, o Sr. poderia actuar até judicialmente contra mim, ou os serviços do estado, que é o seu, poderiam se encarregar de registar ainda mais um dado nos extensos arquivos negros, como o piche, que o Sr. se encarrega de manter. O Sr. tem uma longa trajectória no controlo do Estado. Afinal, decidim não enviar-lhe o chapapote, mas escrever-lhe esta carta, que nunca lerá.
O Chapapote, Sr. Fraga Iribarne, é um símbolo da sua trajectória, da sua vida, do negrume dos seus muitos actos contra a História. Afinal, reiteram nestes dias os marinheiros, o mar sempre devolve o que não é dele. A História é como o mar: também devolve o que não lhe pertence. Hoje o Chapapote é o lixo histórico com que você, Sr. Fraga Iribarne, foi poluindo este país e também Espanha. O Chapapote é signo da insolência da sua casta. Não será preciso que lhe lembre, nem que lembre à pouca gente que leia isto, em que consiste esta insolência. Fraga Iribarne é o seu duplo apelido: é o que sempre o definiu, o do lacaio do Estado que se banhou desafiando o resíduo nuclear e instaurando a Propaganda como método. O Chapapote é o símbolo do seu nepotismo cacical, com o qual infectou o campo da Galiza prometendo esmolas enquanto desarticulava conscientemente o tecido produtivo. Com o Chapapote compra você a mente dos sul-americanos de origem galega, os mesmos que são comprados polo Chapapote doutros governantes. O Chapapote representa a sua arrogância ao desprezar durante décadas as palavras da gente. Sobre o Chapapote foi construída a sua casa e será erigida a vindeira cidade faraónica que levará o seu duplo apelido, e com o Chapapote rasgou você, Sr. Fraga Iribarne, uma falaciosa trama de autoestradas para os rápidos automóveis que se nutrem do Chapapote universal. Para você um voto valeu sempre um metro de monstruoso Chapapote dissimulado em alcatrão de vila a vila para cortar o país, sim, como aquela famosa navalhada à terra que se denunciava no outro franquismo. Os velhos, como eu (já levo quarenta e quatro anos de domínio sob os seus e sob os que são como os seus) lembramos tão bem como você essa profecia cumprida dos perigosos radicais dos 70, quando você, tentando inutilmente ser o cadáver de Franco, se negava até ao ridículo regime autonómico que sofremos. O sangue que saiu dos operários bascos que matou a sua palavra era de Chapapote. De Chapapote está feito o selo de lacre da bíblica Constitución Española que rege as suas noites e os seus dias de faisães. Sr. Fraga Iribarne: você inaugura dia a dia o Chapapote em todos os lugares da Galiza. O barco que se afundou, cevado de Chapapote do capital, é o símbolo do seu féretro político.
Mas não pense você, Fraga Iribarne, que o acuso pessoalmente de nada, nem sequer de nadar no Chapapote dos seus actos: Você é tão insignificante para o projecto ignominioso do Capital como eu o sou para o seu combate. Você passará às letras enciclopédicas do Chapapote como um simples lacaio da anti-história, esse processo de morte que sempre foi contra os humanos. Nem sequer é você um oligarca, Fraga Iribarne: é um ser irreal mantido polo exército da miséria sobre um esqueleto de Chapapote. Nem pudo nunca você emular a nitidez estética dos grandes ditadores, dos verdadeiros oligarcas. Os actos mais importantes da sua vida, pense-o bem, foram um jogo de dominó e uma frase totalmente atrapalhada. Tente você pensar que grande estadista passou à história por construir estradas de chapapote, torres telefónicas e albergues rurais. É você um fantasma de si próprio que nem merece a demissão como escusa. E a História, que tem muita força, saberá deixar-lhe continuar o seu rumo de manipulações, roubos e mentiras, o seu triste périplo pola terra, até que passe tempo e o seu corpo se afunde, como se afundará o meu, que felizmente vou, com muita outra gente, num barco diferente.
Não procure outras causas, não finja outras explicações para os seus actos, Fraga Iribarne: Você sabe o quê são as forças materiais da História, esse desejo e essa vontade de total igualdade que contém a mente humana. E você sabe também qual é o braço armado da miséria, o que quer matar a mente da humanidade, e elegeu sempre posicionar-se aí, contra o mundo, do lado do roubo e a lobotomia como métodos. Todos os do seu grupo de classe elegeram o mesmo, e muitos fantasmas políticos doutros grupos também. A sua classe é a simples e triste gerente do Chapapote do mundo, mas você sabe que o verdadeiro centro está alhures, nas enormes fábricas de morte de Ocidente, nos intestinos metálicos do monstro onde a sua classe cacique nem seria recebida. Poderá você sonhar às vezes com imortalizar a sua efígie nalgum dos corredores subterrâneos onde novas promoções dos legionários do euro pudessem admirá-la, mas na verdade essas galerias só estão ladeadas por transparentes urnas onde se adoram mísseis, fardos de heroína afegã e turvos instrumentos de tortura sexual, como tudo o que nos causa dor. Nas entranhas do monstro urde-se o contrabando universal da miséria. Esse é o Projecto, e esse foi sempre o seu projecto, Fraga Iribarne: o roubo da matéria, do trabalho, dos corpos e das mentes como método. Porque esse foi sempre o único projecto do Capital, que existe e não mudou desde as origens. E para esse ingente e odioso plano você será esquecido, como eu o serei e o será este texto. Você, Fraga Iribarne, é apenas uma molesta incidência.
Portanto, durma tranquilo, e sobretudo para dormir melhor não deixe de pensar que toda a gente está errada, e que você é Importante. Porque a resposta é fácil, Fraga Iribarne: A História (que não verá você nem verá a minha geração) tem uma força enorme e é capaz de criar monstros de Chapapote como símbolos para que ressuscite a consciência. E cada mente do planeta que cultive dentro o mapa da utopia será uma prova do seu fracasso, Fraga Iribarne, do irrisório fracasso da sua classe.
Atenciosamente, sempre desejando-lhe que respire:
Celso Alvarez Cáccamo