O Discurso Porquénotecallas

Publicado em Vieiros

Juan Carlos de Borbón y Borbón consagrou definitivamente para a política española o Discurso Porquénotecallas, e os responsáveis jornais riram-lhe a piada: se não gosto do que dizes, berro-che que cales, porque o teu é terrorismo; mas se tu não gostas do que digo eu e berras-me, o teu é terrorismo. Em inglês, a nossa segunda língua depois do español, isto chama-se “a lose-lose situation”: ou perdes, ou perdes. Vamos, como a Inquisición, mas em moderno politono.

O alcaide de Lalimgrado Xosé Crespo pratica o Discurso Porquénotecallas contra os socialistas. Aprendeu-no bem de Fraga Iribarne, do Rey Español-Nascido-Em-Roma (mas um imigrante residente não pode votar), e daquele ínclito “ariete” Xaime Pita que no Parlamento chamava os do Bloco (sim, os do Bloco) “jarraiciños” porque diziam NOM – NOM – NOM e “próprio”. Dizer “próprio” era a essência da estrangeirice, e requeria um urgente Porquénotecallas, estrangeiro!, que não gosto do que dizes. Vamos, como faz a macro-rede AGIR (dizem os médios), mas ao revês, que sim que vale.

Quando os neo-nazis batem na Fundaçom Artábria cada vários meses, por não perderem a prática e a tradição, Garzón e Grande-Marlaska continuam a jogar ao dominó. Recebem um politono no busca: Eh, que há feridos. Bah, são cousas de meninhos. Já sabemos que os neo-nazis não têm ideologia, são apenas gamberros. Sempre foram assim. Não são uma ameaça à disgregação social de España. Não cortam España horizontalmente não, por razão de classe, cor da pele e língua. Não praticam a violência não, mas o bonito Discurso Porquénotecallas, só que um pouco mais duro empiricamente. Desde que seja rojigualda, tudo é constitucional.

Mas AGIR, essa rede islâmica controlada desde as sombras por Darth Vader, quer impor um novo Cosova nos férteis campos que vão de Lalimgrado até à Galiza Irredenta da Naçom As Portelas, e desde a Corunha “sí, sin la ele”, como diz na SER o experto sociolinguista César Antonio Moína (sin la ele) até à Raia Seca onde muda automaticamente a cor da erva no nosso mapa escolar de hilillos de plastilina. Todos os membros de AGIR levam um mapa irredento inscrito nos miolos polos laboratórios de Fidel, o ex-Comandante. Mas os Peones Negros e Losantos não levam mapa nenhum nos neurónios não: levam só a essência platónica e imortal da Liberdade, que resulta que se encarnou terrenalmente no Estado Español, que se lhe vai fazer, situado providencialmente por Dios en el centro del Universo.

Ai, o Discurso Porquénotecallas! Ele produz monstros judiciais, e faz gastar muita, muita tinta de jornais que poderia ser melhor empregada em lusificar os topónimos do Povo. Porque o Discurso Porquénotecallas só tem sempre uma direcção: a minha, que sou o que mando, sou o mando e tenho o mando do politono. Vou-che chimpar os dentes, vou-che escachar uma taça nos focinhos, vou-che meter uma cortante carta polo cu, mas não me chames fascista, nem violento, nem terrorista, que invoco aos meus garridos amigos de azul, e aos da toga e o dominó. E os sociatas? Não, esses não vão ir chorar à Fiscalia, estão domadinhos. Já o disse Clinton I, o verdadeiro: São as Eleições, estúpido. Mas o teu, extraparlamentar mocinho estrangeiro, é puro terrorismo.

Todos somos La Mesita

Publicado em Vieiros

Eu pensei que o Entrudo já acabara. Mas este passado viernes – sexta-feira continuou. Disque cada semana em diante até o Grande(marlaska) Circo Eleitoral de Março se vai manifestar na cidade de ALa Coruña (si no hay fúbol) uma pequeninha mesa de duas patas chamada Mesa Por La Libertad Lingüística En Español, Que No La Tenemos, Caray, junto ao fálico obelisco cantoniano (anotem nas suas agendas), na ímproba defesa do seu dialecto español ameaçado polo regime sozial-nazionalista. Sim, digo bem: o regime das galeskolas de metralheta, fular palestiniano e mapas com as câmaras de gás preparadas para o extermínio idiomático, o da Polícia Linguística Xunteira que vai zorregando a eito todo quanto bom Ciudadano responde livremente em dialecto español com um “Buenos Días Nos Dé Dios” a um repelente “Bom dia”, o sanguinário regime calcado de Saddam, Chaves e Idi Amin Dadá (o que comia corações crus de misionários españóis). Pois, ¡pardiez!, ¡voto a bríos!, ¡cuán largo me lo fiáis!, esse hitleriano regime de terror linguístico nazional-sozialista-islamo-massónico está a impor a mais brutal das repressões sobre o dialecto español, inextinguível pátria nasal palatal de El Manco de Cervantes, do pródigo portento y Fénix de las Letras de Lope, da ninfómana mística Santa Teresa, de El Cid Campeador Que Ganó Una Batalla Después De Muerto, do mataíndios Pizarro, do escravista Colón Ariel, da suja Isabel la Católica que não lavava com Colón Ariel a camisa que fedia a doma y castración, do Carlos V esse que desbanjava o ouro dos indiecitos, do pornócrata de Alfonso XIII que igual encomendava pélis porcas que colocava um ditador na poltroa, do Pelayo da virgencita virgencita que se me pongan las dos manos igual, que inauguró o principado de Asturias e o Imperio Porquénotecallas de Bourbon, e, que caray, até do livremente bilingue Francisco Franco Bahamonde (escribía versos galegos en la intimidad) que com o extraordinário filme Raza elevou a cultura cinematográfica española à altura do Potemkin, e, enfim, de tantas outras lumbreras da história e da cultura em Dialecto Español Universal.

E é que eu compreendo ternamente a Mesa Por La Absoluta Libertaz Lingüística Achuchada, Qué Córcholis: Eles e elas sofrem, sofrem enormemente de ver o deterioro das asas do hispanófono aguilucho dessecado que preside os seus televisores General Eléctrica ESPAÑOLA, enquanto já nem há programas de sábado noche no seu dialecto, nem se encontra um só jornal de goles que não venha nesse mixórdio lusista do galego xunteiro, nem os seus filhos e filhas podem já brincar na creche (ui, jugar en la guardería) no primordial dialecto que durante séculos herdaram com íntimo amor filial desde o entranhável Pedro el Cruel de Castilla até Carrero Blanco. Eu poderia contar milhenta casos de membros da Mesa En Favor de La Completa Libertad Idiomática En Esta Esquiniña Verde Amenazada que perderam os postos de trabalho por dizerem em exercício da liberdade de expressão “¿Qué se le ofrece, buen caballero?”, que perderam bolsas de estudos por escreverem livremente nas instâncias os nomes patrióticos essenciais de La Coruña, El Orense, Santiago del CampoEstrella ou El Carbajito, que pola sua incombustível lealdade a España perderam amores, ilusões, esperanças aguirres dum futuro melhor, e que perderam até anos de liberdade nas masmorras ocultas de São Caetano onde Marisol López e Ángel Quintana, vestidos de sado-maso, latigam os valerosos hispanófonos resistentes com o hino de Arturo Pondal enrolado num vergalho de touro bravo do Courel.

E É QUE NÃO SE PODE TOLERAR! Una cosa es la democracia e outra esta euskadización do galaico terruño, esta messiânica intifada contra o dialecto universal de España. Lembremos o poema de Brecht, que não era de Brecht mas que para o caso quadra bem: “Primero va y resulta que vinieron a por los demócratas / y yo miré pa otro lao…” A repressão contra o dialecto español está chegando a limites tão insuportáveis para os Ciudadanos de Bien que todo silêncio perante o españicídio é cúmplice. E amanhã, quando as esquálidas crianças dos español-falantes gaseados esmolem côdeas de pão barolento no gueto electrificado da rua San Andrés, vigiado por babeantes cães palheiros de estrela vermelha marcada a ferro no lombo, quando os infantes ocultem nos faiados os seus Diarios de Ana España para que a história e La Santísima Trinidad os recuperem, quando já nada reste do secular dialecto patrio nas riquiñas rúas chuviosas de nuestro amado lar, nas rústicas leiras onde se cultiva el nutritivo millo y el versátil greliño, nesta tierriña de muñeiras, mexilóns y encaise de Camariñas que yo también amo, qué caray, muchos “progres” y “demócratas” de-pa-co-ti-lla pagos polo ouro de Teerão lembrarão com vergonha a sua imperdoável conivência com o linguicídio que hoje nos invade.

Pero ainda teñemos tiempo, camaradas. Não sejamos cúmplices do extermínio! ¡TODOS SOMOS LA MESITA POR LA LIBERTAZ LINGÜÍSTICA AMENAZADA! ¡Todos (ui, e todas) ao Obelisco de La A Coruña daqui às eleições! ¡Cada Viernes – Venres – Sexta-Feira, con calzoncillos y bragas rojigualdas! Como em Fonteovexúa, ¡Todos a úa!

E o último domingo, pardiez, a votar polos bispos.

O Monolinguismo Graciñas, ou Como roubar ao Corredoira

Publicado no Portal Galego da Língua

Quisera falar desse fenómeno tão comum na Galiza que dou em chamar o Monolinguismo Graciñas. Escasso eu de ideias ultimamente, roubo o tema do artigo “Bom Dia“, no Portal Galego da Língua, do perspicaz pára-erudito Fernando Vázquez Corredoira. Lede-o antes, que tem substância. Nele, Corredoira comenta que na Catalunha, país onde mora agora, um bilingue como ele (bom, na realidade trilingue, quatrilingue ou linguareiro; para este caso, bilingue catalão-espanhol) vai a um bar, por exemplo, diz “Bon dia”, o bareiro monolingue em espanhol responde “Buenos días”, ele então continua em espanhol, o bareiro também, e afinal o bareiro diz “Adéu” em catalão. Corredoira explica o que isto significa: simplificando, que, num país bilingue, o bareiro monolingue quer indicar que respeita o bilinguismo do outro.

Na Galiza acontece algo que pareceria semelhante, mas nem tanto. É assim: Tu, que és uma pessoa de competência bilingue galego-espanhol mas falas só galego, vás a uma loja e dizes “Bom dia”, ou “Bos días”. A empregada monolingue diz “Buenos días” e fala sempre em español. Tu continuas em galego porque sabes que te entende (tu sabes que o galego é uma língua distinta, e que por isso todo o mundo deve entendê-la; ela sabe que galego e español são a mesma língua, por isso entende o teu español que é galego). E o mais estranho é que, afinal, a empregada se despide com o perfeito trissílabo “Graciñas”, quase com um acento por sílaba. Diz “Grá-cí-ñás” com “eñe”, claro, porque se não diria “Obrigadinha”, o qual seria demasiado fríqui.

Para que farão estas cousas raras estas duas personagens: tu a/o Bilingue Monolingue Galega/o, e a vendedora Monolingue Graciñas?

A empregar só galego, tu, de competência bilingue mas monolingue no uso, indicas que estás no teu país Monolingue Em Galego, Que Demo!, que por desgraça tem dentro um país monolingue em español que meteram a ferro os malvados Reis Católicos para castrar-nos a língua, que dói.

E, a despedir-se com “Graciñas”, a empregada, sempre cortês, está a indicar que estamos no teu país que tu pensas que é bilingue mas que estamos no seu país que ela sabe que é monolingue. A ver, que não entendo.

É possível que, se ao começo do encontro –que se chama do tipo transaccional— a vendedora graciñas se pusesse a falar galego, não soubesse continuar bem. Isso diz o Corredoira no caso do bareiro monolingue na Catalunha. Mas talvez não seja a mesma situação: o bareiro monolingue talvez venha de Cáceres. Aqui na Galiza muitas vezes a vendedora poderia continuar em galego, claro: é galega! Mas, para que vai ela falar em galego, que é español, pudendo falar em español, que é español? Falando no seu español, que é o tipo de español que fala, a vendedora indica, além, algo cortês e bonito: que o teu galego também é español; que falades a mesma língua.

Polo contrário, se a vendedora se pusesse a falar no teu galego que é español, talvez não o fizesse tão bem como tu, e ela teria algo a perder em termos do que se chama face ou imagem, por duas razões: primeiro, por ela falar mal (falar mal podendo falar bem faz perder imagem); e, sobretudo, porque che poria a ti na incômoda situação de reconheceres esta deficiência, e até de apiedar-te do mal español que fala ela no seu galego.

Em resumo: a vendedora fala español porque é cortês contigo, para não perder imagem, porque falades a mesma língua, e porque é livre.

Mas então, já afinal do encontro, a vendedora que pratica o Monolinguismo Graciñas tem algo a ganhar dizendo “Graciñas”. Com este rítmico trissílabo reconhece que tu, o bilingue-que-pretende-ser-monolingue-galego, tens a liberdade de fazer isso, enquanto ela, a monolingue-que-não-pretende-ser-bilingue para ela (porque sabe que “Graciñas” é uma palavra española) mas sim para ti (porque tu pensas que é uma palavra galega), tem a liberdade de não converger em galego contigo porque estamos num país bilingue (o teu, não o dela) e de escolhas linguísticas livres.

De maneira que, no fundo, os praticantes do Monolinguismo Graciñas, como esta vendedora, são mais respeitosos contigo (porque indicam que estão no teu país bilingue) do que tu com eles, que não reconheces o seu país monolingue. Que tu sejas menos cortês não lhes importa, porque o seu trabalho é serem corteses. E ainda por riba queremos mais Normalización!

Eh, não estou julgando as intenções psicológicas malévolas da vendedora desleixada, antipatriota, ou patriota española (que é menos mau, porque polo menos ela também tem Patria, como tu, inclusive sem acento), descendente directa dos Reis Católicos. Estou procurando desvendar o que se chamam as ideologias linguísticas, que são esse conjunto de, digamos, conteúdos sobre a língua que se manifestam às vezes nas palavras que parecem uma cousa mas são outra.

Muito bom. Tudo claro. Ou não. Agora já é difícil de arranjar a confusão. O caso é: perante a vesânia do Monolinguismo Graciñas, o que fazer? Risque-se o que proceda:

a) Nada. Sofrer doma y castración.
b) Chamar imediatamente à Mesa polo telemóvel.
c) Responder “De nadiña”.
d) Reler o unânime Plano Xeral de Normalización da Lingua Galega.

Eu faria isto último. Não reler tudo, que dói a cabeça. Só a introdução. E como o Plano Xeral de Normalización da Lingua Galega está desenhado unanimemente para “preservar os dereitos das persoas que queren facer a sua vida inteira sempre en galego” (mais ou menos, não vou citar literalmente, que me dói a cabeça), pois não che hai nada que fazer. Isso é a normalización, é-che o que hai. Nas administrações, a Xunta pode meter o peçunho, que são suas. Mas, e no Hipermercado Graciñas? Porque no híper tu já fazes a vida em galego! A tua, digo, não a da vendedora. Não quererás que a Xunta, para garantir o teu direito de falares español em galego, se meta nos direitos dos monolingues graciñas de falarem español em español! Porque há Liberdade de Língua e de País. Como vai entrar a Xunta de Galicia a foçar na língua do país dos Reis Católicos que está dentro da Nazón que está dentro da Nación? Ai, que me lio!

A ver se me explico melhor: Como vão fazer a Xunta unánime e a Mesa com que os desleixados Monolingues Graciñas compreendam que o galego, essa forma do español, é a forma de español que há que utilizar neste país que é monolingue em español para pretender que é um país monolíngue Em-Ga-le-go, Que Raios?! Para isso a Xunta teria que entrar nos cocos mentais dos traidores Monolingues Graciñas, com trepanadores ACME que no extremo inoculassem letra a letra na dura-máter as Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego, Versión 2.2 e tirassem fora as letras do Diccionario de la Real Academia Española, 22ª edición. E isso, além de parecer-se com esvaziar uma garrafa de água para enchê-la, em troca, com água, custa bem dinheiro e há que cumprir as normas comunitárias de trepanadores linguísticos.

Difícil, eu vejo-o difícil. Seria mais fácil se todos os Monolingues Graciñas não fossem descendentes directos dos Reis Católicos, como Juan Carlos, que sabe castrar em português.

Graciñas.

O tamanho não importa

Diz Antón Dobao num artigo de Vieiros (“Cousas pequenas“) que não merece comentário (não os permite) que as instituições autonómicas do Reino (Generalitat, Xunta) têm a potestade de enviar aos eventos internacionais (a féira do livro de Francoforte, por exemplo) representantes das culturas respectivas, e não da cultura española. Não precisava tantos parágrafos para convencer uma leitora ou leitor médio de Vieiros ou do Portal Galego da Língua sobre isto.

Diz Dobao que há línguas e literaturas pequenas, que considera a galega pequena, e reivindica esta pequenez. Tudo bem, o pensamento é livre. Eu nunca poderia concordar mais com ele que o tamanho não importa. Para os direitos linguísticos na Galiza, é irrelevante que a língua galega seja a segunda do âmbito românico e esteja entre as mais utilizadas no mundo.

Reivindica Dobao a atribuição das instituições autonómicas do Reino de subsidiarem as línguas e culturas (grandes ou pequenas) das nações sub-estatais, visto que do español já se encarregam as instituições centrais. Tudo bem, é uma legítima postura.

E assim progride o autor. E tudo bem: a construção do consenso entre os que resistem ou resistimos España vai por bom caminho.

Mas no último parágrafo Dobao não pode deixar passar a oportunidade de posicionar-se e posicionar outrem para segmentar mais uma vez o campo cultural galego legítimo com desenhos herdados doutras épocas:

“Por esa razón, como o obxectivo da política cultural das institucións galegas ha de ser o desenvolvemento do campo literario galego, ou sexa, da literatura escrita en galego, as axudas terán que apoiar a produción literaria en galego e non noutra lingua, sexa o castelán, sexa o portugués, sexa outra calquera”.

Aí falaches, Dobao. De novo, “castelán” e “portugués” são colocados na Galiza no mesmo nível de oposição a “galego”, na geometria triangular que caracteriza a subordinação ideológica à equação Língua = Estado. De novo, fica sugerido o protocolo da exclusão para aqueles grupos de pessoas, grandes ou pequenos (o tamanho não importa) que na Galiza, a escreverem “português” (e suponho que isto inclui a escrita actual da AGAL), procuram fazer cultura, que não falam habitualmente español, que não trabalham em español, que nunca publicaram uma palavra em español, que talvez até quiseram ser lidos polas mesmas poucas pessoas (o tamanho não importa) que lêem Dobao, ou que talvez até partilhem da tradição cultural e literária galega de Dobao. Mas, ah, eis a velha construção da “estrangeirice”, de que escreveu um bom poeta nunca subsidiado, Mário Herrero.

Assim, mais uma vez, alguém defende que a Xunta autonómica do Reino deva continuar a ser coadjuvante do extermínio cultural, a negar uns euros a projectos de base e a superviventes editoras que, no exercício do mais elementar direito de liberdade ideológica e de raciocínio, interpretam “língua” como “língua” e não como “ortografia”. E, mais uma vez, uma voz escrita dum sector grande ou pequeno (o tamanho não importa) do pretenso nacionalismo linguístico galego é cúmplice do patente nacionalismo ortográfico español.

Porque, que é o que temem aqueles que negam subsídios a, por exemplo, um magro livrinho de contos (o tamanho não importa) em “português” (isto é, em ortografia de Portugal ou semelhante)? Por que não querem que esse livrinho apodreça, como tantos outros em ortografia da RAG, nas escassas estantes das bibliotecas públicas, dos centros escolares? Por acaso temem que enormes quantidades de quartos públicos se desbanjem numa minoria cultural (o tamanho não importa) que deseja, simplesmente, ser tratada igualmente mal polas instituições autonómicas do Reino e ter direito de acesso aos mesmos recursos? Temem que os parvos leitores de “português” trabuquem os países e, a sairem da biblioteca em abdução republicana, procurem confusos na rua a ubiquação do lisboeta Terreiro do Paço em lugar do corunhês Campo da Lenha?

Ou, antes, temem que, de aceitarem os subsídios à literatura em “português” na Galiza, se veriam forçados a explicar como é possível que algo tão terrivelmente distante do galego-RAG possa ser subsidiado enquanto algo tão próximo do galego-RAG como é o español-RAE não deva sê-lo? Quer dizer: se pensas que a língua e a literatura são simples ortografia, e subsidias uma ortografia estrangeira (a literatura em “português”), como não vais subsidiar uma outra forma da ortografia própria, a literatura em español?

Eis o dilema em que uma minoria social (o tamanho não importa) defesora da ortografia RAG se acha. A solução final?: a inexistente Equidistância naquilo que não tem equidistância; querer as ajudas para eles próprios (as editoras Galaxia, Xerais etc.) mas negá-las a outrem; negar-se a concorrer livremente no Mercado Simbólico da Língua Galega que dizem rejeitar mas concorrer nele com vantagem (a ver: intervencionismo sim ou não?); em definitivo, assumir e defender a lógica do Reino que dizem interrogar. Proletários da língua própria, ou capatazes da imprópria?

O tamanho do subsídio e da língua que o lambe não importam. O direito a aceder às mesmas lambonadas (e até o prazer de refusar solicitá-las) em igualdade de condições, sim. Os nossos eurinhos valem tanto como os vossos, Dobao. Não quererás ser como aquele convencido galeguista que um dia me espetou que ele pagaria o salário dos lusistas “con billetes de Monopoly”.

De imagem, linguagem e identidades: Yolanda Castaño vs. Os Aduaneiros

Estes dias remexe parte da opinião pública galega a decisão do lugar web satírico-humorístico Aduaneiros sem Fronteiras na sequência de umas cartas do advogado da poeta Yolanda Castaño requerindo que eles retirassem uma animação “flash” sobre ela e uns comentários anónimos e públicos que Castaño considerou ofensivos. O que está em jogo neste assunto é a dialéctica entre as imagens públicas de um e outro agentes (Castaño e os Aduaneiros), e o tipo exacto de acção que o representante de Castaño levou a cabo com as suas cartas (“ameaça”, “advertência”, “recomendação” ou “conselho”). Em breve, entram em relação três elementos: a imagem pública, as linguagens verbal e visual, e a identidade.

Da Imagem

O sociólogo canadiano Ervin Goffman elaborou no conceito de imagem pública ou face, adaptado de expressões da cultura chinesa “ter face” (ter imagem), “estar em face”, etc. Por simplificar, chamarei-na “imagem”. Contra o que se possa pensar, a “imagem” não é apenas qualificável de ‘boa’ ou ‘má’, ou outras qualidades, mas é um conjunto de atributos que uma pessoa tem e/ou que os outros supõem que tem em virtude do que Goffman chamou o “curso de acção” desta pessoa, quer dizer, a trajectória dos seus actos. Esta trajectória cria noutrem uma expectativa de conduta futura. Por exemplo, se alguém e habitualmente generoso, ser tacanho um dia pode romper a sua “imagem” e, em palavras de Goffman a imagem pode ficar danada.

A imagem, como recurso, cultiva-se, elabora-se, protege-se, defende-se, etc., mas também pode ser ameaçada e em consequência danada. Mas, contra o que se possa pensar, uma ameaça à imagem (por exemplo, um insulto) não pode danar potencialmente apenas a imagem da pessoa insultada, mas também a da pessoa que insulta. Os antigos “manuais de civilidade” burguesa destinado a meninhos ou senhoritas sabiam isto muito bem, a recomendar a “boa conduta” social polo próprio bem da pessoa.

A imagem é frágil, vulnerável, e portanto os humanos cuidam muito de protegerem não só a imagem própria, mas também das pessoas próximas. Evidentemente, os ataques existem, e estes ataques, em ocasiões, podem até reforçar a imagem do atacante se, por exemplo, são coerentes com o seu “curso de acção” anterior. Um ariete dialéctico no parlamento, tipicamente os porta-vozes dos partidos, devem ritualmente atacar a imagem do adversário, e fazendo assim, reforçam a imagem própria.

Algo disto é o que aconteceu neste assunto. Os Aduaneiros atacaram a imagem de Yolanda Castaño com a sua sátira gráfica consistente em fazer mudar as roupas da poeta (casacos, pantalões, saias…) recolhendo, precisamente, aspectos do que eles consideram ser a imagem pública de Castaño: a mudança de roupas é tanto uma metáfora da sua conduta no assunto de Sargadelos quanto um ícone da prática percebida habitual em Castaño de destacar a sua estética pessoal, autorreferencialidade também presente na sua poesia. A animação gráfica, por exemplo, contém prendas idênticas às que a aparecem nas fotografias de Yolanda Castaño na sua própria página web (uma saia azul, um pano de pescoço, uma blusa…). Portanto, igual que no humor verbal, aqui a sátira consiste em jogar com os duplos sentidos de “mudar de casaco”. Os Aduaneiros subvertem esta auto-referencialidade e esta reflexividade de Castaño, fazendo dela um brinquedo de outros (como já teria sido um brinquedo da Galeria Sargadelos, na sua “traição”), e esvaziando-a assim de poder.

Por sua parte, Castaño ataca a imagem dos Aduaneiros tentando deslegitimar a sua criatividade, a sua identidade (mais sobre isto depois): tentando, em definitivo, impor neles uma outra linha de acção, com uma intervenção do seu advogado Pablo Carvajal: a retirada desta gráfica e dos comentários anónimos que ela julga ofensivos (e que não são responsabilidade dos Aduaneiros), e que, como a gráfica, também “ispem” Castaño dos seus atributos simbolicamente, a revelarem aspectos sua imagem íntima. Mas enquanto estes comentários são públicos, espi-la na gráfica é um acto privado que, presumivelmente, ratos e cursores sobretudo masculinos terão feito.

A maneira como Castaño tenta danar a imagem dos Aduaneiros é, entre outras, a meio duma carta que merece atenção à parte.

Da Linguagem

A carta do advogado, que reproduzem os Aduaneiros, é um acto chamado directivo que, com uma força por determinar, quer obter como resultado que os Aduaneiros retirem tanto a gráfica como os comentários. Os Aduaneiros, nos seus comunicados, chamam isto uma “ameaça”. Yolanda Castaño chama isto uma “petição”. Na realidade, trata-se de uma advertência.

Uma ameaça é um ataque directo à face ou à integridade de alguém: “Vou-te matar, faças o que fizeres”. Uma petição parte do poder assumido no interlocutor: “Podes passar-me o sal? Se queres ou não, é decisão tua”. Uma advertência é como uma ameaça (um acto negativo para o destinatário) mas contém uma condição a cumprir: “Se não move o seu carro da minha garagem, chamo à polícia”.

As palavras do advogado são uma clara advertência:

“Nuestra intención es solventar esta cuestión de la forma mas amistosa posible, sin tener que recurrir a la via penal por un delito de injurias con publicidad, por ello en el plazo máximo de 10 dias desde la notificación de esta misiva, le aconsejo que retire de la web cualquier alusión a la persona de mi representada, así como dicho montaje de “cambiado de ropa”, fotos, etc.”

Para quem ameaça a imagem dos Aduaneiros, “solventar esta questão amigavelmente” consiste em não ter que recorrer à “via penal”, e isto está condicionado a uma acção por parte dos Aduaneiros a cumprir, além, num prazo dado. O “conselho” parte duma assumida posição de maior poder por parte de Yolanda Castaño, e portanto representa uma coacção. Eu, por exemplo, posso “aconselhar” um gigante a retirar-se do meu caminho e só provocarei a sua hilaridade; mas, como professor, sei que “aconselhar” a meus estudantes a apresentarem um dado trabalho significa que, caso de não o fazerem, há uma consequência negativa (uma nota mais baixa) que eu posso dissimular como emanando dum sistema do que não sou responsável. Da mesma maneira, um advogado percebe que as possíveis consequências negativas sobre a outra parte não emanam dele, mas do sistema, e são fruto de uma acção primeiramente negativa por parte do outro. Evidentemente, um estudante sabe que a minha “coacção” pode ser cumprida, visto que o seu papel no sistema é cumpri-la. Mas um lúdico Aduaneiro não vai pensar que o seu papel no sistema de acções positivas e negativas seja cumprir os “conselhos” da parte, precisamente criticada, e sabe que o seu trabalho é, precisamente, exercer a liberdade de expressão dentro do universo possível do humor onde se vulnera (e se espera que se vulnere) a ordem semântica por sistema. Portanto, para um Aduaneiro que fez bem o seu trabalho o “conselho” de um advogado é uma coacção.

Perante esta coacção, os Aduaneiros têm várias estratégias para restaurarem a sua imagem: pedir desculpas (as imagens de ambas partes ficariam restauradas), “contra-atacar” com mais sátira (demonstrando que são coerentes com a sua identidade, mas arriscando-se a consequências negativas) ou, como neste caso, evitar a consequência negativa abrindo, como dizem, um “juízo público”. O que os Aduaneiros estão a dizer com o seu feche é que eles exercem a sátira, não o jogo judicial. É evidente que a coacção de Yolanda Castaño é altamente ameaçante para a sua imagem, como seria para a poeta uma grande ameaça a sua imagem o hipotético “conselho” por parte da Conferência Episcopal de que retirasse tal ou qual poema erótico por ofensivo, sob advertência de iniciar contra ela um processo penal por atentado à moral.

Das Identidades

Porque o “delito de injúrias” é um dos mais insidiosos do Código Penal español. A injúria é uma forte ameaça à imagem pública. Porém, a natureza desta imagem depende em grande medida, precisamente, da natureza dos actos públicos da pessoa ameaçada. Se alguém publica na Internet um forte ataque contra uma pessoa comum da rua que não tem qualquer projecção pública além da sua família e os seus amigos, evidentemente há uma utilização malintencionada dos poderes da Rede para fazer dano. Mas a imagem tanto de Yolanda Castaño quanto dos Aduaneiros é resultado dos seus respectivos cursos de acção públicos, sujeitos ao escrutínio de um número previamente sem determinar e sem delimitar de pessoas, potencialmente muito grande (a diferença de uma família ou de um grupo de amigos). Se um escritor qualquer qualquer se “ispe” emocionalmente nas suas publicações e um humorista qualquer “ispe” a sua ideologia nos seus desenhos, não admira que ambos actos sejam recursos aproveitáveis para o confronto.

A questão, portanto, é o escopo desta imagem, quer dizer, a sua amplitude social, o número de pessoas que potencialmente podem perceber (e produzir) esta imagem. E a questão está intimamente ligada com o escopo das identidades que se projectam. A antropóloga norte-americana Judith Irvine explicou como uma identidade pública formal, por exemplo “ser alcaide”, “ser professora”, se baseia em que a pessoa estabelece uma relação com um número amplo de outras em função dos actos (e do seu tipo) que exerce para/face a elas, e é para estas pessoas para quem “ser alcaide” ou “ser professora” é relevante. Cada um de nós “somos” muitas cousas. Mas selectivamente invocamos (diz Irvine) uma ou outra identidade, quer dizer, fazemo-la relevante.

Os Aduaneiros são “humoristas gráficos”, e a amplitude desta identidade alcança as pessoas que visitam a sua página ou que a conhecem. Os que lêem a página são “leitores” ou “espectadores”, não “humoristas”, embora possam ser muito engraçados nos seus comentários. E Yolanda Castaño é “poeta”, é “escritora”, é “apresentadora de televisão”, é “directora de galeria cultural”, é “vídeo-artista”, além, claro, de ser “mulher”, “galega”, “jovem” e outras identidades.

Mas, em virtude de qual destas identidades viu Castaño ameaçada a sua imagem? Como “poeta”? Como “mulher”? Como “directora de galeria de arte”? Ou como uma identidade que resume alguma destas, a de “figura pública”? A sátira dos Aduaneiros, em consonância com a prática global de Castaño, brinca com algumas destas dimensões, a espi-la como “mulher” pola sua “traição” como uma “directora de galeria cultural” que, como “poeta”, apoiara anteriormente o defenestrado Isaac Díaz Pardo. Com efeito, Castaño mesma faz relevante a sua identidade como “mulher” quando é “poeta”, e, na intertextualidade da sua obra, também é “poeta” quando é “vídeo-artista”. Portanto a sua reacção indica que ela recolhe a amplitude da identidade que os Aduaneiros fazem relevante (“figura pública”) com a que brincam os Aduaneiros.

Mas, pode Castanho como “mulher” levar adiante um processo legal viável contra os Aduaneiros, alegando que a sátira é sexista? Pode fazê-lo como “poeta”? Ou é sobretudo como “directora de galeria artística” que procura reforçar a sua imagem, para desbotar sombras da sua “traição” e assim reforçar esta identidade e portanto a imagem da empresa para a que trabalha?

O tempo dirá. No entanto, a minha opinião como estudioso do discurso é que Yolanda Castaño, a quem apreço pessoalmente tanto como apreço os Aduaneiros, fez o que Goffman chama um faux pas social: literalmente, um passo em falso que dana mais do que reforça a sua imagem (à margem do resultado dos procedimentos jurídicos que houver), a dar mais publicidade à gráfica e aos insultos à sua pessoa da que tivera antes.

Porque a efectividade do inteligente dictum de Oscar Wilde “O importante é que falem de um, ainda que seja para bem” tem um requerimento prévio importante: ser um maldito, e reforçar a imagem provocando ainda mais crítica. Se Goffman estivesse vivo, penso que me daria um Aprovado na diagnose: perante a hipótese de Castaño danar a imagem dos Aduaneiros metendo um advogado para reforçar a própria, o mais inteligente teria sido a estratégia que se chama evitar o dano, isto é, o elegante silêncio.

O enfrentamento dos salva-pátrias

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Não serei eu quem defenda a organização Batasuna, cujos elementos de messianismo ideológico estão muito longe do meu ideário político, mesmo sendo consciente como sou da distorção sistemática a que as suas palavras e ideias estão submetidas polo império mediático español. Mas, se de abominar dos messianismos se trata, não esqueçamos nunca a postura e os actos da Audiencia Nacional deste Reino, com figuras como Baltasar Garzón ou Fernando Grande-Marlaska que têm tanto poder efectivo em remexerem o ambiente social e as nossas próprias mentes com a aplicação, sempre política, das leis do Reino. O auto de Baltasar Garzón para o encarceramento dos líderes de Batasuna, tal como o conheço pola edição impressa de EL PAÍS, é um exercício de uma natureza tão ricamente visionária que nos ilumina para sempre (quer dizer, até que mudem as directrizes policiais) o panorama próximo da violência (a de Estado e a outra) neste Reino de salva-pátrias. Porque, quando começavam a cheirar a cinza velha (como após uma adolescente fogueira) as imagens de Juan Carlos de Borbón, Garzón faz-nos gozar com mais uma historieta, com um texto escrito na mais peculiar gramática da língua do império, e com o recorrente leit-motiv jurídico e quase-literário de que Batasuna se reunia para “abordar el enfrentamiento”. Certo, diz EL PAÍS que esta frase está escrita a mão nas margens dum documento interno de Batasuna apanhado pola polícia na reunião. Mas esta frase é motivo para chamar Batasuna ETA, ou ETA Batasuna, ou para redesenhar a geometria dos “entornos” políticos (se se lê o auto com atenção), onde umas vezes Batasuna é ETA e portanto está dentro de ETA, outras está fora mas é de dentro, e ainda outras (quando procura a paz) está dentro mas quer estar fora, e assim por diante. Poupo aos leitores o desastre cognitivo de pretender compreender esta geometria imposta pola Audiencia Nacional e pola Lei de Partidos, uma nova geometria moderna que tão proveitosa resultou sempre para os Estados militares definirem à vontade a identidade delituosa dos sujeitos (veja-se, sem ir mais longe, a ordem pós-euclidiana do “Eixo do Mal”, a criação discursiva de “Al-Qaeda”, o “terrorismo internacional”, e outras ameaçantes construções fantasmagóricas que o jornalista Adam Curtis se encarrega de revelar no documentário The Power of Nightmares).

Não é preciso ser muito inteligente para imaginar o que se esconde após uma expressão política como “abordar o enfrentamento”. Duvido poderosamente, por exemplo, que as diversas instâncias do Estado e dos partidos não concebessem a situação política depois da bomba massiva de ETA em Dezembro de 2006 como uma nova fase marcada polo confronto. Os representantes políticos voltaram a empregar escoltas, reforçaram-se as medidas de auto-defesa, reanimou-se a violência jurídica, e a tensão voltou a notar-se na vida e sobretudo nos catequéticos jornais españóis que aos súbditos do Reino nos amargam o chá e a cálida torrada da manhã. Quem recomeçou essa nova fase e esse tipo de enfrentamento, com uma bomba brutal que assassinou duas pessoas? Evidentemente, a ETA. Mas, colocou esta bomba Batasuna ou a sua “cúpula”, curioso elemento arquitectónico dos partidos que remete para um templo em lugar de para uma rede de pessoas? Se Batasuna o tivesse feito, toda a Audiencia Nacional, a Fiscalia do Reino, os governos español, basco e madrileno e o Chefe do Estado deveriam estar todos na cadeia por flagrante e cúmplice negligência por deixar Batasuna livre. Porque, se reunir-se para “abordar o enfrentamento” é uma actividade “presuntamente delituosa”, mais presuntamente delituoso será desmembrar duas pessoas com uma explosão que esnaquiza um enorme estacionamento. Em resumo, se Batasuna é ETA, todos os seus membros, do começo até ao final, para a cadeia. E, se não é, a calar e a deixar-se de interesseiras hipocrisias e de linguagem perversa.

Portanto, calculo que concordamos que nem Batasuna nem o Estado Español são os autores nem os culpáveis da bomba da ETA que reiniciou o “enfrentamento”. Mas as novas condições políticas, herdadas dum patético “processo” encaminhado por parte do Estado sobretudo para inocular ainda mais confusão mental numa massa de súbditos já descerebrados, inauguraram um tipo de “enfrentamento” do qual não pode escapar nenhum dos dous agentes salva-pátrias desta guerra: os braços do Estado, e a patriótica (“abertzale” é uma desnecessária dissimulação) esquerda basca. Seria ridículo negar que ambos rivais vêem a situação em termos de confronto jurídico, político, e físico, quer dizer, numa relação de tensão definida pola violência: ataques físicos e verbais, privação ou coerção da liberdade doutrem, violação de direitos, exploração da propaganda como método, etc. etc.

Dificilmente a constatação deste confronto, e a vontade duma organização como Batasuna de “abordá-lo”, se pode ver como um argumento de peso como indício delituoso para uma mente racional, em ausência de detalhes explícitos na planificação do enfrentamento. Num enlamado totum revolutum que lembra mais uma fatwa que um texto jurídico, o auto de Garzón coloca lado a lado o “enfrentamento” com, por exemplo, a táctica política de Batasuna de aproveitar as mobilizações contra o AVE. E o tremendista órgão da direita intervencionista EL PAÍS, que já não sabe que hollywoodiano cabeçalho colocar agora que o Público regala DVDs, eleva ao cubo o poder evocador do “enfrentamento” reiterando-o várias vezes na notícia.

Os tristes gudáris de Batasuna, a desafiarem a lei dum Estado em que não acreditam, reuniram-se com suficiente luz: foram dous vizinhos da vila quem solicitaram o local do concelho para a reunião. Talvez se solicitou com qualquer escusa, nem sei, nem tem importância, mas calculo que como acto político da patriótica esquerda basca. A “cúpula” de Batasuna não se reuniu nos montes ou em majestáticos zulos habitacionais como os que, diz a lenda, tinha Ali-Babá-Ben-Laden nas montanhas de Tora-Bora, nem se reuniu num desses remotos e exóticos caseríos de petrúcios a que a imaginaria española nos tem habituados como campos de treinamento onde –pontifica a porta-voz do dogma da Transición Victoria Prego– se forjou a aliança de civilizações católico-etarra. Estranha maneira a da “cúpula” de Batasuna de pertencer a ETA para planificar o enfrentamento: num local dum concelho basco.

É difícil entrar nos mundos imaginários respectivos em que combatem estes dous messianismos: o do Reino de España, e o dos gudáris bascos. Devem ser territórios nacionais míticos habitados por tantos seres fabulosos e alimárias tolkenianas que a zoologia e a teratologia do nacionalismo precisariam ser reescritas. Mas um pobre súbdito como eu reage hoje assim, com a fúria das palavras, porque está canso de ser sacudido dia sim e dia também polas hostes habituais de salva-pátrias: os que levam na mão as leis do Reino Borbónico como a Lei de Deus que a invenção do “pueblo español” votou (dizem) em constituições e eleições e outros ritos de sujeição masoquista, e os que levam na mão e nos papéis uma ideologia também redentora (isto é, também nacionalista) composta apenas de quatro palavras primitivas, quatro noções sobre o que é ser pessoa, sobre o que é a acção política, sobre o que sejam as formas das identidades sociais. As mentes de todos os salva-pátrias são, felizmente, inescrutáveis. Mas, infelizmente, ainda projectam sobre nós, dia após dia, cada manhã, quando com toda a burguesa ingenuidade queremos abordar o habitual enfrentamento gastronómico com um chá e uma cálida torrada com manteiga, a sombra dum mundo repulsivamente repetitivo, circular, cansativo, brutalmente elementar como a esquálida mente e os actos de todos os guerreiros.

Queimando espero…- Semiótica pura

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Tenho muita curiosidade por saber o que se pode queimar ou não em público no Reino. O governo español, em representação do Rey (isto é, do Estado) deveria meter na SER uma dessas cunhas publicitárias explicando os males eternos da queima de papel, como os da droga ou do tabaco: Quemar Mata… O Te Enchirona. No Chamusques Tu Futuro.

Seica um papelinho com a figura do Rey não pode ser queimado porque ele é o “símbolo de la unidad y la permanencia del Estado” (art. 56 da Constitución Española). A bandeira española também não pode ser queimada: lembrem o encarceramento que sofreu Francisco Rodríguez, hoje deputado do BNG em Madrid, acusado de ter queimado uma vistosa rojigualda aquando da chegada dos restos de Castelao a Compostela em 1984. Num curioso programa de televisão anos depois, cujo simples título daria para uma análise de tese (“Queremos saber: ¿Por qué algunos catalanes, vascos y gallegos no se sienten españoles?”), Francisco Rodríguez respondeu à entrevistadora Mercedes Milá (hoje algo degradada jornalisticamente) que ele nunca queimara a bandeira. Pois má sorte! De ter estado na cadeia, polo menos ter tido o prazer!

Mas, pergunto-me eu, então a bandeira galega actual, tampouco pode ser queimada? De que tamanho sim e de que tamanho não? Em que milímetro começa o simbolismo? Eu, por exemplo, acabo de queimar uma miniatura de papel da vistosa branca-azul no meu gabinete: os seus restos estão no cinzeiro (fiz foto no telemóvel). E um exemplar do Estatuto de Autonomia, pode ser queimado? E um CD pirata do hino galego flamenco de Arturo Pondal (outro símbolo)? Haveria que fazer a prova, diante das câmaras da TVG, em aberto, durante uma manifestação independentista (queimar a galega, digo, a outra já está mais visto).

Queimando espero... - Semiótica pura

De maneira que queimar certos símbolos é ilegal, não porque contamine (Greenpeace não abriu a boca), mas porque a pessoa incineradora manifesta que não compartilha o valor ideológico desse símbolo, ou opõe-se à consagração jurídica desse valor. Então essa opinião distinta ao dogma torna-se num oitocentista “ultraje” (teríades que tunear a língua española um pouco, chachos). A leitura dos factos é assim singela. No entanto, cada fim de semana bêbedos jovens urbanos muito democratas queimam papeleiras plásticas por apolítico prazer, e a Audiencia Nacional (sic) nem se inteira.

Mas, vamos ver (pergunto-me eu): O que acontece se um apenas declara publicamente que queima algo, mas não o faz? O que significa isto? Por exemplo: “Pola presente queimo uma imagem de Juan Carlos de Borbón como símbolo da unidade e da permanência do Reino de España, projecto político que detesto”.

Não, não o fiz bem, não ardeu de todo (com suficiente ênfase). Terei que repeti-lo: “Pola presente queimo uma imagem de Juan Carlos de Borbón como símbolo da unidade e da permanência do Reino de España, projecto político que detesto”. Assim melhor.

Uf, isto é semiótica pura. A repetição exacta indica que a oração não foi gerada aleatoriamente por um vírus de trípi do meu processador WordPerfect. As aspas distanciam-me das palavras, de maneira que eu posso argumentar que citei uma hipotética declaração, mas não o declarei de facto (bom, em privado sim, para mim próprio: é delito?). E, ainda por cima, dizendo que declaro que queimo um ícone, estou a queimar o valor dum símbolo? Tremendo sarilho! Venham Pierce e Morris (semiólogos da Audiencia Nacional, sic) a interpretá-lo; eu afurrico.

Em resumo: Quantas vezes se podem dizer cousas assim sem que a Audiencia Nacional (sic) venha pedir o DNI? Quantas vezes pode uma pessoa manifestar uma opinião política antes de que seja “ultraje”? Porque, porventura alguma autoridade do Reino de España leu a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Há tradução española.

Enfim, queimando espero / a Audiencia que mais quero. É claro que a Coroa cambaleia. Resta-lhe menos.

A Grande Miragem circular

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Periodicamente, surgem à palestra pública das minorias que lêem, e que lêem sobre cultura, notícias em torno das afrentas ao “galego”. A pseudo-polémica social alimenta a incapacidade histórica colectiva de articular-se em verdadeira in-dependência (que é etimologicamente sinónimo de autonomia), se é que na realidade a Galiza como invento alguma vez a teve, e não foi, em troca, o germolo “espiritual” e social de España, desde o mito do patriótico Apóstolo até ao actual Regime das Autonomias, passando pola política galeguista de Fraga Iribarne ou polo filme Raza de Francisco Franco. Só este papel explica, por exemplo, que a Matriarca literária duma “nação oprimida” (Rosalia de Castro), a mesma que o galeguismo recuperou como símbolo nos anos 1960, se estudasse com toda naturalidade nos livros de texto oficiais da fascista “nação opressora”. So este papel explica que o mesmo dia dum Apóstolo Patrono de España seja o dia duma Pátria galega.

Desde polo menos os anos 1970, as hemerotecas e os arquivos sonoros e audiovisuais estão cheios de documentos de pessoas visíveis no mundo cultural galego que testemunham uma dupla trajectória de significados, aparentemente contraditória mas perfeitamente compatível: (1) por uma parte, o laio pola “perda” do galego e, polo tanto, os protestos contra as barbaridades jurídicas e políticas de España (leis recorridas ou impugnadas, declarações monstruosas, políticas linguísticas laminadoras); e por outra, (2) a confiança, porém, de que o caminho da “normalización lingüística” é o adequado, de que há signos positivos na literatura, nas artes, na cultura em geral, no ensino, até na empresa… A circular auto-justificação perante esta aparente contradição é fácil: Precisamente porque o caminho está bem traçado (discurso 2), dão-se os ataques de España (discurso 1); e precisamente porque os ataques se dão (discurso 1), devemos continuar no caminho bem traçado (discurso 2). E esta lógica absurda auto-alimenta-se, num eterno solipsismo característico da cultura galega desde tempo imemorial. Um parece estar a ler sempre os mesmos textos, as mesmas diatribes e protestos, as mesmas louvanças e proclamas, num contexto social invariável, imóvel e por isso terrivelmente pacífico. Assistimos, verdadeiramente, ao triunfo do ideal centralista da Galiza como uma Arcádia (espanhola mas galega, sem dúvida; até muito galega, como deve ser: espanholamente galega) onde nada de relevância social acontece (só lumes, vacas loucas, terramotos e piche) e, quando decerto acontece (como de Fevereiro a Julho de 1936), massacra-se exemplarmente com metralha, e pronto. A morte, não as letras: trata-se da morte.

Mas pouca gente parece parar a pensar que, se esta é a dinâmica do campo cultural galego excepto no breve parêntese prévio ao Massacre Galego também chamado Guerra Espanhola, e se colectivamente as elites não mudam de rumo, talvez seja porque algo está errado na concepção canónica do conflito nacional, “España contra Galiza”, que é a que o nacionalismo galego apresenta como mitologia explicativa final de todos os nossos males. Quando as próprias elites galegas geram tanto as políticas “em favor” do galego (um irrealizável, descabido, hipócrita e portanto unânime Plan Xeral de Normalización da Lingua Galega, por exemplo) quanto os instrumentos “em contra” do galego (as nomeações conflituosas, as cedências, as políticas marginadoras de parte do campo cultural galego), talvez a explicação mágica seja que, além das suas vontades políticas sustidas por um imaginário ideológico herdeiro do pretenso galeguismo de resistência durante o Franquismo, na verdade o seu papel estrutural não seja outro do que a definitiva construção nacional de España (sim, com Eñe, com esse profundo eñe subsidiado no que pensam sempre os políticos e as editoras). Evidentemente, estas elites não estão a construir a España de Pelayo ou de José Antonio, mas a España galega originada no mito do Apóstolo biface e mantida ano após ano nos Dias da Pátria onde se proclama com toda a impunidade a necessidade do uso do galego enfrente dum arcebispo, da representação do Reino de España e dos seus exércitos.

Porque, não nos enganemos, as três forças políticas parlamentares na Galiza na altura são herdeiras do galeguismo da pós-guerra. O abano ideológico do galeguismo da pós-guerra era amplo, e está todo representado, com contadas excepções, em sectores dos seus sucessores naturais do BNG, o PSdeG-PSOE, e o PP de Galicia. Não há qualquer cousa de extraordinário nisto, porque, por definição, a perpetuação no poder acarreta a exclusão sistemática –até por vias dum regulamento eleitoral aberrante desde qualquer concepção democrática racional– dos rivais potenciais, isto é (por exemplo), do in-dependentismo no seu sentido mais frontal: o da auto-nomia na gestão (quer dizer, a auto-gestão) dos recursos económicos, culturais e simbólicos, na organização social e territorial, no estabelecimento dum quadro de relações laborais emancipador, na implementação, simplesmente, da liberdade social na medida em que esta pode ter lugar dentro dum Estado.

O que pode gerar quanto à língua, portanto, uma classe de elite galeguista que continua sem ver o seu papel na construção final de España? Mais do mesmo. O que se pode esperar de uma classe política que é capaz de impor legislação progressiva em matéria urbanística ou de direitos das mulheres mas refusa entrar nos salões de aula “concertados” onde professorado e estudantes urbanos escacham a rir do “galego” enquanto os curas e monjas destas madrassas recebem mensalmente os seus quartinhos da Xunta pagos por nós? O que se pode esperar dum governo público que, por enquanto, ainda hoje, numa cultura amplamente subsidiada, continua a negar com toda a impunidade uns miseráveis euros a modestas publicações e grupos culturais activistas por mor dos “ç” ou dos “ão”, como se estas letras fossem as inimigas da Patria (sem acento), como aconteceu à revista Novas da Galiza? Pode-se esperar, singelamente, mais do mesmo: um incessante e cansativo tira-puxa dialéctico, uma perda geral de energias na ilusão de diálogo, uma constante reavaliação da “correlação de forças” entre um e outro campos linguísticos, e, em resumo, uma perpetuação da Grande Miragem da língua, enquanto cada decreto da Xunta continua a levar a assinatura de Juan Carlos I de Borbón e o arcebispo católico de España dialoga ritualmente com a Presidenta do Parlamento galego e não se encontra um livro português de cultura geral nas bibliotecas. O que se pode esperar, em definitivo, da política linguística dum pedaço do governo español (porque a Xunta é España) que em 30 anos, com todo o aparelho mediático e institucional, com todo o dinheiro e todos os subsídios, foi incapaz (se é que o procurava) de ensinar até a ortografia española do galego nas escolas, isto é, a mesma lógica ortográfica da língua socialmente dominante?

Não sei o que se pode esperar, mas sei o que não se pode esperar: Nunca uma instituição espanhola vai normalizar Galiza como Galiza. Normalizará Galiza como “España” exclusivamente e exclusoramente, até ao ponto de que antes ou depois Galiza deixará de ser Galiza em galego, se continua esperando a salvação das instituições espanholas. Não o disse eu (eu quase nunca digo nada novo: apenas observo e documento o que leio). Disse-o António Gil Hernández em 1991, por exemplo. E já choveu. E continuará a chover sobre esta formosa e vacacional Arcádia, tangallegacomoelmarisco.

O Hotel Louxo-La Toja, a cortesia e o galego: Crónica de várias longas conversas

Publicado no Portal Galego da Língua

Após pressões múltiplas, o Hotel Louxo-La Toja (sic) retirou uma das suas “normas de cortesia” dum documento interno que no referido aos trabalhadores de Recepção dizia: “Mantener posturas correctas delante del público, no hablar de temas personales con los compañeros y no hablar en gallego“. A norma, parte do Plan de Calidad interno do hotel, circula na Internet na forma de uma fotografia digital, feita por acaso por algum trabalhador ou cliente insatisfeito com tal discriminatória regulação.

Eu recebi por Internet a fotografia. No mesmo dia, quinta-feira 18 de Janeiro, telefonei o Hotel para perguntar sobre as razões que o estabelecimento pudesse ter para proibir o uso do galego entre os seus empregados. Puseram-me em comunicação com uma pessoa representante do Hotel, quem, falando-me só em espanhol (“perdone que no utilice gallego, pero es que yo me expreso mejor en castellano” ) manifestou a sua surpresa e preocupação pola circulação desse documento na Internet, do qual não tinham qualquer notícia. A norma, explicou esta pessoa, não queria referir-se ao uso do galego com o público, nem entre os empregados para funções do trabalho, mas só à comunicação privada entre eles para comentarem esses “temas personales” que não deveriam ter lugar em horário laboral. A representação do Hotel indicou que interpretar a norma como uma proibição do galego era tirá-la “fuera de contexto”, pois cada um desses pontos das Normas era explicado aos trabalhadores.

Na verdade, as opiniões iniciais desta pessoa manifestaram, mais uma vez, o forte enraizamento de prejuízos linguísticos, inconscientes, irracionais e nunca razoados (pois ameaçariam a visão dominante do mundo) que informam as atitudes e condutas diárias. O seu argumento principal e reiterado era o do “respeto”: para quem mantém estes prejuízos, é desrespeitoso que dous empregados da Recepção falem entre eles galego diante dum cliente que não o entende, pois “incluso podría entender que están hablando del cliente”.

Sei que normas semelhantes de “cortesia” se emitiram nalguma cadeia hotelária dos EUA para proibir o uso do espanhol entre empregados. Evidentemente, nenhum galego educado e no seu são juízo que viajasse a Grécia ou Holanda, por exemplo, e escutasse dous trabalhadores dum hotel a falarem grego ou neerlandês pensaria que estavam a falar dele! Mas para muita gente o galego na Galiza (ou o espanhol nos EUA) continua a ver-se como uma espécie de código secreto, obscuro, apropriado só para o mais informal. Embora esta pessoa concordasse que falar de questões pessoais na Recepção é igualmente censurável seja em galego ou em castelhano, o problema é que se os empregados o fazem em galego “el cliente no sabe de lo que están hablando”. Daí a “descortesia”.

Em resumo, para esta ideologia linguística tão estendida no país, o galego fica indissoluvelmente ligado à coloquialidade, à descortesia e à incorrecção linguística. A língua formal, cortês e correcta por excelência é o espanhol… mesmo (por exemplo) para clientes anglofalantes que não o compreendam! Por curiosas razões que a lógica humana não pode explicar (mas que o espanholismo linguístico-ideológico sim), uma conversa em espanhol entre dous trabalhadores não levantaria num cliente estrangeiro que não os compreenda suspicácias de “descortesia”. Para esta ideologia linguística, a subordinação social do galego chega ao ponto de a presença dum cliente castelhano-falante impor, unidireccionalmente, uma conduta linguística entre dous trabalhadores contrária à sua habitual “por respeto al cliente”. Nesta lógica de dominação, porém, a presença dum cliente lusófono não requer que os trabalhadores mudem para o galego-português “por respeto”. Ainda para o respeito social há classes, ou seja nações.

No final da nossa cordial conversa, eu reiterei a minha sugestão da supressão dessa referência ao idioma galego, que sem dúvida é fruto de uma historicamente longa e ideologicamente densa ignorância. A representação do Hotel Louxo respondeu “Muy bien”, e aí acabou a nossa comunicação. A seguir, enviei um correio electrónico reiterando questões da nossa conversa, e chamei duas vezes ao Hotel.

Depois de outro correio electrónico e de dous dias sem resposta por parte do Hotel Louxo, o Sábado 20 recebi uma chamada conjunta da Direcção e da pessoa com quem eu falara anteriormente. Não puderam comunicar-se comigo por razões de trabalho e pola situação criada. A Direcção utilizou só o galego comigo, e a outra pessoa que dous dias antes falara em espanhol também se comunicou comigo exclusivamente num muito correcto e fluído galego. Desde a Direcção do Hotel Louxo reiterou-se que estas eram umas normas de cortesia de “fai moito tempo”, que eram um erro evidente, que “estavam mui mal feitas”, que o assunto já fora imediatamente corrigido na forma de novas normas, que eles eram galego-falantes, que se falava muito galego no trabalho e, em definitivo, que manifestava o seu respeito ao galego.

Eu enviei ao Hotel Louxo uma primeira versão deste texto, para confirmar se as opiniões iniciais dessa pessoa reflectiam a posição do Hotel. Pouco depois, numa segunda chamada, a Direcção do Hotel reiterou que, embora essas eram opiniões de pessoa com quem eu falara, não era essa exactamente a posição oficial do Hotel. Tomo, portanto, as palavras da Direcção, que mostrou comigo muito máximo interesse em actualizar-se na questão linguística.

A minha primeira versão deste texto concluia:

“Agora, é uma questão de cortesia face aos trabalhadores e trabalhadoras do Hotel Louxo que este distribua as mesmas Normas internas também em galego, e que inclua explicitamente o seguinte apartado no seu protocolo de Qualidade: “É cortês que os trabalhadores e trabalhadoras utilizem livremente o idioma da sua preferência em qualquer actividade do trabalho, garantindo sempre a comunicação cordial e fluída com o cliente”. E é também cortês, sumamente cortês, que uma empresa galega se dirija em primeiro lugar ao seu público (oralmente e por escrito) no idioma do país.”

O facto é que a imagem do Hotel Louxo é, até hoje, a duma empresa (como tantas do país) que ainda não utiliza o galego para a relação externa (a sua web só está em espanhol e em inglês, o hotel utiliza “La Toja” como parte da sua “marca”, e os seus trabalhadores na Recepção nem sempre correspondem em galego ao público galego-falante).

Mas o facto é também que, na sua última chamada telefónica, a Direcção do Hotel Louxo comprometeu-se a redigir as Normas de cortesia também em galego, a colocar uma nota explicativa na sua página web (o que farão em “segunda-feira”, sic), a oferecer uma versão em galego da sua página web, e a entrar em contacto com a recém criada associação Galempresa.

Quando se fala de língua, amiúde tudo fica em palavras, já o sei. Mas o resumo do conto até hoje pode ser o seguinte: A lógica pressão exercida por várias vias teve um efeito evidente. Uma denúncia assusta. Mas a pressão do diálogo pode convencer. Tenho notícia de que a Associação de Amizade Galiza-Portugal também entrou em contacto com o Hotel Louxo neste sentido. Espero que a Direcção do Hotel Louxo chegue a compreender a natureza do seu erro a respeito da língua e as razões do protesto social, e a agir coerentemente. Uma ampla comunidade de galegos e galegas estaremos observando.

O “reintegracionismo” como Pátria

Publicado no Portal Galego da Língua

Quando não se tem nação, porque o que ela poderia ser foi apropriado por outra invenção nacional ou nunca existiu, os homens tristes do mundo (e alguma mulher) constroem as suas Pátrias pequenas onde aprendem os protocolos da honra, do poder, da antiguidade. São estruturas onde se reproduzem os princípios hierárquicos, petruciais, onde os mais novos se socializam na lealdade (de pouco a pouco, ou se não poderia resultar uma Revolução), onde se vai escrevendo nos textos e nos actos uma emotiva mitologia interna, onde se aprendem os mecanismos hagiográficos e os dispositivos da estigmatização. Nos interstícios do mundo real, primeiro na vigorante clandestinidade e depois na auto-assumida heterodoxia, década após década, as estruturas que são Pátrias crescem e decrescem intermitentemente como uma ténia que perde elos por um lado e ganha-os por outro, constantemente mantendo só a massa crítica necessária para a subsistência robinsoniana, como um escolhido mangado de incompreendidos heróis na ilha social, arrodeados de tubarões (alguns reais, outros imaginários), a improvisarem um refúgio comum sem sentido, pois quando o telhado já está montado e as pessoas mais jovens e fortes poderiam subir para iniciar o segundo andar, os mais velhos, herdeiros e custódios dos molhados Planos Originais, desmontam o telhado e voltam a começar. Para que no fundo o refúgio nunca mude e seja sempre mimese de si próprio. Durante décadas. Indefinidamente.

Quando na vida real não se desfruta desse abcesso mental que é a nação, os homens e as mulheres tristes constroem maquetas de Pátrias onde por qualquer motivo se expulsam os amigos, se denegam outras possíveis amizades, se retira o saúdo. Nestas Pátrias qualquer crítica converte-se num ataque aos princípios fundadores, qualquer parabém é imediatamente sequestrado como compromisso de incombustível lealdade, e surgem como hordas os vocabulários da Traição, da Destruição, dos Inimigos, os apelos à Unidade, o terrível, o inexprimível medo à diversidade, ao confronto, a ter que sentar-se frente a frente, no mesmo concílio, com quem sabes que aborrecerias pensar de igual modo, mas que tens que escutá-lo se queres que te escutem. Então surgem as nítidas Facções, os Partidos, as fechadas partidas de caça: surge a conspiração como princípio organizativo e portanto a psicose como método, a percepção de que todo mundo conspira sempre contra tudo e contra todo mundo, mesmo quando não conspira. Nas Pátrias, a rareza de não conspirar considera-se uma conspiração. E surgem as metáforas dos barcos que afundem sem remador, ou, polo contrário, das fálicas naves armadas que por fim apontam para um horizonte de vários oceanos, uma enorme Língua de mar ou de pequena terrinha que condensa o sentido dessa Pátria e onde na realidade se afogam todas as misérias. Quando há uma Pátria que os petrúcios ou os seus aprendizes proclamam que afunde, surgem sempre os desejos de que nasça um salvapátrias.

Nestas Pátrias, como nas verdadeiras, nunca há lugar para agir depois da sua fundação. Porque a Pátria já tem uma longa idade, uma mitologia de volumosas biografias, que é basicamente o que a constitui. Mais nada a constitui. A Pátria pode ter um tema fundador, mas este é apenas uma escusa. Os mais novos patriotas nunca poderão fazer parte da aborrecível cúpula. Porque a verdadeira razão de ser da Pátria não é a Pátria, mas a cúpula, e esta já está sempre ocupada por si própria. Os mais velhos patriotas que chegaram tarde, tampouco terão nunca biografia. Uns e outros serão sempre construídos como estrangeiros. Como inimigos. São patriotas inimigos. Dentro de cada Pátria sempre há patriotas inimigos, poucos mas necessários estrangeiros inimigos, pois sem eles não haveria Identidade Própria da Pátria, não haveria mitologia, heróis nem vilãos.

E assim, quando numa triste Pátria há lutas intestinas, igualmente cegos afinal todos os patriotas (uns, polo esmagador sol da vitória; outros, polas profundas trevas da derrota), todos eles só podem agir fragmentariamente guiados polas suas próprias, antigas, monótonas vozes: as únicas que reconhecem após décadas de recíprocos parabéns e de batalhas reais ou inventadas cujo duvidoso registo se acumula oculto nos sagrados arquivos custodiados, sacerdotais, impenetráveis, nas poeirentas gavetas de uma casa ou na paternal memória oral o acesso à qual é um privilégio. As Pátrias são por definição obscuras, isolacionistas, as suas mitologias são confusas, a sua essência é a exégese, não a explicação aberta, e quando algum raro súbdito abre a voz para que se falem os detalhes e a história desse monstro, para que saiam os papéis e se descubram as trapaças e os enigmas, as infantis acusações são que essa procura de clareza é ora querer destruir a Pátria, ora praticar a fútil loucura do discurso.

E levam razão. Ambas infantis acusações levam razão.