Escrito em Berkeley, EUA • Publicado em A Nosa Terra, e em Gaveta 4  [Revista da Faculdade de Humanidades da Universidade da Corunha], 1993, pp. 33-35
NOTA NA PUBLICAÇÃO EM GAVETA:
Estivem a ponto de dizer: «Este texto foi escrito em 1989 e  publicado previamente     em…», mas não seria certo. Um texto perigosamente semelhante ao  que segue foi     composto, com efeito, nesse ano cada vez mais remoto, desde o  estrangeiro, e naufragou     para comum esquecimento na ilha A Nosa Terra na singular  data do 28 de Dezembro.
Todas as palavras daquele escrito coincidem basicamente com as  de este, e exibem idêntica orde. Neste texto muda, isso si, a grafia, por aquilo de  complicar as cousas, e     por exercitar a saudável prática de nunca concordar de todo com um  mesmo.
Mas nestes anos mudaram, sobretodo, várias cousas que alguns  ainda proclamam     valentemente não pertencerem já a «o próprio Texto»: a história do  país, que amparo     assi na ambigüidadade por preservar em cada um de nós um distinto  referente imaginário;     as nossas maneiras de falar ou não-falar, que às vezes me pergunto  por que não poderão     já duma vez ser o mesmo; o mapa do poder, ou dos poderes, desenhado a  golpe de ditames e     intercâmbios mentres dormíamos ou singelamente admirávamos de  espaldas uma reticente     primavera; a tinta da minha impressora fadigada (quase digo «máquina  de escrever», pero     logrei voltar a tempo a este tempo); e, talvez o menos importante,  mudou a minha própria     leitura limitada dos feitos e das cousas.
Este texto sai hoje aqui a pedimento suficientemente  explícito da Redacção de Gaveta. Nunca comprendim de todo certas afeições polo vazio,  pero muito me temo que     as respeito.
Em Mil altiplanos: Capitalismo e esquizofrenia, 2, Deleuze e Guattari aventuram que «é na língua própria na que um é  verdadeiramente bilingüe ou multilingüe». Não sei se isto é mero jogo de palavras, mas,  pode-se falar da língua sem fazer jogos de palavras? Penso que os autores nos recordam  que falar não é só pronunciar, senão ter vozes, identidades invocadas,  posicionamentos e atributos locais, situados nos encontros sociais, e que acham na fala um  entre vários vieiros de expressão, uma saída, uma manifestação ou uma fugida do  heteroglóssico universo interno que tantas vezes, desnecessariamente, sentimos como  trampa. Invocar estrategicamente uma das nossas identidades por meio da fala é o poder  que temos e o jogo que nos caracteriza como actores sociais, já não como indivíduos senão  como divíduos: como vozes.
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