A ideia de que só a plena reintegração do galego na lusofonia, incluída a forma gráfica, salvará o idioma da sua perda acelerada está bem estendida entre o ativismo reintegracionista. Quase diria que opinar assim é senha de identidade. O postulado tem duas versões: 1) a plena reintegração é condição suficiente; 2) a reintegração é necessária, mas não suficiente. Quisera argumentar por que esta visão é imobilista, e por que a reintegração formal na lusofonia seria sobretudo lógica (e nesse sentido, historicamente necessária), mas duma lógica diferente à hegemónica hoje; quero argumentar também que o galego se pode salvar em qualquer das suas visões e formas desde que, precisamente, se abrace essoutra lógica.
Sobre os prémios e concursos, o valor de troca e a pseudomercantilização do simbólico
Publicado em Nós Diario, 2 de fevereiro de 2022, pp. 24-25.
Periodicamente ocorre que se produzem posicionamentos de setores sociais, grupos e coletivos, figuras mediáticas e outros em favor de pessoas galegas que concorrem em concursos internacionais sob bandeira espanhola, “representando” España (talvez contra o seu desejo ou ideal político). Não critico em absoluto as decisões dxs participantes. Reflito sobre o sentido das situações sociais geradas.
A Epistemologia do Norte de Boaventura de Sousa Santos na Corunha
O célebre sociólogo Boaventura de Sousa Santos, do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, vem à Universidade da Corunha falar das Epistemologias do Sul e o futuro da universidade, com motivo do 25 aniversário da fundação da UDC. É um importante ato convidado pola universidade, com os poucos fundos que nos restam e que a atual Reitoria procura distribuir com siso, sobretudo para que o capital do Norte não possa botar mais pessoal trabalhador. Dentro dumas semanas virá, dentro da mesma série de palestras, por exemplo, outro célebre varão intelectual e mediático, Vicenç Navarro. Continue reading “A Epistemologia do Norte de Boaventura de Sousa Santos na Corunha”
Ou autodeterminação e socialização também linguísticas ou não há nada que fazer
Publicado em Novas da Galiza 145, pp. 120-121 ★ No Portal Galego da Língua
1. A diagnose
Periodicamente repete-se na Galiza a pergunta se a “normalización lingüística” foi um fracasso ou um sucesso. Desta vez o motivo parecem ser os novos dados do Instituto Galego de Estatística que podem ler-se como uma indicação de que por primeira vez o galego é minoritário entre setores sociais como a mocidade.
A pergunta tem tipicamente duas respostas, baseadas na bivalência da própria expressão “normalización lingüística”, que está simultaneamente em galego da RAG e em espanhol: (1) A “normalización” foi um fracasso porque, sobretudo, o espanholismo do PP, a grande besta negra, a impediu, e os outros partidos também não fizeram o suficiente. (2) Noutro sentido (ou não), diz-se que é um sucesso porque, como projeto de elite, sempre se tratou da “normalización” definitiva do espanhol na Galiza, não do galego, e esse plano segue-se ponto por ponto. Acho que esta é a tese (ou polo menos a ênfase) mais estendida no reintegracionismo no geral.
A minha particular resposta não é nem uma nem a outra como tais. Julgo que devemos considerar mais em detalhe certas condições de possibilidade atuais que poderiam permitir ou impedir o que eu prefiro chamar a naturalização do galego na sociedade.
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As axilas de Bourdieu
Há uns minutos tentava explicar à minha companheira de quase toda a vida (pobre ela) que eu deveria escrever um texto sério sobre Bourdieu, o meu pensador favorito, o que nos deixou tantas cousas sobre as relações entre língua (e linguagem, e discurso) e o seus valores e “capitais” associados, e a apropriação destes valores polas elites, e a sua conversão destes valores nas sociedades, que explicou tanta cousa como por que se estão a perder as línguas que nos constituem, simplesmente por uma equívoca pulsão de sermos humanos mais perfeitos ao falarmos línguas superiores. Mas dizia à minha companheira que, quando imaginava a custosa tarefa de reunir as minhas notas e ideias cada vez mais fragmentadas pola trivialidade dos telejornais em que consiste a Internet, por exemplo, assaltava-me uma sensação picante nas axilas, algo como uma constatação racional de que, com efeito, tenho axilas (tribulação inexistente quando tomo café ou vejo um filme), ou como se estivesse a produzir inconscientemente sustâncias inodoras diante dum cão ameaçador que não me vai travar ainda que eu quisera para ser herói de mim mesmo, isto é, um picor que associo ao desodorante natural maori de alúmen, pedra de alúmen, pedra da loucura, que vai instalando o Alzheimer progressivo (o ordinário, não o de Adolfo Suárez) a partir dos 50 de idade. Em fim, resumo, escrever algo sério sobre Bourdieu resulta-me impossível porque me assaltam as axilas, as minhas, não as dele, e portanto este texto não é sobre as axilas de Bourdieu mas sobre as próprias, embora um título assim de sincero, “As minhas axilas”, procedente de alguém habituado a oferecer verdadeiros tijolos, provavelmente convocasse ainda mais riso do que este texto.
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A Crise do Linguotariado
Na Fábrica da Lingua, propriedade do Estado, trabalharam durante quarenta anos centenas de pessoas. Cada manhã recolhiam pedaços irregulares de fala do chão milenário, faziam simétricos tijolinhos com esta matéria, distribuíam-nos entre elas, e cada tarde consumiam-nos elas mesmas nas casas, nas escolas, e nalguns atos públicos. Os tijolinhos, organicamente, defecavam-se, e pouco tempo depois encontravam-se de novo no chão da terra na forma de pedaços irregulares que havia que voltar a recolher e processar. Durante quarenta anos.
Quarenta Anos na Fábrica da Língua
No Portal Galego da Língua ★ No Praza Pública
Desde há aproximadamente 40 anos se vem construindo na Galiza uma versão (oral, escrita e funcional) da língua do país que geralmente está naturalizada já como o “galego oficial” (paralelamente, não esqueçamos, desde há um pouco menos se vem construindo e praticando a versão “reintegracionista”). As explicações de por que “se” optou por esse caminho (e deixo o “se” deliberadamente ambíguo por enquanto), desde e com as instituições, são variadas, mas entram no geral em três grandes blocos de critérios: fidelidade à tradição escrita, fidelidade à fala (e — dizem que portanto — maior aceitação social), e facilidade de uso. Não é objeto deste escrito comentar os critérios anteriores, já muito debatidos. O facto inegável é que, nesta altura, essa versão da língua, que chamarei o “galego-RAG”, está amplamente reconhecida (na medida em que pode está-lo uma língua em processo de extinção), sem que isto empeça que a visão alternativa (e simbólica e politicamente contrária), o “reintegracionismo”, esteja também naturalizada noutros grupos de pessoa possivelmente crescentes.
A empregada e o cliente
No Portal Galego da Língua
Um diálogo típico num estabelecimento duma cidade da Galiza, por exemplo numa cafetaria:
A Empregada: ¿Qué le pongo?
O Cliente: Um cafezinho. Com leite.
Empregada: Muy bien, con leche.
Cliente: E algo doce também. Algo com chocolate. Que tem?
Empregada: Tengo brownies. ¿Quiere?
Cliente: Sim, ponha-me um.
Empregada: Son muy buenos.
Descapitalizar a Língua e o Discurso: sobre o galego, o valor e o capital
No Portal Galego da Língua ★ No Diário Liberdade
Em 1987 eu estava a fazer a tese de doutoramento numa universidade dos EUA. Tinha 28 anos, e vinha periodicamente a estadias na Galiza para a pesquisa. A tese, sobre o que chamei “a institucionalização do galego”, procurou descrever os começos da introdução estruturada do galego no estado e no poder como objeto de legislação, como elemento de ideologia, como recurso apropriável e como prática de uso. A investigação — é significativo indicar para os argumentos posteriores — foi subsidiada repetidamente, ora pola universidade americana, ora por capítulos do ministério espanhol de negócios estrangeiros destinados à colaboração científica com os EUA.
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De Leis e Línguas: a irracionalidade do jogo
A decisão do Tribunal Superior de Xustiza de Galicia sobre os vários recursos (da Mesa pola Normalización Lingüística, da CIG e doutras entidades) contra o Decreto de Pluringüismo do governo de Feijoo, e as interpretações públicas sobre esta sentença, são muito reveladoras do papel do discurso científico sobre a língua na Galiza, e das constrições que operam sobre a sua aplicabilidade à política. Tanto o Decreto quanto a sentença situam o trabalho sociolinguístico como uma excrescência subordinada à política do partido no governo, e fazem duvidar, verdadeiramente, de que no quadro jurídico desta Galiza se possa articular jamais a racionalidade científica com a ação política.
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