Publicado em Vieiros
O Conselheiro de Educação Jesús Vázquez, acompanhado polo Secretário Geral de Política Linguística, Anxo Lorenzo, apresentou o questionário de consulta de “preferências” dos pais sobre as línguas de ensino para os seus filhos. O questionário consiste em quatro perguntas por nível educativo: Educação Infantil, Educação Primária, Educação Secundária, e Formação Profissional. Será distribuído a 330.000 famílias que têm filhas ou filhos escolarizados.
O desenho do questionário não garante em absoluto a sua “cientificidade”, mas, antes, pola ideologização e polarização atuais do tema, garante a distorção das respostas para um dos polos: ensino totalmente em galego, e ensino totalmente em espanhol. Comento rapidamente alguns dos problemas do questionário. Utilizarei o masculino genérico plural “filhos” e o feminino genérico singular “filha”.
1) Em primeiro lugar, parece que as respostas são anónimas e não haverá em absoluto maneira de controlar se os pais consultados têm efetivamente filhos numa dada faixa educativa. Por exemplo, pais com filhos em E.Secundária talvez respondam também o questionário para E.Infantil para dirigir as “preferências” também nesse âmbito.
2) No questionário para E. Infantil inclui-se “Qual é a língua habitual que fala a sua filha com você?”. Sabemos que a resposta amplíssima, polo menos no âmbito urbano, será “Castelhano”. Mas omite-se a crucial pergunta “Em que língua se dirige(m) você(s) à sua filha?”, ou “Em que língua falam você e o seu cônjuge?”. Isto é, ao omitir esta questão, invisibiliza-se a crise da língua (a perda intergeracional) e dá-se a impressão da competência linguística “natural” dos meninhos em castelhano.
Porém, a pergunta presta-se a clara distorção por parte dos pais comprometidos com a recuperação do galego. Como galego-falante, se eu fosse pai, embora a minha filha se dirigisse a mim em castelhano, responderia que o faz em galego, para escapar à lógica dirigista do questionário: para dizer que estamos aqui. Seria irracional pensar que quem responda o questionário como tática de resistência vaia dizer a verdade sobre a castelhanização dos seus filhos: no contexto deste questionário, quanto mais alta a cifra dos filhos español-falantes, mais justificada estará qualquer política laminadora do galego.
3) A pergunta “Em que língua(s) preferiria que a sua filha aprendesse a ler e a escrever?” é particularmente ofensiva para o corpo docente, porque escapa ainda mais da competência de pais sem formação pedagógica. Num contexto social e educativo monolingue, parece lógico que a língua da aprendizagem da lecto-escritura seja a única existente. Mas em contextos bilingues, existe a possibilidade, evidentemente, do ensino simultâneo das duas, ou até do ensino principal da não dominante (precisamente para facilitar a integração nela), ou do ensino da idealmente hegemónica na aula (o galego) ainda para español-falantes, etc. Há demasiadas variáveis para deixar isto nas mãos dum desejo ideal dos pais, que, além, amiúde vem o professorado como adversário. Está a idade dos meninhos, a composição linguística da aula, a conduta linguística da professora ou professor, o grau de individualização do ensino, etc. etc. Já passou a época do menosprezo da função docente. Só as professoras e professores de Educação Infantil, infrapagados e infravalorizados, mas cruciais profissionais da formação das pessoas, estão em condições de estabelecer as pautas e métodos pedagógicos adequados para o ensino da lecto-escritura, em consonância com um projeto educativo e normalizador global. Sem estas professoras e professores, nem Feijóo seria presidente nem Anxo Lorenzo Secretário Geral. E ainda teriam mocos pendurando.
4) As perguntas sobre a presença de “conteúdos em inglês” em todos os níveis educativos é basicamente inútil, e sobretudo hortera, por empregar um inimitável e muito acaído españolismo. A resposta esmagadoramente maioritária vai ser “Sim, claro”. A indeterminação da pergunta só está orientada a salientar as tristes ânsias de Trilinguismo Cordial duma sociedade cuja própria língua esmorece. A pergunta será a justificação para, em casos específicos, a Conselharia dedicar os sempre deficientes recursos destinados ao ensino para “conteúdos” em inglês em lugar de galego: “Yo prefiero que las clases que no sean en castellano sean en inglés” será o razoamento básico de muitos pais. Com este tipo de perguntas a ideologia españolista mostra o pouco que lhe importa a própria língua española: Clamam contra um maior peso do galego frente ao español, mas não têm qualquer problema com que, conjuntamente, galego e inglês possam ter mais paso que o español. Glorificando o inglês, não estão em favor do español, mas em contra do galego.
5) Ainda, não existe qualquer opção de que esses “conteúdos” sejam noutras línguas “estrangeiras”: o português está totalmente ausente do questionário. O falacioso império do inglês (mal falado e fundamentalmente inútil numa economia nada “globalizada”) impõe-se como um mito coletivo que acompanha as sonorosas marcas dos ténis ou camisolas de desportos. A mimese anglófila descerebrada está garantida.
6) As opções das perguntas sobre matérias troncais são especialmente estúpidas quando o número destas é ímpar, como acontece tanto na E. Primária (3) quanto na Secundária (7). Nem faz falta saber Matemáticas Españolas para compreender que a opção “Umas em galego, outras em castelhano”, quando as matérias troncais são 3 ou 7, só pode equivaler a “A maioria em galego” ou “A maioria em castelhano”. Será difícil interpretar quantitativamente se a opção do meio significará “Matéria e meia” ou “Ao chou, como quadre no centro educativo”.
7) Por último, o desdobramento das “preferências” em “língua para cursar as matérias” e “língua para os livros de texto e materiais didácticos” é pura demagogia antipedagógica. Parece destinada a conciliar em aparência o que será a evidente resistência de professorado galego-falante a ditar a sua matéria em español, mesmo se assim é “decidido”, com a obrigatoriedade de apresentar o material didáctico nesta língua. E o mesmo poderá acontecer com o professorado que recuse dar a matéria em galego: explicações orais numa língua, material escrito noutra. Já acontece, e, de aplicar-se o resultado da “consulta”, acontecerá mais.
Em definitivo, o questionário está orientado a produzir o resultado dum autêntico totum revolutum linguístico: um indefinido “bilinguismo” geral nada cordial, mas confusíssimo. Se a “maioria” dos pais querem “a maioria” das matérias obrigatórias em castelhano, mas uma “minoria” as quer “totalmente” em galego, o que fazer? Que “preferência” linguística conta mais, a “maioria” duma “maioria” ou a “totalidade” duma “minoria”? Quais destas “maiorias” vão ser em castelhano e quais em galego? A saída prática talvez seja, em cada centro, a pura acomodação às preferências linguísticas atuais do professorado, não dos pais: se dous professores de matérias obrigatórias dão as aulas em español e um em galego, já vale. Nuns centros, poderão ser em español Matemáticas e Conhecimento do meio; noutros, Ética e Conhecimento. Ou as três, porque não se porão de acordo sobre quem tem que ceder na sua escolha de língua. Sei lá.
Em qualquer caso, o objetivo é que os pais sejam falsamente tratados como clientes do Serviço Educativo, com democrático direito a manifestarem as suas preferências comerciais, mas com interesses impossíveis de conciliar num esquema caótico. E o papel do técnico Anxo Lorenzo será dirigir tudo isto, tabulá-lo, resumi-lo e apresentá-lo: uma suculenta oferta profissional.
Mas haverá um resultado global muito mais político, que é o que interessa: “Galicia es/é Realmente Bilingüe”. Não importará que este bilinguismo se manifeste na preponderância do castelhano no ensino (e nos meios de comunicação, e na vida económica, e…): do que se trata é de obstaculizar como for, com a mercadotecnia consentida desta versão da Sociolinguística Quantitativa, o caminho face à hegemonia social do galego. “Reduzir o conflito” significa isto, e substitui-lo por um outro: o enorme cisma social entre as pessoas que praticam o compromisso inteligente com a língua e as que acreditam na soberana estupidez populista.