Por fim levaram para a cadeia o terrorista Bruno Ruival, Bruno Vence Ruibal no seu nome espanhol. Já era sem tempo! Andavam toda Compostela e a Galiza cagadas de medo pola sua presença nas ruas. A gente estava apavorada, sei-no de boa tinta. Parabenizo o cidadão ou cidadã que o delatou. Ao parecer, dizem a lei e os jornais, o Bruno teria mantido na sua casa Maria Osório. É natural nele: ali onde se podia apoiar o terrorismo, aí ia o Bruno. Sempre lembrarei uma conversa uma noite em Compostela, no meio da rua, em que me explicou como se faziam as bombas. Advertim-lhe que esta foi exatamente uma das razões (explicar a um operário comunista como se faziam bombas) polas quais o meu avô médico, membro do perigoso Izquierda Republicana, foi justamente fuzilado por Franco em 1936. Mas o Bruno continuou, gesticulando grandes esferas com as mãos, salivando ao reproduzir o som das explosões.
Há pouco contou-me que tinha pensado ir a Madrid para matar o príncipe espaÑol Felipe o dia 19, dum só tiro entre as celhas, como os elefantes, porque estava farto de reis e de rainhas espaÑolas, que não podia suportar vê-los na tele espaÑola. O Bruno pronunciou os eññes longos, com muita raiva arredista. Na conversa, mais duma vez utilizou a palavra “resistência”, e também “galega”. Isto é: falava-me em chave, sei que estava convidando-me a unir-me. Agora não lembro se ele falara em “insistência” e “colega”, mas eu bem sei por onde iam os tiros. Isso: os tiros. Do chaleque do Bruno sobressaía o revólver. As suas mãos fediam a Parabellum recém usada. Eu disse qualquer cousa mal em galego, e o Bruno corrigiu-me, com enfado e firmeza. Então comecei a entrar em medo: estaria reparando no meu sotaque castelhano? Afastei-me um pouco dele, com uma escusa, como que tinha que ir comprar um manual de ecologismo social-democrata. Despedim-me. Ele nem respondeu. De esguelho, vim que abria o seu caderno verde-amarelo, a cor da bílis, e riscava algo (o meu nome) com gesto de ódio. Não voltei falar com ele.
Ainda bem. Por fim o Estado de Direito fez o que tinha que fazer, o que tinha que ter feito desque o Bruno Ruival começou a ameaçar-nos. Igual que quando morreu Franco, esse senhor autoritário que já obstaculizava a Transição, a gente voltou a sorrir em Compostela por não ter Bruno Ruival nas suas ruas. Eu, contudo, ainda me sinto contaminado. Sinto-me enganado de novo por ter tido com ele. Sinto-me traído pola grande capacidade de manipulação de Bruno Vence Ruival, o mágico do terror dissimulado. Sinto-me sujo, como se ele se tivesse aproveitado da minha ingenuidade para inocular-me a sua vesânia nada menos que independentista. Ou anarquista!, já nem sei. Tenho que apagar os seus correios. Tenho que apagar a sua imagem da minha mente. Tenho que ocultar que o conheço. Tenho que calar, como se ele nunca tivesse existido. E tenho que procurar compreender como o Mal vai penetrando sem o sabermos nas nossas ruas, nas nossas casas, na nossa normalidade democrática. Resistência Galega, Resistência Galega, Resistência Galega, ecoa-me como pedras no cérebro. Resistência Galega, Resistência Galega, não me deixa dormir! Resistência Galega, Resistência Galega! Devo comungar esta quinta-feira 19 de junho coroas de pão ázimo como antídoto, antes que me possua irremediavelmente o Íncubo. Devo desconfiar de todos e de todas. Devo calar sempre, sempre calar. Devo ser bom, devo ser democrata, devo repetir isto até à fadiga: Eu não sou Bruno Ruival o Terrorista. Eu não sou Maria Osório a Terrorista. Eu não sou Carlos Calvo o Terrorista. Eu não sou Bruno Ruival o Terrorista. Estou salvado.