Em MundoGaliza
Estou farto. Levo décadas emprestando o meu dinheiro aos bancos (eles chamam-no “aforros”) só para que eles, com o meu empréstimo, ganhem mais dinheiro do que me dão. Além disso, nem sequer lhes exigi um aval. Eles dizem que me “guardam” o dinheiro (por se o gasto ou mo roubam), mas eu tenho a sensação de que está sequestrado. Depois, se eu lhes pido dinheiro emprestado (do que eu e outras pessoas lhes emprestam), pedem-me um aval, e uns juros muito mais altos dos que lhes pido eu. Se eu não lhes pago o crédito, embargam-me os bens, reapropriam a casa que pensam que é deles, e vendem-na à mínima. Mas se eles não me devolvem o que eu emprestei por falta de “liquidez” (chamam-no “preferentes” ou “corralito”), os seus bens não saem ao público não: amiúde tenho eu que emprestar-lhes ainda mais dinheiro (chamam-no “nacionalização”) para, caso possível, me devolvam o que lhes emprestei ao começo! É o viciado ciclo da dependência que os grandes bancos praticam com os países “subdesenvolvidos”, mas dado a volta: resulta que os bancos dependem de nós, e nem o sabemos.
O meu dinheiro não é muito: é a nómina polo trabalho fora dum banco, com a qual pago a nómina dos que possuem esse banco e fazem o possível para não devolver-me o que lhes emprestei, curioso. Com a minha nómina ajudo a pagar a quem só produz lucro contra mim. Ainda por cima, a minha empresa, a Universidade, até me obriga a emprestar a nómina a um banco (chamam-no “domiciliação”). Tenho ido à Universidade para que me paguem cada mês em bilhetes, mas negam-se. É natural: a minha empresa (o Estado) é refém dos bancos, que lhe emprestam dinheiro para que eu lhes empreste a minha nómina. A mim soa-me a extorsão, a imposto revolucionário.
Nunca compreenderei este absurdo. Ou sim. O meu trabalho serve obrigatoriamente para capitalizar os bancos, mas não tenho garantias de que o dinheiro que lhes empresto me seja devolvido justo quando o preciso. Se o banco não o faz, que responsabilidade penal tem? Com sorte, devolvem-me uma parte (já ficaram com os interesses), mas não recebo qualquer indemnização por roubo ou por sequestro. Resulta que eu sou proprietário desse dinheiro (da matéria prima com que trabalha o banco), mas não do banco em si! Imaginemos uma carpintaria que faz móveis com a madeira que lhe empresta (não que lhe vende) uma carvalheira de propriedade coletiva, e devolve-lhe a madeira na sua forma bruta, comprada noutra carvalheira com os benefícios de vender os móveis, ou emprestada por ainda outra carvalheira. Em nenhum planeta racional se viu esta economia de Moebius. Só no planeta do capitalismo financeiro.
É no banco onde o dinheiro se converte magicamente em capital. Na minha casa, os bilhetes da nómina não produzem “interesse” (a parte mínima que se me devolve do ganho do banco). Mas também não produzem “crise”. Porque, na lógica de crescimento insustível do capitalismo, o banco, que se capitaliza com o meu dinheiro, precisa cada vez mais matéria prima (“liquidez”) para produzir mais bens (“produtos”, empréstimos). Mas, como vai haver matéria prima de dinheiro para os bancos se as empresas pagam menos às pessoas que o emprestam? E, se as pessoas ganham menos, como vão consumir os “produtos” que oferecem os bancos? Por isso os bancos ocidentais tiveram que enganar com subprodutos baratos (e queixamo-nos da China!). E agora que não há “liquidez”, não dão oferta de créditos, mas tampouco quereriam devolver o que nos devem. A que mente torta lhe ocorreu a ideia de fabricar dinheiro com dinheiro?
Estou farto de que o meu dinheiro se transforme em capital sem o meu consentimento. Se quisesse isso, montaria eu próprio um banco. Não faz qualquer sentido continuar a emprestar dinheiro aos bancos. Não são negócios fiáveis que o mereçam: o primeiro exigível a um bom burguês é a honorabilidade. Onde melhor está o nosso pouco dinheiro é na casa, ou utilizado na compra de bens necessários que talvez no futuro (quando não nos devolvam o emprestado) não poderíamos comprar — se eu consumo agora dou o meu dinheiro a um pequeno comércio, não a um banco –, ou reinvestido no nosso pequeno comércio, ou trocado por terra, por terra produtiva e coletiva, onde sempre se podem plantar umas verduras e criar uns animais. Descapitalizar os bancos não seria um risco não: seria des-capitalizar o capitalismo, asfixiar a cabeça da ténia, que é a que reproduz eternamente o resto do corpo. Que os bancos nos entreguem o dinheiro sem condições e se autodissolvam. Com certos bandos não há negociação possível.