No Portal Galego da Língua • Em Diário Liberdade
Recentemente assiste-se a um certa tentativa de reenquadramento dos conflitos linguísticos no Estado Español em várias espécies. Desde o “progressismo” centrista faz-se, por exemplo, em termos do apelo a uma “diversidade” semelhante à exuberância da flora tropical. É um discurso velho e novo ao mesmo tempo. Velho, porque se recolhe também nessa pretensa proteção da “riqueza das modalidades linguísticas” que está na Constitución Española e em tanto discurso, também progressista, que não compreende ou não quer compreender o que é um projeto de construção de língua nacional. E novo porque, em lugar de atacar frontalmente os projetos de intervenção (pouca gente ousa dizer, por exemplo, que o galego “não serve para nada”), estes são reduzidos à necessidade de medidas locais, parciais, sempre estimadas em termos de necessidades específicas, numa paródia da auto-gestão dessa diversidade. Em poucas palavras: a recuperação das línguas não-espanholas continua a ser folclorizada porque, no fundo, se concebe sempre um quadro linguístico mais amplo (o da Lengua dominante que não precisa de tal intervenção). Mas resulta que nem a Galiza, nem Catalunha, nem o País Basco, nem o País Valenciano, etc., são sociedades tribais com o que se chamam heritage languages (“línguas de herança”) que um feixe de índios conscientizados ensinam em locais provisórios como puro “património simbólico”.
Da mesma maneira, ao lado dos mitos do monolinguismo e do bilinguismo surge agora o mito do “plurilinguismo”, um plurilinguismo peculiarmente concebido. O título do infame Decreto Feijóo/Lorenzo da administração do PP ultrapassa o seu nicho no DOGA para ser motivo, por exemplo, dumas jornadas do STEG. Parece que o PP é especialmente hábil em gerar palavros que até a oposição do nacionalismo linguístico faz circular, para maior glória dos seus geradores. Porque, é que o “plurilinguismo” é ideia nova agora? E, de que plurilinguismo se fala? Do que sempre tiveram as elites poderosas que falam os idiomas poderosos do mundo para se comunicar na linguagem do dinheiro? Do plurilinguismo “de base” das sociedades multiétnicas (africanas, por exemplo), onde várias línguas de identificação social são utilizadas junto a línguas ex-coloniais e neo-coloniais (isto é, coloniais)? Ou não se tratará do ideal dum semi-plurilinguismo acaído para perpetuarem o semi-analfabetismo numa sociedade galega que, por não ter, não terá nenhuma língua inteira (nem português, nem inglês, nem español)?
E, por último, ressurge também o enquadramento da “ecolinguística”, palavro também pegadiço como canção de verão. Tampouco é nova. As línguas no seu espaço eco-social, não é? Mas, ou isto se concebe em termos eco-sócio-político-linguísticos, ou se está a falar da mesma diversidade linguística de sempre. Na realidade, não li um recente volume coletivo, Lingua e Futuro, com a focagem nessa onda, Unha perspectiva ecolingüística, porque um livro académico que fale do passado, presente e futuro do galego sem incluir nas suas cumpridas referências bibliográficas nem sequer uma menção a nem sequer um livro, trabalho, artigo, palestra ou texto jornalístico de nem sequer uma só pessoa reintegracionista durante décadas de produção (isto é, os que dizemos e escrevemos que galego e português são a mesma língua, que se chama língua portuguesa), merece-me pouquíssimo crédito. Será um livro pavero, mas não é nem ciência nem resistência. Um pergunta-se se a urgência duma improvisada contestação ao Monstro do PP, os interesses comerciais editoriais, a caché do termo “ecolinguística” e outros fatores oportunistas se impuseram, como amiúde acontece, sobre o critério do rigor académico para uma questão tão crucial como –dizem os mal pensados– é a Língua da Galiza.
Mas é que, já digo, o jogo do reenquadramento discursivo parece estar a ser mais importante do que outras questões. Dirá-se que me estou a referir, na minha crítica, a discursos e posições muito diferentes. Talvez sim, mas nem tanto. Todos continuam a caraterizar-se, como é costume, pola exclusão. Não é grave que neste jogo se excluam pessoas, que são mortais, mas sim o que estas dizem, que permanece escrito. Esses discursos excluem afirmar com todas as letras que o conflito linguístico na Galiza é uma questão de Estado porque é um conflito entre línguas nacionais e de Estado, não entre uma Lengua plena dominante e uma curiosa variedade dominada a “proteger”. Tírios e troianos excluem, por exemplo, a evidência categórica de que não se pode reinventar o que é uma Língua Nacional, e que esta língua nacional já a temos noutros estados, para imitarmos a sua natureza e as suas funções (dentro das nossas formas) como obedientes discípulos. Excluindo assim o discurso da razão de Estado, isto é, a questão radical do conflito linguístico galego, permite-se e tolera-se a penetração de viragens discursivas de todo o tipo que, na realidade, não dizem nada novo e, sobretudo, não abrem as portas para agirmos nada novo. É esta uma ampla aliança, não o nego, dentro do que dei em chamar o “contínuo galeguista”, bem tolerada desde o centro. Mas uma aliança social assim não dá necessariamente a razão. O galego é língua portuguesa. A gente antiga da Galiza inventou a língua, decerto, mas estruturas não galegas muito posteriores (“Portugal”) inventaram a língua nacional. Um agir linguístico, cultural e político responsável deveria começar por não omitir nunca esta evidência histórica, que só uma hipocrisia de classe e de facção dominante de campo quer apresentar como dolorosa.