Publicado em Diário Liberdade
Existem muitas razões lógicas para a Galiza ser soberana, e, se assim o decidir, independente (existem razões contrárias, claro, mas eu falo só das lógicas). Mas a razão principal, hoje que como nunca assediam nas ondas palavras estranhas, é a da pura sobrevivência. Mental, quero dizer.
A outra também, mas deriva da primeira. Mas não proponho só independência: proponho pura autarquia, das verdadeiras, das da incomunicação voluntária, do auto-bloqueio, das fronteiras mediáticas, como para sanarmos duma longuíssima adição. Imaginem o prazer de nem poder receber as TV espanholas na hora mais feliz em que se deglute um rico peixe da ria ou se saboreia um cafezinho. Imaginem não ter que ler nos quiosques na primeira hora da manhã essas letras enormes sobre o escândalo Gürtel, Fabra, a farsa dupla sobre o juiz Garzón, as liortas Aguirre-Gallardón, os antiabortistas nacional-sindicalistas, o transfuguismo, os bispos, o Decretazo, a Família Irreal. Imaginem que, a zapear a rádio digital, nem sequer soassem por um segundo as vozes da COPE, da SER, de Radio María: no seu lugar, uma grande linha branca no dial. Que terror inicial, mas depois quanto prazer de vazio quotidiano! Imaginem termos apenas duas ou três televisões de notícias, públicas, livres, abertas e democráticas, apenas dous ou três jornais abertos, livres, democráticos. E muita, muita rádio de música, cultura e debate. Isso seria suficiente para conhecermos e discutirmos as nossas próprias façanhas e misérias, muito mais interessantes. Estaria garantida assim a necessária continuidade entre o quotidiano e o político. A crítica, a discussão política, teria o seu correlato na discussão e na crítica de café à gente que se conhece pessoalmente, não a repugnantes ladrões das alturas. E sem dúvida poderíamos abrir outras fronteiras mentais, a Sul e a Oeste, para que nos invadisse só o que queremos. Também com cuidadinho, eh, que todos os países grandes cultivam bosta. Imaginem, enfim, esta autoimposta higiene temporária, um banho salgado de calmas vozes próprias. Por isso, a urgente independência contra España (contra esta que sofremos; se houver outra, é problema dela) não é nem um desejo político, no habitual sentido distorcido: é um desejo vital, por pura estética, por pura tranquilidade. Primeiramente, mental. E, então, tranquilidade da outra, a do diálogo, da ação e do progresso verdadeiro, lento mas real, face à igualdade. Imaginem.