Consenso sem senso

Publicado no Xornal de Galicia, na edição em papel e na web

     Perante a atual crise da língua da Galiza, existem basicamente duas amplas posições para a mobilização social, articuladas em torno de plataformas e manifestos. Um bloco, com alguns matizes internos, chama a um novo “consenso” dos partidos hoje parlamentares, baseando-se no que de positivo para o galego pudesse ter (dizem) o quadro constitucional español e estatutário. Dentro deste campo, o manifesto Galego, Patrimonio da Humanidade reclama do Partido Popular um “retorno” a esse consenso, e chega a valorar positivamente a sua gestão sobre o galego de décadas anteriores. A plataforma ProLingua nasce com o mínimo denominador comum da defesa do cumprimento “íntegro” da Lei de Normalización Lingüística (LNL) de há 26 anos (a mesma que diz normalizar que também o español, afinal do ciclo de ensino obrigatório, se conheça na Galiza “en igualdade de condicións” que o galego, curiosa meta para uma lei de “normalização” da língua dominada) e do Plan Xeral de Normalización da Lingua Galega, PXNLG (o mesmo que foi desenhado para cobrir os desejos apenas de “quem quiser viver em galego”). E a plataforma Queremos Galego também apela ao “consenso” e à “unanimidade” do PXNLG e da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias,  e a uma política linguística “progresiva”.

     Na outra posição, o Manifesto pola Hegemonia Social do Galego denuncia a política “linguicida” do PP, mas também a responsabilidade de “toda a classe política dirigente”, e reclama dos “poderes públicos” a “promoção” (não “proteção” nem “defesa”) social e institucional do galego, e a eliminação de qualquer forma de discriminação, para a sua construção como “língua nacional própria a todos os efeitos”. O Manifesto chama a um “compromisso comum, horizontal e persistente” de toda a cidadania para a transmissão da língua. Para os seus proponentes, só a “necessária hegemonia social do galego” criará a “integração social” imprescindível para construirmos um “âmbito de decisão verdadeiramente soberano”.

     As duas posições parecem claras, e a prognose sobre os seus itinerários, também. Na altura, o chamamento ao consenso com o PP só pode levar a um auto-assumido retrocesso na posição do galeguismo. Foi só sob mandato do PP galego que a sua subordinação crescente a Madrid lhe permitiu aceitar os “consensos” e as “unanimidades” da LNL e do PXNLG, e já vemos como dessas chuvas, estas lamas. Quando o PP não tem a maioria absoluta, é perito em destragar qualquer possível consenso para levar a água ao seu moínho. Para o PP, o “consenso” sempre se impõe. É isto, de novo, o que se procura?

     O cavalo de batalha desta legislatura linguística está a ser, induvitavelmente, o novo decreto sobre a presença do galego no ensino público. Reclamar que este novo decreto se adeque ao PXNLG é gratuíto: visto o vago sentido e literalidade do Plano, o mais provável é que se adeque (como se adequa o Decreto vigente), e, se não, aí deveriam estar os mecanismos jurídicos para provar que não. A reclamação é, portanto, uma vitória segura para o PP, que, mais uma vez, terá “escutado a voz da cidadania”, e significará uma nova derrota para a oposição política e social apanhada na sua própria reivindicação.

     Por isso seria mais sábio deixar que o PP legislasse a sua ré-ação legislativa contra a língua em solitário, e que tivesse que pagar o preço. Ou é que tanto se teme um simples escano na corda bamba do flutuante voto século XXI?  Nunca foi tarefa do galeguismo real nem defender as bondades da língua espanhola ou do bilinguismo, nem abandonar uma posição firme de interesse exclusivo no galego só em função do grau de dominação sofrida. Porque, se o galeguismo e a esquerda fazem o trabalho do espanholismo e da direita, que papel fica no jogo dos mercados linguísticos para o centralismo de Estado (que como centralismo é, por definição, de direitas)?

     Em resumo, a mobilização social em favor da língua não pode partir da procura a qualquer custo dum consenso sem senso. Quando uma lei velha cheira a papel molhado, como a de “Normalización”, é melhor esquecer as suas palavras e lutar por outras novas, tenham lei por detrás ou não. Reclamar a hegemonia da lingua própria (isto é, a naturalização social e a institucionalização permanente da sua posição nacional maioritária) parecerá estatutariamente anormal, mas, que se saiba, foi o que orientou sempre o galeguismo. Desviar-se desta linha é suicida, porque o itinerário da derrota da nossa língua não está marcado. Se estivesse, já há décadas que España o teria aproveitado.

Ligações:

Manifesto pola Hegemonia Social do Galego

Galego, Patrimonio da Humanidade

Queremos Galego

ProLingua