O Hotel Louxo-La Toja, a cortesia e o galego: Crónica de várias longas conversas

Publicado no Portal Galego da Língua

Após pressões múltiplas, o Hotel Louxo-La Toja (sic) retirou uma das suas “normas de cortesia” dum documento interno que no referido aos trabalhadores de Recepção dizia: “Mantener posturas correctas delante del público, no hablar de temas personales con los compañeros y no hablar en gallego“. A norma, parte do Plan de Calidad interno do hotel, circula na Internet na forma de uma fotografia digital, feita por acaso por algum trabalhador ou cliente insatisfeito com tal discriminatória regulação.

Eu recebi por Internet a fotografia. No mesmo dia, quinta-feira 18 de Janeiro, telefonei o Hotel para perguntar sobre as razões que o estabelecimento pudesse ter para proibir o uso do galego entre os seus empregados. Puseram-me em comunicação com uma pessoa representante do Hotel, quem, falando-me só em espanhol (“perdone que no utilice gallego, pero es que yo me expreso mejor en castellano” ) manifestou a sua surpresa e preocupação pola circulação desse documento na Internet, do qual não tinham qualquer notícia. A norma, explicou esta pessoa, não queria referir-se ao uso do galego com o público, nem entre os empregados para funções do trabalho, mas só à comunicação privada entre eles para comentarem esses “temas personales” que não deveriam ter lugar em horário laboral. A representação do Hotel indicou que interpretar a norma como uma proibição do galego era tirá-la “fuera de contexto”, pois cada um desses pontos das Normas era explicado aos trabalhadores.

Na verdade, as opiniões iniciais desta pessoa manifestaram, mais uma vez, o forte enraizamento de prejuízos linguísticos, inconscientes, irracionais e nunca razoados (pois ameaçariam a visão dominante do mundo) que informam as atitudes e condutas diárias. O seu argumento principal e reiterado era o do “respeto”: para quem mantém estes prejuízos, é desrespeitoso que dous empregados da Recepção falem entre eles galego diante dum cliente que não o entende, pois “incluso podría entender que están hablando del cliente”.

Sei que normas semelhantes de “cortesia” se emitiram nalguma cadeia hotelária dos EUA para proibir o uso do espanhol entre empregados. Evidentemente, nenhum galego educado e no seu são juízo que viajasse a Grécia ou Holanda, por exemplo, e escutasse dous trabalhadores dum hotel a falarem grego ou neerlandês pensaria que estavam a falar dele! Mas para muita gente o galego na Galiza (ou o espanhol nos EUA) continua a ver-se como uma espécie de código secreto, obscuro, apropriado só para o mais informal. Embora esta pessoa concordasse que falar de questões pessoais na Recepção é igualmente censurável seja em galego ou em castelhano, o problema é que se os empregados o fazem em galego “el cliente no sabe de lo que están hablando”. Daí a “descortesia”.

Em resumo, para esta ideologia linguística tão estendida no país, o galego fica indissoluvelmente ligado à coloquialidade, à descortesia e à incorrecção linguística. A língua formal, cortês e correcta por excelência é o espanhol… mesmo (por exemplo) para clientes anglofalantes que não o compreendam! Por curiosas razões que a lógica humana não pode explicar (mas que o espanholismo linguístico-ideológico sim), uma conversa em espanhol entre dous trabalhadores não levantaria num cliente estrangeiro que não os compreenda suspicácias de “descortesia”. Para esta ideologia linguística, a subordinação social do galego chega ao ponto de a presença dum cliente castelhano-falante impor, unidireccionalmente, uma conduta linguística entre dous trabalhadores contrária à sua habitual “por respeto al cliente”. Nesta lógica de dominação, porém, a presença dum cliente lusófono não requer que os trabalhadores mudem para o galego-português “por respeto”. Ainda para o respeito social há classes, ou seja nações.

No final da nossa cordial conversa, eu reiterei a minha sugestão da supressão dessa referência ao idioma galego, que sem dúvida é fruto de uma historicamente longa e ideologicamente densa ignorância. A representação do Hotel Louxo respondeu “Muy bien”, e aí acabou a nossa comunicação. A seguir, enviei um correio electrónico reiterando questões da nossa conversa, e chamei duas vezes ao Hotel.

Depois de outro correio electrónico e de dous dias sem resposta por parte do Hotel Louxo, o Sábado 20 recebi uma chamada conjunta da Direcção e da pessoa com quem eu falara anteriormente. Não puderam comunicar-se comigo por razões de trabalho e pola situação criada. A Direcção utilizou só o galego comigo, e a outra pessoa que dous dias antes falara em espanhol também se comunicou comigo exclusivamente num muito correcto e fluído galego. Desde a Direcção do Hotel Louxo reiterou-se que estas eram umas normas de cortesia de “fai moito tempo”, que eram um erro evidente, que “estavam mui mal feitas”, que o assunto já fora imediatamente corrigido na forma de novas normas, que eles eram galego-falantes, que se falava muito galego no trabalho e, em definitivo, que manifestava o seu respeito ao galego.

Eu enviei ao Hotel Louxo uma primeira versão deste texto, para confirmar se as opiniões iniciais dessa pessoa reflectiam a posição do Hotel. Pouco depois, numa segunda chamada, a Direcção do Hotel reiterou que, embora essas eram opiniões de pessoa com quem eu falara, não era essa exactamente a posição oficial do Hotel. Tomo, portanto, as palavras da Direcção, que mostrou comigo muito máximo interesse em actualizar-se na questão linguística.

A minha primeira versão deste texto concluia:

“Agora, é uma questão de cortesia face aos trabalhadores e trabalhadoras do Hotel Louxo que este distribua as mesmas Normas internas também em galego, e que inclua explicitamente o seguinte apartado no seu protocolo de Qualidade: “É cortês que os trabalhadores e trabalhadoras utilizem livremente o idioma da sua preferência em qualquer actividade do trabalho, garantindo sempre a comunicação cordial e fluída com o cliente”. E é também cortês, sumamente cortês, que uma empresa galega se dirija em primeiro lugar ao seu público (oralmente e por escrito) no idioma do país.”

O facto é que a imagem do Hotel Louxo é, até hoje, a duma empresa (como tantas do país) que ainda não utiliza o galego para a relação externa (a sua web só está em espanhol e em inglês, o hotel utiliza “La Toja” como parte da sua “marca”, e os seus trabalhadores na Recepção nem sempre correspondem em galego ao público galego-falante).

Mas o facto é também que, na sua última chamada telefónica, a Direcção do Hotel Louxo comprometeu-se a redigir as Normas de cortesia também em galego, a colocar uma nota explicativa na sua página web (o que farão em “segunda-feira”, sic), a oferecer uma versão em galego da sua página web, e a entrar em contacto com a recém criada associação Galempresa.

Quando se fala de língua, amiúde tudo fica em palavras, já o sei. Mas o resumo do conto até hoje pode ser o seguinte: A lógica pressão exercida por várias vias teve um efeito evidente. Uma denúncia assusta. Mas a pressão do diálogo pode convencer. Tenho notícia de que a Associação de Amizade Galiza-Portugal também entrou em contacto com o Hotel Louxo neste sentido. Espero que a Direcção do Hotel Louxo chegue a compreender a natureza do seu erro a respeito da língua e as razões do protesto social, e a agir coerentemente. Uma ampla comunidade de galegos e galegas estaremos observando.

O “reintegracionismo” como Pátria

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Quando não se tem nação, porque o que ela poderia ser foi apropriado por outra invenção nacional ou nunca existiu, os homens tristes do mundo (e alguma mulher) constroem as suas Pátrias pequenas onde aprendem os protocolos da honra, do poder, da antiguidade. São estruturas onde se reproduzem os princípios hierárquicos, petruciais, onde os mais novos se socializam na lealdade (de pouco a pouco, ou se não poderia resultar uma Revolução), onde se vai escrevendo nos textos e nos actos uma emotiva mitologia interna, onde se aprendem os mecanismos hagiográficos e os dispositivos da estigmatização. Nos interstícios do mundo real, primeiro na vigorante clandestinidade e depois na auto-assumida heterodoxia, década após década, as estruturas que são Pátrias crescem e decrescem intermitentemente como uma ténia que perde elos por um lado e ganha-os por outro, constantemente mantendo só a massa crítica necessária para a subsistência robinsoniana, como um escolhido mangado de incompreendidos heróis na ilha social, arrodeados de tubarões (alguns reais, outros imaginários), a improvisarem um refúgio comum sem sentido, pois quando o telhado já está montado e as pessoas mais jovens e fortes poderiam subir para iniciar o segundo andar, os mais velhos, herdeiros e custódios dos molhados Planos Originais, desmontam o telhado e voltam a começar. Para que no fundo o refúgio nunca mude e seja sempre mimese de si próprio. Durante décadas. Indefinidamente.

Quando na vida real não se desfruta desse abcesso mental que é a nação, os homens e as mulheres tristes constroem maquetas de Pátrias onde por qualquer motivo se expulsam os amigos, se denegam outras possíveis amizades, se retira o saúdo. Nestas Pátrias qualquer crítica converte-se num ataque aos princípios fundadores, qualquer parabém é imediatamente sequestrado como compromisso de incombustível lealdade, e surgem como hordas os vocabulários da Traição, da Destruição, dos Inimigos, os apelos à Unidade, o terrível, o inexprimível medo à diversidade, ao confronto, a ter que sentar-se frente a frente, no mesmo concílio, com quem sabes que aborrecerias pensar de igual modo, mas que tens que escutá-lo se queres que te escutem. Então surgem as nítidas Facções, os Partidos, as fechadas partidas de caça: surge a conspiração como princípio organizativo e portanto a psicose como método, a percepção de que todo mundo conspira sempre contra tudo e contra todo mundo, mesmo quando não conspira. Nas Pátrias, a rareza de não conspirar considera-se uma conspiração. E surgem as metáforas dos barcos que afundem sem remador, ou, polo contrário, das fálicas naves armadas que por fim apontam para um horizonte de vários oceanos, uma enorme Língua de mar ou de pequena terrinha que condensa o sentido dessa Pátria e onde na realidade se afogam todas as misérias. Quando há uma Pátria que os petrúcios ou os seus aprendizes proclamam que afunde, surgem sempre os desejos de que nasça um salvapátrias.

Nestas Pátrias, como nas verdadeiras, nunca há lugar para agir depois da sua fundação. Porque a Pátria já tem uma longa idade, uma mitologia de volumosas biografias, que é basicamente o que a constitui. Mais nada a constitui. A Pátria pode ter um tema fundador, mas este é apenas uma escusa. Os mais novos patriotas nunca poderão fazer parte da aborrecível cúpula. Porque a verdadeira razão de ser da Pátria não é a Pátria, mas a cúpula, e esta já está sempre ocupada por si própria. Os mais velhos patriotas que chegaram tarde, tampouco terão nunca biografia. Uns e outros serão sempre construídos como estrangeiros. Como inimigos. São patriotas inimigos. Dentro de cada Pátria sempre há patriotas inimigos, poucos mas necessários estrangeiros inimigos, pois sem eles não haveria Identidade Própria da Pátria, não haveria mitologia, heróis nem vilãos.

E assim, quando numa triste Pátria há lutas intestinas, igualmente cegos afinal todos os patriotas (uns, polo esmagador sol da vitória; outros, polas profundas trevas da derrota), todos eles só podem agir fragmentariamente guiados polas suas próprias, antigas, monótonas vozes: as únicas que reconhecem após décadas de recíprocos parabéns e de batalhas reais ou inventadas cujo duvidoso registo se acumula oculto nos sagrados arquivos custodiados, sacerdotais, impenetráveis, nas poeirentas gavetas de uma casa ou na paternal memória oral o acesso à qual é um privilégio. As Pátrias são por definição obscuras, isolacionistas, as suas mitologias são confusas, a sua essência é a exégese, não a explicação aberta, e quando algum raro súbdito abre a voz para que se falem os detalhes e a história desse monstro, para que saiam os papéis e se descubram as trapaças e os enigmas, as infantis acusações são que essa procura de clareza é ora querer destruir a Pátria, ora praticar a fútil loucura do discurso.

E levam razão. Ambas infantis acusações levam razão.