Publicado em Non! – crítica e intervenção
Confesso não conhecer muito os detalhes da proposta de regionalização de Portugal, mas, como galego do Norte, supõe-se que deveria ser uma questão que nos interessasse. A Galiza “desfruta” dum pedacinho de Estado monárquico na forma da Comunidade Autónoma “Galicia”, e a aparência de democracia mais directa também inça de cada vez mais as nossas maltratadas consciências. Apenas algumas gentes, provavelmente lunáticas, comprimidas entre várias formas de Estado –desde a crescente Europa até aos governos locais dos concelhos– debatem-se entre aceitarem a miragem duma suposta “aproximação” do Estado aos súbditos e a sua inusual lealdade às utopias, isto é: um mundo sem Estados como os conhecemos, e uma verdadeira regionalização e nacionalização definida pela união livre e pela desunião também livre.
O problema das regiões juridicamente sancionadas, com os seus governinhos e os seus parlamentinhos, é que sempre são candidatas potenciais a se considerarem Nações e, portanto, a reclamarem ser Estado. E o problema dos estados nacionais sem descentralização é que não concebem poder haver outras formas de identidade e do que as chamadas “nacionais”. Nesta falsa encruzilhada, também imposta pelas limitadas possibilidades da democracia parlamentar, parecem estar agora aí em Portugal. Em primeiro lugar, sempre que o Estado impõe um referendo é para o ganhar, e, se o perder, repete-o sem pudor, como aconteceu em Dinamarca a respeito da entrada na Europa do euro. Em segundo lugar, a pergunta sempre formula um dilema falso, porque o Sim e o Não não são as únicas opções possíveis: nalgures entre o Sim e o Não, ou nalgum outro lugar sem geometrias, está o Non! E o Non! consiste simplesmente na nossa capacidade intrinsecamente humana de questionarmos a evidência, e de votarmos de maneiras muito diversas com acções encaminhadas a restituirmos o sentido primordial da política, a vida.
As perguntas dos Estados, sobretudo quando já se conhecem as respostas (Sim ou Não, que são quase a mesma), sempre são falazes. No país ou planeta que eu habito porque ali quisera habitar, e que algum dia sairá do território da imaginativa consciência colectiva para fazer-se história, quero conceber de súbito que poderia haver, por dias ou momentos, um Governo Voluntário para exercitarmos o antigo costume de reger-nos, como se for uma espécie de jogo de tarde de Verão que acompanhasse umas bebidas, umas charadas, umas adivinhações. E, neste jogo, o Governo Voluntário formular-nos-ia uma pergunta politicamente irrealizável, e por isso verdadeiramente útil. Por exemplo:
Oi aí!, quero fazer uma Pergunta: Se concordarmos todas e todos no que significa uma “região” e portanto a “regionalização”, ou mesmo sem concordarmos, que isso pouco importa, o que votarias tu, ou tu e a tua parelha que parece dormir na sombra dum carvalho, ou tu junto com um grupo aleatório de pessoas das que gostes, perante a pergunta “São as regiões administrativas, ou as nações, convenientes para conjurarmos um certo tédio desta tarde, para praticarmos de formas distintas a gestão harmónica do mundo?”
E as respostas legítimas e igualmente válidas das gentes do Non!, dos que votam com actos diferentes, seriam do tipo: “Não estou segura, mas vou dizer Sim por eufonia”. Ou “Sim, até que anoiteça, e logo Não até ao alvor”. Ou: “Agora não posso, deixa-me acabar esta conversa”. Ou: “Boa pergunta; vou fazer eu outra”. Ou, ainda a mussitar para um próprio: “Nunca sei. Como enxotar a morte, esse animal / sonâmbulo dos pátios da memória?“
Sei que na Galiza do norte os políticos nacionalistas falam da regionalização de Portugal de maneira positiva, porque com ela seria mais fácil restabelecermos a história denegada com os vossos países minhotos, e logo, pouco a pouco, compreendermos a inteira inutilidade do mapa bicéfalo da Ibéria. Mas, na verdade, eu não acredito nas Nações, nem sequer na minha, a galega, ou acredito nelas igual que acredito numa leganhenta manhã de muito tráfico ou no voo irregular dum pássaro.
De modo que eu, como português galego de além-Minho, ou algo semelhante, votaria na necessidade de unirmos livremente com fios progressivos os retalhos de mapa que dividem o planeta. E, se calhar, é mais singelo unirmos retalhos pequeninhos do que grandes. Às vezes para restaurar a harmonia dos tecidos há que cortá-los primeiro em mais pedaços.
Nunca sei.