Publicado em A Nosa Terra 646, 3 Novembro 1994, p. 15
Caminho polo meu bairro semi-urbano, nem carne nem peixe, agora cemitério de concreto que fora bosque de alcalitos e antes, quando os povos ainda conversavam, deveu ser mesta fraga, e escoito às minhas costas a dous cativos falarem com normal espontaneidade no que ainda se reconhece como galego: singelamente, sem mais volta de folha, nesse português nosso que espanhois de todas cores nos querem extirpar. Viro a cabeça e observo a rapaz e rapariga: são ciganos, ou mohinantes, esfarrapados da língua. Volvo caminhar e, com mágoa, compreendo: o português da Galiza sobrevive sustido por dous extremos, como a sociedade capitalista feroz se mantém na mais aguda contradição da miséria do ghetto e a luxenta dilapidação do Village de Manhattan. Aqui os extremos são, por uma parte, o neo-galego de casta dos nossos locutores públicos (patética farsa que às vezes me faz, literalmente, enrubescer), e por outra esse caló rotundo e remoto que invoca sempre a palavra «ainda»: ainda se fala, si, ainda hai tribos fósseis que fazem lume com pauzinhos.
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