The Korunya: História de nove cidades

Publicado em A Nosa Terra 681, 6 Julho 1995, p. 24

Nove Partidos Ortográficos disputam o controlo simbólico de uma vila grande com espírito de cidade pequena, ou vice-versa. Controlar um nome é na realidade controlar o seu referente (são o mesmo país Galiza e Galicia?). As letras significam ideologicamente muitas cousas, num acto de subtileza tal que deixaria pasmado a qualquer alienígena de linguagem binária. O famoso da flamante presidência espanhola na Neouropa é claro índice da vontade de identidade estatalista: esse til originado no ñ não representa nem a bascos, nem a catalães, nem a galegos. O símbolo oficial e exclusivo do catalanismo é a insólita grafia l·l (paral·lel); o do basquismo, tx (txapela); o do galeguismo oficial (surpreendamo-nos), o ï de formas verbais como saïamos. O símbolo exclusivo dos portugueses e de muitos galegos invisíveis é, obviamente, o ã da razão.

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Elites lusófonas? Oui, merci

Publicado em A Nosa Terra 653, 22 Dezembro 1994, p. 28

Hoje fui ao Corte Inglês e comprei os quatro compactos do cativante grupo português Madredeus. Não sei que me satisfaz mais: a sua música ou o elitismo de saber que, entre escrito e escrito ou entre cigarro e cigarro, ainda tenho tempo de escutar. Enquanto sigo as letras impressas, encanta-me também pensar que não lhe se entende tudo à solista de primeiras porque é cantado. Deve ser a mesma sensação de iluminada reverência que tinham as nobrezas proto-alemãs do XVIII ao escutarem o bel canto italiano, ou os aristocratas russos finisseculares ao escutarem as lições de francês das filhas, ou a que sentiam os latifundiários autóctonos da Índia ao escutarem um recitado em inglês de Cambridge. Esse foi sempre o problema das elites da Galiza: não olharem para fora. Cada país precisa olhar para fora. Os catalães, para a França. Os japoneses, para a China. Os portugueses, para a Espanha.

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“Recrimíname un lusista”: Postura política e ortografia

Publicado em Galicia Literaria. Suplemento Cultural de Diario 16 de Galicia, 3 Julho 1993, p. IV

As palavras, como outros instrumentos de expressão do social (os símbolos, os hinos e mesmo os números), carregam-se involuntariamente com o seu uso de conteúdos imprevistos. Poucos usuários da linguagem são alheios aos deslocamentos semânticos que imbuem às palavras de atributos apenas inicialmente sugeridos. A reflexão vem a conto duma coluna de Isaac Díaz Pardo (La Voz de Galicia, 17/6/93) titulada «Recrimíname un lusista». O artigo é uma resposta a outro recente de Xavier Vilhar Trilho nas páginas de Diario 16 de Galicia sobre a decisão de Díaz Pardo de se apresentar nas listas do PSOE nas recentes eleições. Este terceiro texto meu tenciona, sem entrar no fundo de ambas colaborações, relacioná-las através da interpretação desse singelo titular: «Recrimíname un lusista».

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