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Se a Propaganda e a realidade não se encarregasssem de ir desgastando um lado das palavras, resultaria paradoxal o seguinte facto: que é a própria autonomia de Galicia que impede a independência da Galiza, porque a primeira (auto-nomia, ‘com as suas próprias regras’) etimologicamente significa justo o segundo (in-dependência), mas politicamente significa o contrário. Além, a coexistência dos dous nomes coletivos nossos em imaginários cruzados entre dous estados do capital permite a Fé no paradoxal, a acomodação ideológica do irrealizável: a Fé em que a partir da autonomia que nega a independência se possa chegar nem sequer ao federalismo que também a nega. A matemática política dá lugar assim, por multiplicação de dous por dous, às quatro terras que forçam a nossa paralisia permanente: a Galicia española, a Galícia portuguesa (entendida através da España), a Galiza española, e a Galiza portuguesa, cada uma a turrar para que nada se mova, exatamente para que não nasça a quinta terra: a Galiza galega, ou, melhor ainda, a Galiza sem adjetivo, ácrata, porque como nome é apenas resumo, não essência.
Foi num colóquio há uns anos, no qual me cominaram a falar sobre a língua, quando aprendi de facto esse sentido que hoje chamo a quinta terra. Debatíamos sobre autodeterminação e soberanismo, esses eufemismos. Na conversa, uma jovem anarquista mostrou-me o que indiquei antes. “Eu sou independentista”, disse ela, “mas sem estado”. “Não compreendo”, perguntei ingenuamente, apesar de eu ser autodeterminista e antiestatalista, porque de súbito começara a rever na cabeça os mapas de plasticina dos estados, a única visão da política que nos ensina o nacional-catolicismo e os seus sequazes. “Então, o que haveria na Galiza?”. “Nada”, disse ela, a erguer brevemente os ombros nesse movimento que escusa qualquer explicação. Esse oco de nada é a Galiza, a Quinta Terra. Imaginai agora o mapa.
O eufemismo político atual, imposto como tudo quanto vai contra a independência da consciência, impede reconhecer a quinta terra. Porque só quando retiramos a plasticina pode a independência começar na mente, que é igual em todas as pessoas, e só com a independência da mente se chega ao que está ao lado. Resulta singular que, entre os adjetivos políticos, o grande ausente das formações mais sonoras da Galiza seja precisamente “Independentista”. Primeiro houve um importante partido Galeguista, que significa defender aquilo que é galego, seja isso o que for. Historicamente, o seu lugar foi ocupado por um bloco Nacionalista que conjura fazer o mesmo mas concebido como nação. Mais perto das bordas do teórico movimento centrífugo que se afasta dum centro (ou de dous), existe uma frente Popular e um Nós também chamado de Unidade Popular, que, embora se declarem independentistas, não exibem o subtítulo. Polo meio, ficou o federalismo, uma união do impossível porque é o que já quase temos: a paralisia resultante do casamento entre o centrípeto e o centrífugo. A Quinta Terra está impedida pola aliança destes vetores de forças materiais, as que puxam e as que empurram simultaneamente, forçando o falso equilíbrio.
A independência é a capacidade de decidir sem concessões, sem permissões. Não possui as propriedades geométricas do que empurra ou puxa, nem do que está acima (sober-, super-ania), como os monarcas. In-dependência não é reclamar qualquer princípio superior de decisão, mas ex-negativo, declarar a ausência de subordinação. Independência tampouco é auto-governo, que conjura um algo único a reger sobre algo, mesmo sobre si mesmo mas como se não fosse si mesmo. Independência é, simplesmente, sinónimo de autogestão, de gerir sem mandatos o entorno nas suas várias escalas, e de agir, essa prática diária de os coletivos e as pessoas se inserirem nos mundos (material, simbólico, social) em que vivem. E a independência não conhece limites inferiores nem superiores: não tem vocação de Estado, porque, se a tivesse, acabaria sendo o Estado (a autonomia) que nega a independência.
Por isso, não parece útil recorrer ao vocábulo contíguo “soberania” para procurar reunir social e politicamente o irreunível. Talvez, até resulte inconveniente. “Soberania” não é mais amplo nem necessariamente mais adesivo do que “independência”, mas sim mais impossível por contraditório. O autonomismo regional nunca acolherá qualquer chamado à soberania porque já decidiu. O centralismo também já decidiu: tem o autonomismo. O federalismo ignora (não ignora: escamoteia) que o direito a decidir está negado nesse estado que deseja federal, e que uma parte não pode reunir-se com nenhuma outra sem antes ser independente. Por isso há quem se reclame confederalista. Mas, a última hora, talvez seja o confederalismo o mais firme aliado do capital, porque pressupõe termos antes um estado próprio, essa aberração que tanta gente abraça. Só o independentismo pode ser algo semelhante ao que pretende o soberanismo, porque não pergunta se pode decidir. Portanto, por que criarmos iniciativas pola soberania, uma palavra que, embora bela, só pode reunir-se a si própria? Por que não começarmos polo mais fácil, por uma assembleia permanente pola independência, que também está na mente? É a palavra independência, e não outra, que deve entrar e entrar nos ouvidos e nas letras se queremos que adquira o seu sentido.
A Quinta Terra é o lugar que não obedece as lógicas que a negam. Aqui a Quinta Terra chama-se Galiza por coincidência, mas não tem a mesma geometria que nenhuma das suas quatro províncias ideológicas, as duas Galicias e as duas Galizas. De facto, a Quinta Terra tem tão pouca geometria que só tem geografia social, de base, ecológica, antiga, e dissolve todas as fronteiras. Por isso, nos mapas de plasticina da cabeça a Galiza independente geometricamente não é nada: nem na coordenada dos limites dos estados, nem na coordenada vertical do capital, das classes e do exército, nem na horizontal da sociedade dividida por géneros e etnias. Organize-se como se organizar, uma Galiza independente é um Nada político. E isso ao Estado e sequazes lhes põe medo.