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Acho que a mente, que é sábia, impede que compreendamos o que significa “500 pessoas mortas polo ataque de Israel num hospital de Gaza”. Imaginemos, com dor, imaginemos. O melhor é a morte imediata por decapitação ou metralha no coração. A partir daí entra o sofrimento.
Os órgãos sangram. Talvez a dor seja insofrível. Os cascalhos afogam, respira-se pó, pólvora, sumidoiros abertos. A perna ficou atrapada debaixo duma trabe. Se me arrasto talvez possa sobreviver e respirar. Ou desprende-se a perna, sei lá. Alguém grita ao meu lado, não sei onde.
Estendo um braço, ela também. Oxalá os dedos chegassem a tocar-se antes de morrermos. Oxalá eu visse por última vez a face duma pessoa amada. De súpeto noto uma bolha nos pulmões. Não é água, deve ser o sangue do órgão furado. Respiro líquido. Ainda escuto o balbúrdio da morte: sirenas, bucinas, gritos primitivos. Por que hoje e por que desta maneira, lamento-me. Por que não me matariam já em lugar desta tortura. Procuro resistir, mas, para que? Se pudesse entrar na mente dos meus carrascos. Se pudesse esvaziar os seus cérebros.
Se pudesse gritar-lhes até ensurdecê-los: ESTADES ERRADOS, BESTAS MALDITAS. Bestas malditas que dormirão hoje, enquanto nós morremos. Entre cascalhos, metais, fedor, sangue, pó, excrementos, sangue, o próprio sangue morno, perante os belos olhos abertos de Ocidente que desfrutam.