Publicado em Nós Diario
A crise mundial causada pola covid-19 ensina que a humanidade já não tem tempo para convencer ou ser convencida nem de que o sistema-mundo capitalista funciona, nem de que pode ser rapidamente adaptado para que funcione. As desigualdades estruturais inerentes e necessárias ao capitalismo (sem elas não há injusta acumulação) continuarão a manifestar-se em desigualdades no grau de devastação do vírus: morte, miséria, aumento da pobreza e da riqueza (maior concentração de capital), em resumo, destruição generalizada não necessariamente “criativa” (esse mantra). Dirá-se que ao Capital pouco lhe importam estes efeitos, porque sempre se salva. Mas com um inimigo da forma da pandemia atual (e nem imaginemos outro patógeno ainda mais daninho, que chegará) as consequências podem ser imprevisíveis, e podem afetar ao próprio tecido do capital. Massas de pessoas podem deixar de ser recrutadas para a produção maciça, que já se está a ver ressentida, e os circuitos de distribuição dos bens podem danar-se; e sem produção (roubo do trabalho) nem distribuição e consumo (realização do valor) não há acumulação. O dinheiro, em montanhas de capital fictício, pode apodrecer nos bancos e nos investimentos fantasma, pois sem atividade económica não há onde queimá-lo. Pontualmente, grandes fortunas podem continuar, claro; mesmo crescer. Mas sem a sua circulação em concorrência com outras a maquinaria inteira da acumulação pode enferrujar-se e parar.