Esta ilusão de política

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     Irrompe azedamente, levantando estupor, o que se entende por “debate” nos foros da Internet — único reduto de palavra pública escrita que nos resta depois da doutrina de choque mediático do capital — a partir da solene retirada do Encontro Irmandiño duma casa sem telhado e, sobretudo, sem horta para sair à realidade. Cinde-se o BNG, com poucas hipóteses de o nacionalismo surgir mais forte em pouco tempo, e os varonis insultos mútuos de traidores e patriotas fazem repenicar os olhos contentes dos fascistas que tudo observam. Porque esse caminho coletivo está errado. Não vai pola defesa do matiz partidário próprio. Não vai polos “personalismos”, que sempre existem. Não vai polos ataques aos personalismos, que também sempre existem. Vai pola euscadização política da esquerda da Galiza. Pola conceção categórica de que um partido e umas siglas são apenas instrumentos para roubarmos uns escanos ao capital, e então para também aí, com verdadeira insolência, interrogarmos fortemente a nossa sujeição. Nunca antes, em anos recentes, se atomizou tanto a pouca vontade coletiva que temos de fugirmos do Reino, ou de que o Reino fuja como eterno mal de olho das nossas cabeças. Ou por acaso não é isso o que queremos? Quantas máscaras políticas, feitas de pragmatismo e cobardice de ação, mantêm ainda o mal de olho do Reino dentro das cabeças respetivas, para grande satisfação acomodatícia dos seus possuidores? Sob as diversas retóricas enumeráveis em etiquetas chocas (essencialismo, altermundismo, nacional-leninismo), como país cultivamos um patetismo político difícil de imitar. Avizinham-se já tantos projetos de partidos salvadores como microtoponímias. No fundo, isto manifesta um pensamento profundamente perigoso: que a luta contra a barbárie do capital está superada ou morta, e que, igual que no civilizado ocidente do mercado (como se estivéssemos nele!), só se trata de modular as tristes posições próprias, negociar postos e listas, glorificar o “ideológico” e o irrealizavelmente “programático” por cima da praticidade de roubar uns escanos a um estado herança do fascismo, para interrogá-lo também aí com vozes ou sapatos, não para consensuar as formas da derrota. A extrema atomização que nos espera é a máxima vitória do capital, isto é, na realidade duns seres medíocres e temerosos, débeis por definição, por apolíticos (o capital é a suprema negação do político), mas perenemente legitimados polos atos de cedência de adversários de cartão que dizem representar qualquer mito vagaroso. Cegar-nos ao insidioso desta cedência continuará a reproduzir a nossa miséria: política, económica, cultural, ecológica, linguística, humana. Existe um nós porque o concebemos, e não precisa de análises de microfúndio. Mas continuai, cumplicemente. Praticai o anátema mútuo sob a ilusão do jogo, do debate democrático. Não aguardeis, porém, que esta perda de tempo ao observar-vos signifique acreditarmos em vós, nas retóricas das vossas posições pretensamente diversas. Só pode significar ainda mais incombustível convicção do vosso erro, mais estranhamento coletivo sem regresso.