Publicado em Novas da Galiza 90, 15 de maio – 15 de junho de 2010, p. 20
Na crise sociolinguística atual da Galiza convergem desde há aproximadamente ano e meio vários processos: (1) A evidente perda de falantes e de usos do idioma, refletida, por exemplo nos dados mais recentes do Instituto Galego de Estatística; uma estimativa própria sugere que, a este ritmo, os usos do galego passariam a ser minoritários nuns três ou quatro anos. (2) A legislação regressiva em Política Linguística, com a supressão fulgurante das Galescolas, a eliminação da prova escrita obrigatória em galego para o acesso à função pública, a redução de ajudas à tradução e, de maneira singular, o chamado Decreto de Plurilingüismo no sistema educativo não universitário. E (3) um debate público sobre a língua no qual, apesar das aparências de resistência, se pode detectar a cedência do galeguismo perante as formulações minoritárias do españolismo, nomeadamente com a relevância crescente (mesmo para criticá-la) da fantasmagórica noção de “imposición del gallego”.
Poucos são os elementos aparentemente positivos nesta complexa situação da língua, e, contudo, deveriam analisar-se com estrema cautela. No nível da aquisição da língua, alguns analistas e comentaristas apontam, por exemplo, para uma ligeira “retomada” nas faixas etárias mais jovens. Mas lembremos que os dados são de há alguns anos, e que a aquisição do galego nessas idades teve lugar maioritariamente na escola, âmbito estratégico para a manutenção de falantes ou para a criação de neofalantes decididamente atacado pelo tandem Feijoo/Lorenzo.
Em segundo lugar, aponta-se que o inaceitável Decreto de Lorenzo teve como consequência positiva uma maior consciência e mobilização da cidadania e de instituições de cultura. Argumenta-se que houve uma crítica forte à primeira redação do Decreto até por parte de instituições protegidas como a RAG e o Consello da Cultura Galega. Porém, o exame do projeto atual de Decreto arroja que, com efeito, este incorporou muitas sugestões do parecer do CCG. Portanto, as críticas ao atual Decreto deveriam também estar dirigidas a um CCG que, por razão de certas lealdades, jamais desautorizou frontalmente a proposta de Lorenzo.
Também em aparente signo positivo, milhares de professores/as manifestam que continuarão a dar as aulas em galego apesar do que ditar o Decreto. Porém, lembre-se que já o imperfeito decreto do governo bipartido promovera uma documentável galeguização voluntária mesmo em professorado habitualmente espanhol-falante, que acolheu aquela legislação com realismo. Isto é, em termos reais não parece que a habitual dinâmica ação-reação seja mais favorável do que a naturalização crescente do galego com base a uma legislação progressiva. A mobilização social contra a legislação regressiva não é eternamente sustentável, e pode acabar em parálise. Sem dúvida, isto é o que espera a direita, e particularmente um Anxo Lorenzo que fracassou na obtenção do “consenso” social que apregoava.
Em terceiro lugar, pareceria que o contradiscurso galeguista público estaria a ganhar posições nas atitudes e nas consciências, com a criação de várias plataformas e a publicação de vários livros reivindicativos. Porém, decisões erradas (ou deliberadas) deste galeguismo levam a pensar que o seu objetivo é apenas ré-situar-se perante o que se vê como uma vitória da direita espanholista. Por sinal, se o alvo da direita é, como tenho assinalado nalguns textos, romper o “contínuo galeguista” que vai desde um setor do próprio PP até ao hegemonismo linguístico soberanista, a questão crucial para os diferentes setores é onde se rompe este contínuo, isto é, quem poderia ficar fora de jogo. Assim, desde setores do galeguismo se tem chamado, por exemplo, à “desnacionalização” e “despolitização” do conflito linguístico, isto é, a uma tentativa de isolar o nacionalismo linguístico centrado no BNG (e no soberanismo à sua esquerda). Mas, por sua parte, as iniciativas de debate e publicações do próprio nacionalismo continuam a excluir sistematicamente numerosas vozes que, desde o hegemonismo linguístico reintegracionista, também levam meses a contribuir criticamente para o debate social. O galeguismo consentido, em lugar de dialogar com estes setores, semelha mais interessado na interlocução com Galicia Bilingüe, talvez com a vã ilusão de que o “debate” reforce a sua posição num contexto mediático dominado pola direita españolista.
Da mesma maneira, desde as primeiras ações pela língua, uma grande parte do galeguismo político e inteletual leva aceitando, por convencimento ou por tática, alvos e princípios do discurso do “bilinguismo” que não deveriam corresponder ao galeguismo (por exemplo, a defesa duma legislação superada, como a Lei de Normalización Lingüística, a interpretação favorável da legislação antigalega, como a Constitución Española, a preocupação pela competência do estudantado na língua espanhola, ou até a cedência a “debater” o propagandista mito da “imposición del gallego”). Em resumo, é evidente que o grosso do galeguismo consentido vai a reboque do discurso españolista, em consonância com uma dinâmica pactista que, iniciada no setor Galaxia, levou o próprio Anxo Lorenzo até ao importante cargo político que agora está a massacrar.
Contudo, há certos elementos positivos de mudança, tanto nos usos quanto nas ideologias linguísticas, que, embora com cautela, não deveríamos desconsiderar. A par com a crise sociolinguística, ou precisamente pelo seu reconhecimento, crescem as iniciativas de capitalização da língua pela via da unidade linguística internacional e das ligações com o resto da lusofonia. O Manifesto pola Hegemonia Social do Galego é um ponto de inflexão na quebra de velhas lealdades internas e no estabelecimento de ligações exteriores.
Além da ampla participação do reintegracionismo nas ações comuns –participação invisibilizada sob as siglas das plataformas–, locais sociais e organizações de base continuam com um trabalho de recuperação que reclama a centralidade da unidade linguística galego-portuguesa-brasileira. E em atividade constante, a Academia Galega da Língua Portuguesa e a Associaçom Galega da Língua, cada uma com o seu papel, estão, por uma parte, a destacar no exterior a posição e a situação crítica da comunidade linguística (a comunidade comunicativa) galega, e, por outra, a criar as ferramentas, os materiais e as práticas para naturalizar a língua.
A criatividade e a capacidade de trabalho deste segmento da sociedade civil, desprovido de qualquer fulgor mediático e de sólido apoio económico oficial, são, objetiva e historicamente, enormes. Os setores mais jovens do ativismo cultural estão a assumir o imperativo duma nova fase na construção social da língua, que deverá acarretar não só uma nova conceção geral da forma e do sentido do galego como variedade própria duma língua internacional capitalizada –uma língua chamada portuguesa–, mas também táticas e práticas que levem a um necessário revezamento geracional de elites. Inegavelmente, o galego está em crise, mas da crise poderia surgir uma direção coletiva diferente para a sua recuperação.
E inegável o valor dos povos e das suas culturas, não só pelo seu legado histórico, mas sobretudo pela sua ligação à terra. Num contexto globalizante e pós-industrial são os povos que garantem a continuidade transgeracional e fazem a ponte humana e positiva, face a erosão nefasta causada pelo uso e abuso pela sociedade industrial dos povos e dos recursos, numa perspectiva do lucro fácil, cujos crimes se reproduzem sem termo à vista…
Temos que usar o conhecimento para libertar os povos da escravidão…qualquer que ela seja… os estados são reservas de caça partilhadas pelos pradadores económicos… a minha pátria ´e a minha lingua e já se falava na Galiza antes de Portugal ter sido criado e reconhecido pelo Vaticano…
Temos os 700 anos de presença Àrabe que marca profundamente os povos do sul…
Temos comunidade económica… e comunidades culturais que partilham raizes e que podem constroir um futuro com sentido!
Concordo. E acrescento uma leva nuança: Enquanto o reino bourbónico, na CAG [“Comunidad Autónoma de Galicia”, em castelhano], por meio dos seus representantes governativos se preocupe com o “galego”, ainda há esperança de o Galego ou Português da Galiza poder sobreviver e perviver contra os ataques a que desde séculos está submetido, sobretudo desde que “España” é “estado-nación”, quer dizer, desde 1808, começo do reinado de José I Bonaparte e da reação contra os princípios da Revolução francesa por ele trazidos, mas suavizados na “Constitución de 1812”, “la pepa”, aprovada nas Cortes reunidas em Cádiz.
Desde então o jacobinismo, embora reacionário, medrou no novo estado, já sem as “colónias” americanas, que se independizaram da metrópole justamente pelo seu reacionarismo.
Brilhante análise, concordo totalmente. Parabéns!
O futuro é nosso!
Abraço
Obrigado pelos comentários. Saúde!
-celso
Gosto do texto e quero ter a arela de me ver nunha situación de dominio do MEU IDIOMA frente a quenes de sempre nos tiveron como unha colonia.