Publicado no Portal Galego da Língua
Quisera falar desse fenómeno tão comum na Galiza que dou em chamar o Monolinguismo Graciñas. Escasso eu de ideias ultimamente, roubo o tema do artigo “Bom Dia“, no Portal Galego da Língua, do perspicaz pára-erudito Fernando Vázquez Corredoira. Lede-o antes, que tem substância. Nele, Corredoira comenta que na Catalunha, país onde mora agora, um bilingue como ele (bom, na realidade trilingue, quatrilingue ou linguareiro; para este caso, bilingue catalão-espanhol) vai a um bar, por exemplo, diz “Bon dia”, o bareiro monolingue em espanhol responde “Buenos días”, ele então continua em espanhol, o bareiro também, e afinal o bareiro diz “Adéu” em catalão. Corredoira explica o que isto significa: simplificando, que, num país bilingue, o bareiro monolingue quer indicar que respeita o bilinguismo do outro.
Na Galiza acontece algo que pareceria semelhante, mas nem tanto. É assim: Tu, que és uma pessoa de competência bilingue galego-espanhol mas falas só galego, vás a uma loja e dizes “Bom dia”, ou “Bos días”. A empregada monolingue diz “Buenos días” e fala sempre em español. Tu continuas em galego porque sabes que te entende (tu sabes que o galego é uma língua distinta, e que por isso todo o mundo deve entendê-la; ela sabe que galego e español são a mesma língua, por isso entende o teu español que é galego). E o mais estranho é que, afinal, a empregada se despide com o perfeito trissílabo “Graciñas”, quase com um acento por sílaba. Diz “Grá-cí-ñás” com “eñe”, claro, porque se não diria “Obrigadinha”, o qual seria demasiado fríqui.
Para que farão estas cousas raras estas duas personagens: tu a/o Bilingue Monolingue Galega/o, e a vendedora Monolingue Graciñas?
A empregar só galego, tu, de competência bilingue mas monolingue no uso, indicas que estás no teu país Monolingue Em Galego, Que Demo!, que por desgraça tem dentro um país monolingue em español que meteram a ferro os malvados Reis Católicos para castrar-nos a língua, que dói.
E, a despedir-se com “Graciñas”, a empregada, sempre cortês, está a indicar que estamos no teu país que tu pensas que é bilingue mas que estamos no seu país que ela sabe que é monolingue. A ver, que não entendo.
É possível que, se ao começo do encontro –que se chama do tipo transaccional— a vendedora graciñas se pusesse a falar galego, não soubesse continuar bem. Isso diz o Corredoira no caso do bareiro monolingue na Catalunha. Mas talvez não seja a mesma situação: o bareiro monolingue talvez venha de Cáceres. Aqui na Galiza muitas vezes a vendedora poderia continuar em galego, claro: é galega! Mas, para que vai ela falar em galego, que é español, pudendo falar em español, que é español? Falando no seu español, que é o tipo de español que fala, a vendedora indica, além, algo cortês e bonito: que o teu galego também é español; que falades a mesma língua.
Polo contrário, se a vendedora se pusesse a falar no teu galego que é español, talvez não o fizesse tão bem como tu, e ela teria algo a perder em termos do que se chama face ou imagem, por duas razões: primeiro, por ela falar mal (falar mal podendo falar bem faz perder imagem); e, sobretudo, porque che poria a ti na incômoda situação de reconheceres esta deficiência, e até de apiedar-te do mal español que fala ela no seu galego.
Em resumo: a vendedora fala español porque é cortês contigo, para não perder imagem, porque falades a mesma língua, e porque é livre.
Mas então, já afinal do encontro, a vendedora que pratica o Monolinguismo Graciñas tem algo a ganhar dizendo “Graciñas”. Com este rítmico trissílabo reconhece que tu, o bilingue-que-pretende-ser-monolingue-galego, tens a liberdade de fazer isso, enquanto ela, a monolingue-que-não-pretende-ser-bilingue para ela (porque sabe que “Graciñas” é uma palavra española) mas sim para ti (porque tu pensas que é uma palavra galega), tem a liberdade de não converger em galego contigo porque estamos num país bilingue (o teu, não o dela) e de escolhas linguísticas livres.
De maneira que, no fundo, os praticantes do Monolinguismo Graciñas, como esta vendedora, são mais respeitosos contigo (porque indicam que estão no teu país bilingue) do que tu com eles, que não reconheces o seu país monolingue. Que tu sejas menos cortês não lhes importa, porque o seu trabalho é serem corteses. E ainda por riba queremos mais Normalización!
Eh, não estou julgando as intenções psicológicas malévolas da vendedora desleixada, antipatriota, ou patriota española (que é menos mau, porque polo menos ela também tem Patria, como tu, inclusive sem acento), descendente directa dos Reis Católicos. Estou procurando desvendar o que se chamam as ideologias linguísticas, que são esse conjunto de, digamos, conteúdos sobre a língua que se manifestam às vezes nas palavras que parecem uma cousa mas são outra.
Muito bom. Tudo claro. Ou não. Agora já é difícil de arranjar a confusão. O caso é: perante a vesânia do Monolinguismo Graciñas, o que fazer? Risque-se o que proceda:
a) Nada. Sofrer doma y castración.
b) Chamar imediatamente à Mesa polo telemóvel.
c) Responder “De nadiña”.
d) Reler o unânime Plano Xeral de Normalización da Lingua Galega.
Eu faria isto último. Não reler tudo, que dói a cabeça. Só a introdução. E como o Plano Xeral de Normalización da Lingua Galega está desenhado unanimemente para “preservar os dereitos das persoas que queren facer a sua vida inteira sempre en galego” (mais ou menos, não vou citar literalmente, que me dói a cabeça), pois não che hai nada que fazer. Isso é a normalización, é-che o que hai. Nas administrações, a Xunta pode meter o peçunho, que são suas. Mas, e no Hipermercado Graciñas? Porque no híper tu já fazes a vida em galego! A tua, digo, não a da vendedora. Não quererás que a Xunta, para garantir o teu direito de falares español em galego, se meta nos direitos dos monolingues graciñas de falarem español em español! Porque há Liberdade de Língua e de País. Como vai entrar a Xunta de Galicia a foçar na língua do país dos Reis Católicos que está dentro da Nazón que está dentro da Nación? Ai, que me lio!
A ver se me explico melhor: Como vão fazer a Xunta unánime e a Mesa com que os desleixados Monolingues Graciñas compreendam que o galego, essa forma do español, é a forma de español que há que utilizar neste país que é monolingue em español para pretender que é um país monolíngue Em-Ga-le-go, Que Raios?! Para isso a Xunta teria que entrar nos cocos mentais dos traidores Monolingues Graciñas, com trepanadores ACME que no extremo inoculassem letra a letra na dura-máter as Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego, Versión 2.2 e tirassem fora as letras do Diccionario de la Real Academia Española, 22ª edición. E isso, além de parecer-se com esvaziar uma garrafa de água para enchê-la, em troca, com água, custa bem dinheiro e há que cumprir as normas comunitárias de trepanadores linguísticos.
Difícil, eu vejo-o difícil. Seria mais fácil se todos os Monolingues Graciñas não fossem descendentes directos dos Reis Católicos, como Juan Carlos, que sabe castrar em português.
Graciñas.