Diz Antón Dobao num artigo de Vieiros (“Cousas pequenas“) que não merece comentário (não os permite) que as instituições autonómicas do Reino (Generalitat, Xunta) têm a potestade de enviar aos eventos internacionais (a féira do livro de Francoforte, por exemplo) representantes das culturas respectivas, e não da cultura española. Não precisava tantos parágrafos para convencer uma leitora ou leitor médio de Vieiros ou do Portal Galego da Língua sobre isto.
Diz Dobao que há línguas e literaturas pequenas, que considera a galega pequena, e reivindica esta pequenez. Tudo bem, o pensamento é livre. Eu nunca poderia concordar mais com ele que o tamanho não importa. Para os direitos linguísticos na Galiza, é irrelevante que a língua galega seja a segunda do âmbito românico e esteja entre as mais utilizadas no mundo.
Reivindica Dobao a atribuição das instituições autonómicas do Reino de subsidiarem as línguas e culturas (grandes ou pequenas) das nações sub-estatais, visto que do español já se encarregam as instituições centrais. Tudo bem, é uma legítima postura.
E assim progride o autor. E tudo bem: a construção do consenso entre os que resistem ou resistimos España vai por bom caminho.
Mas no último parágrafo Dobao não pode deixar passar a oportunidade de posicionar-se e posicionar outrem para segmentar mais uma vez o campo cultural galego legítimo com desenhos herdados doutras épocas:
“Por esa razón, como o obxectivo da política cultural das institucións galegas ha de ser o desenvolvemento do campo literario galego, ou sexa, da literatura escrita en galego, as axudas terán que apoiar a produción literaria en galego e non noutra lingua, sexa o castelán, sexa o portugués, sexa outra calquera”.
Aí falaches, Dobao. De novo, “castelán” e “portugués” são colocados na Galiza no mesmo nível de oposição a “galego”, na geometria triangular que caracteriza a subordinação ideológica à equação Língua = Estado. De novo, fica sugerido o protocolo da exclusão para aqueles grupos de pessoas, grandes ou pequenos (o tamanho não importa) que na Galiza, a escreverem “português” (e suponho que isto inclui a escrita actual da AGAL), procuram fazer cultura, que não falam habitualmente español, que não trabalham em español, que nunca publicaram uma palavra em español, que talvez até quiseram ser lidos polas mesmas poucas pessoas (o tamanho não importa) que lêem Dobao, ou que talvez até partilhem da tradição cultural e literária galega de Dobao. Mas, ah, eis a velha construção da “estrangeirice”, de que escreveu um bom poeta nunca subsidiado, Mário Herrero.
Assim, mais uma vez, alguém defende que a Xunta autonómica do Reino deva continuar a ser coadjuvante do extermínio cultural, a negar uns euros a projectos de base e a superviventes editoras que, no exercício do mais elementar direito de liberdade ideológica e de raciocínio, interpretam “língua” como “língua” e não como “ortografia”. E, mais uma vez, uma voz escrita dum sector grande ou pequeno (o tamanho não importa) do pretenso nacionalismo linguístico galego é cúmplice do patente nacionalismo ortográfico español.
Porque, que é o que temem aqueles que negam subsídios a, por exemplo, um magro livrinho de contos (o tamanho não importa) em “português” (isto é, em ortografia de Portugal ou semelhante)? Por que não querem que esse livrinho apodreça, como tantos outros em ortografia da RAG, nas escassas estantes das bibliotecas públicas, dos centros escolares? Por acaso temem que enormes quantidades de quartos públicos se desbanjem numa minoria cultural (o tamanho não importa) que deseja, simplesmente, ser tratada igualmente mal polas instituições autonómicas do Reino e ter direito de acesso aos mesmos recursos? Temem que os parvos leitores de “português” trabuquem os países e, a sairem da biblioteca em abdução republicana, procurem confusos na rua a ubiquação do lisboeta Terreiro do Paço em lugar do corunhês Campo da Lenha?
Ou, antes, temem que, de aceitarem os subsídios à literatura em “português” na Galiza, se veriam forçados a explicar como é possível que algo tão terrivelmente distante do galego-RAG possa ser subsidiado enquanto algo tão próximo do galego-RAG como é o español-RAE não deva sê-lo? Quer dizer: se pensas que a língua e a literatura são simples ortografia, e subsidias uma ortografia estrangeira (a literatura em “português”), como não vais subsidiar uma outra forma da ortografia própria, a literatura em español?
Eis o dilema em que uma minoria social (o tamanho não importa) defesora da ortografia RAG se acha. A solução final?: a inexistente Equidistância naquilo que não tem equidistância; querer as ajudas para eles próprios (as editoras Galaxia, Xerais etc.) mas negá-las a outrem; negar-se a concorrer livremente no Mercado Simbólico da Língua Galega que dizem rejeitar mas concorrer nele com vantagem (a ver: intervencionismo sim ou não?); em definitivo, assumir e defender a lógica do Reino que dizem interrogar. Proletários da língua própria, ou capatazes da imprópria?
O tamanho do subsídio e da língua que o lambe não importam. O direito a aceder às mesmas lambonadas (e até o prazer de refusar solicitá-las) em igualdade de condições, sim. Os nossos eurinhos valem tanto como os vossos, Dobao. Não quererás ser como aquele convencido galeguista que um dia me espetou que ele pagaria o salário dos lusistas “con billetes de Monopoly”.