Publicado em A Nosa Terra 840, 23 Julho 1998, p. 31 • Non! – crítica & intervenção [ligação não operativa]
Nunca se poderá destacar suficientemente a instrumentalidade da apropriação da língua e da palavra na sociedade capitalista para a dominação social. Embora os sociolinguistas não o saibam, a primeira divisão entre as gentes que estabelece o capitalismo não é entre aqueles que falam a Língua A e aqueles que falam as Línguas B ou C, mas entre aqueles poucos que possuem uma linguagem e aqueles muitos que simplesmente são utentes duma língua, ou duas, ou três. A complexidade das condutas diárias é reduzida por políticos e sociolinguistas a cifras de “falantes” que “escolhem” uma língua (ou “Língua”) ou outra, e é curioso constatar que esta “escolha” se constitui num visível signo científico dos grupos sociais, como se houver algo inerentemente transcendental em proferirmos sons para comprar pão na loja da esquina ou para comentarmos sobre os vizinhos. Os “povos”, assim, são dirimidos em grupos de “falantes”, e estes grupos são assignados a cifras visualizáveis. A territorialização da gente em populações sociolinguísticas emula outras territorializações sociais, como amostra dos complexos protocolos inerentes ao capitalismo para impedir a emancipação, isto é, o reconhecimento próprio e mútuo das pessoas como forças activas na essencial procura da utopia.