Publicado em Çopyright 24, 15 Dezembro 1996 • N’A Nosa Terra 761, 16 Janeiro 1997, p. 27
Por primeira vez na minha vida, olhando para a corunhesa rua São Andrés desde a janela da sala, tive a clara sensação de ser um exilado, um habitante dum país inexistente que desfaz a linha das fronteiras como uma enorme e suave língua geológica. Não me refiro a essa alienação que muitos sentimos às vezes por vivermos numa Galiza indistinta, rota, apenas suturada temporalmente pelos esforços pontuais duns poucos resistentes que sabem que morrerão no esquecimento: os marinheiros que trocam uma esmola de sardinhas por pneus queimados nas estradas, os poucos políticos que com constância percutem nos volumosos muros interiores das instituições espanholas, os insubmissos ou os desorientados que desde a Praça da Quintana de Compostela contemplam com nostálgica heroína nas veias o crescimento das Pátrias oficiais como grandes aves de artifício. Refiro-me a outra e confessadamente estranha sensação: a de ser um visitante temporal na Galiza chamada moderna, enquanto outro país sem bordas nem monarcas que também poderíamos chamar a Galiza, ou Portugal, ou longa língua de terra onde todos os Setembros vão morrer de idêntica maneira os sargaços, fica em parte oculto por uma névoa de séculos e em parte oculto pelo discurso dos mais fortes.