Galiza, coletivo de base

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     Qual é a diferença, em termos da subjugação das vontades populares ao poder económico, militar e político, entre os coletivos de acampamentos nas cidades e essoutro coletivo que chamamos “as/os galegas/os”?  Em que medida é coerente ou taticamente útil pretender separar as formas e naturezas das vontades que são igualmente silenciadas polos mesmos poderes?  Combate-se em abstrato contra “os bancos” e contra “os políticos” como classe, ou contra os nossos bancos e os “nossos” políticos, ou os que são impostos como “nossos”?

     Frente a uma perceção estendida sobre a inadequação das reivindicações nacionais e sobre o “fim dos estados” num mundo de capital globalizado, a evidência é que a “questão nacional” continua a ser central na tumultuosa configuração do império do capital. As revoltas de Tunísia foram em Tunísia contra o regime tunisino. No Egito, levantaram-se contra o regime “egício”, isto é, o sistema político articulado em torno duma dada identidade social coletiva (“ser egício”). Na guerra da Líbia, apesar do que proclama a resistência, não deixam de entrar em jogo os conflitos entre “clãs” ou “tribos”. É possível que um novo sistema político, liderado por pessoas mais jovens, articule estas identidades tribais de maneira diferente. Mas, a dia de hoje, as fronteiras entre as partes em luta sobrepõem-se a grosso modo com fronteiras tradicionais entre tribos. E igual que no Iraque, onde a gestão da questão curda está ligada ao controlo do petróleo (ou no novo Sudão do Sul), a diferente atitude da administração dos EUA perante as revoltas árabes tem como elemento importante o problema das identidades sub-estatais. Chomsky aponta numa recente conferência no aniversário da organização FAIR (Fairness and Accuracy In Reporting, ‘Justiça e Fidelidade na Informação’) que a desigual distribuição dos recursos petrolíferos na Península Arábica em territórios de maioria xiita pode motivar o desentendimento dos EUA no conflito de Bahrein — onde uma maioria xiita é dominada por sunitas –, pois o empoderamento dos xiita poderia desencadenar uma nova identidade regional e portanto até o projeto dum novo estado que controlasse o petróleo. No conflito na Palestina continua a ser crucial a confluência de identificação nacional e unidade territorial para a emancipação: o primeiro-ministro israelita Netanyahu tem na mente um “estado” palestiniano fragmentado, com tais discontinuidades territoriais pola incrustação de assentamentos judeus onde se acham os principais recursos (nomeadamente, a água) que na realidade essa nova Palestina continuaria a ser uma colónia interna dos expropriadores.

     Na América do Sul, a revitalização recente da esquerda vai acompanhada da reivindicação étnica indigenista. Na América do Norte, a utilização do código “Gerónimo” para o assassinato de Ben Laden foi fortemente criticado polas nações índias dos EUA, especialmente polos apaches, confinados nos guetos modernos das “reservas”. Na Ásia, as divisões nacionais em duas Coreias e numa China continental e o Taiwan — ambas roturas fruto dos imperialismos em circunstâncias particulares — continuam a ser importantes focos de tensão internacional. A Caxemira poderia ser motivo ou escusa para uma perigosa guerra entre duas potências nucleares, a Índia e o Paquistão. Na Europa, o Império Britânico ainda mantém sequestrado o norte da Irlanda e um pedaço de Andalusia, enquanto a Espanha sequestra não só as nações sem estado e territórios (galego-leoneses e galego-asturianos) cujo estatuto está sem resolver, mas também a Olivença e pedaços da África como Ceuta e Melilha (Sebta e Mritch) e as Ilhas Canárias. O povo sariano continua prisioneiro do regime de Marrocos. Por sua parte, Castela sequestra o chamado “Condado de Treviño”, em território de Euskadi, a França sequestra o Rosselló, e assim por diante. Em resumo: longe de estar a desaparecer, a problemática das identidades sub-estatais permanece plenamente vigente no mundo, enquanto o grande capital industrial e financeiro declara romper todas as fronteiras como signo de modernidade.

     Neste panorama geral, portanto, qual é a diferença intrínseca entre a subjugação dos coletivos de classe, de género, de etnia ou nacionais aos ditados do capital? Qualquer teoria, posição política ou atitude de resistência que os confronte deixa sem tratar a questão essencial. Perante um poder tal como o do Reino de España, atualização local dos interesses do capital mundial, que nega a capacidade de decisão popular, a Galiza é simplesmente um outro coletivo de base, mais amplo, mas também historicamente silenciado. Não há oposição intrínseca — mas, antes, congruência —  entre as reivindicações políticas de classe ou de género e as reivindicações nacionais. O Princípio de Soberania, que subjaz à livre decisão de resistir contra a dominação e o privilégio, começa simultaneamente no individual e no coletivo, no coletivo e no individual, e ambos pólos, por definição, alimentam-se mutuamente. Não há emancipação pessoal sem a coletiva, não há autodeterminação coletiva sem a individual. E não há qualquer princípio ético nem teorização convincente polos quais a soberania e a emancipação devessem terminar no coletivo local de “indignados/as”, no coletivo dos “galegos/as”, ou no coletivo humano no seu conjunto. Porque, se repararmos, também toda a Galiza leva muito tempo acampada dentro de si própria, a procurar voz e recursos, cercada como no Obradoiro polos quatro símbolos do Estado, da Igreja, da Ideologia e do Capital Privado.

     Só há uma força poderosa a quem interessa objetivamente o confronto entre o “local” da resistência dos acampamentos e o “geral” ou “nacional” do coletivo galego, adjetive-se como se quiser. Pense-se seriamente qual é essa força interessada na fragmentação, e aja-se contra ela, para neutralizá-la. Porque, enquanto a voz popular dos movimentos atuais não saiba conciliar estas várias dimensões das identidades sociais, estará limitada para recolher muitos apoios por enquanto ainda à expetativa.

3 Replies to “Galiza, coletivo de base”

  1. Es verdad, Celsito: por ejemplo Vigo está oprimida por ese ente abstraco que es la Comumnidad Autonoma de Galicia, tanto como el Rosellón por Francia. Vigo solo podrá ser libre si se independiza del resto del Estado, Galicia incluida.

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