Mais uma crítica ao texto do IGEA sobre a situação da língua

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     Afirmei nalgum lugar que o documento do IGEA sobre a língua (“Por un proxecto de futuro para o idioma galego. Unha reflexión estratéxica”, http://igea.eu.com/fileadmin/publicaciones/igea_informe_00_def2_02.pdf ) não podia produzir nada novo para o debate. A mesma crítica me faz o autor desse texto, Henrique Monteagudo, no seu Mural de Facebook, a respeito dum texto meu que anda por aí, (“Monolinguismo, bilinguismo, hegemonia: Não são só palavras” http://celso.blogaliza.org/2010/12/05/monolinguismo-bilinguismo-hegemonia-nao-sao-so-palavras/ ): que não digo quase nada novo ;-).  Quisera reiterar por que sim penso que em “Monolinguismo…” se diz algo, com muita clareza, nomeadamente: (a) Que nem o documento do IGEA nem a planificação nem o ativismo linguístico consideram nem compreendem as complexas bases sociais reais das condutas linguísticas, e sem esse trabalho é impossível “normalizar” nada; e (b) que o único que faz o texto do IGEA é querer introduzir uma etiqueta muito problemática, “bilinguismo restitutivo”, como se nisso só consistisse o debate e o discurso.  O resto do documento do IGEA contém ora outras ideias velhas, questionáveis, ora contradições. As minhas críticas continuam a ser bastantes, além da discordância com o enquadramento geral do acontecido com a planificação linguística nestas décadas.  Há sérias questões de fundo que dificultam que esse documento em si possa ser tomado, se lido com atenção, como um texto sociolinguístico útil para a promoção da língua.  Portanto, declaradamente, procuro argumentar que não é 😉 e sugiro, em qualquer caso, que se o ativismo linguístico (não as liortas partidárias) quer propor estratégias “novas” efetivas, deveria considerar começar por algum outro documento-base, não precozinhado.   Tentarei resumir as minhas críticas ao texto do IGEA:

     (1) A centralização da “vontade” dos falantes para a “normalización”: “O proceso de normalización da nosa lingua precisa de moitos puntos de apoio, mais entre todos eles hai un imprescindible: a vontade individual dos cidadáns galegos que utilizan todos os días, en todas e cada unha das súas actividades, o galego”. (p. 7). Não: Os usos linguísticos reais (e portanto a sua expansão) não estão determinados por “vontades”, mas por dinâmicas situadas (interacionais) mais complexas, que o documento não trata, onde entram em jogo disposições, ideologias linguísticas, decisões (“escolhas”), dinâmicas interacionais, etc. etc.

     (2) A caraterização geral do que é o conflito linguístico (aqui e em qualquer sociedade) e do “monolinguismo social”, na realidade quase caricaturizado.

     (3) A confusão terminológica no uso de “bilinguismo”: às vezes refere-se às condutas (“restitutivo”), às vezes aos direitos de uso das línguas (“bilingüismo equitativo, con pleno recoñecemento de dereitos iguais para a lingua propia e a do estado”, p. 9).

     (4) A ênfase na “diversidade” (“Aposta pola diversidade”), que, em lugar de orientada para a defesa do galego, parece orientada a desmontar a caricaturização do projeto de hegemonia do galego como uma ameaça a essa “diversidade” (isto é, ao uso do espanhol), numa preocupante reversão na interpretação da situação da língua.

     (5) A confusão entre práticas linguísticas e grupos, estabelecendo categorias estancas de “grupos galego-falantes” e “espanhol-falantes”, e sempre dirigindo-se a argumentação ao tratamento destes últimos.

     (6) A renúncia à intervenção positiva dos poderes públicos em setores chave como os meios de comunicação privados (p. 11), perfeitamente suscetíveis de intervenção legislativa quanto ao uso da língua: “…que veñan a compensar a posición subordinada en que [o galego] se atopa noutros (nalgúns dos cales, coma os medios de comunicación privados, pola propia lóxica das cousas, dificilmente poderá equiparase co castelán)”, p. 11.

     (7) A renúncia (contraditória) à possibilidade de condutas monolingues em galego (“Debemos ter en conta que o sector galegofalante da poboación xa é necesariamente bilingüe, pois a presenza pervasiva do castelán na vida pública e nos medios de comunicación garante que é aprendido por todos e asegura que todos deben usalo nun ou outro contexto social“, p. 11, ênfase minha), em lugar de destacar a necessária superação desse “dever” de uso, que na realidade é fruto de um conjunto de fortes constrições na escolha de língua.

     (8) A ênfase nas competências linguísticas, e também as competências em castelhano, o qual não deveria ser preocupação do galeguismo: “O bilingüismo restitutivo que propoñemos implicará a difusión da competencia comunicativa en galego e castelán ao conxunto da poboación, basicamente (pero non só) a través do medio educativo“. (p.11)  (Isto, a propósito, já pode garanti-lo o Decreto de Plurilinguismo de Anxo Lorenzo).

     (9) As generalidades quase-vazias, muito velhas em todo o discurso ativista sobre a língua: “O único xeito de garantir a igualdade entre os dous idiomas é incrementar a presenza, visibilidade e utilidade do galego e non reducila” (p. 11). “Hai que procurar as fórmulas axeitadas para fomentar esas actitudes positivas, refugando fomentar o rexeitamento cara ao galego, e apoiarse nesas actitudes favorables para facilitar a adquisición de competencia comunicativa na lingua, e traducir esta nun uso efectivo do galego ao menos nalgunhas interaccións sociais” (p. 11).

     E (10), em conjunto e em resumo, uma ausência total de precisão sobre os mecanismos específicos de promoção dos usos do galego (isto é, da realização das competências em práticas sociais reais, que não consiste na in-corporação ideológica duma dada definição da situação sociolinguística) com base, talvez, a uma concepção quase supersticiosa 😉 de que a “renovação” do discurso público a meio da etiqueta “bilinguismo restitutivo” vá causar na cidadania uma disposição maior ao uso do galego, que é o que interessa. Não o creio assim. Todo o contrário: “bilinguismo restitutivo”, na descrição feita, encaixa com a história da política e planificação linguística até agora, de resultados nefastos, de pretensa “normalización lingüística” (não “do galego”) pretensamente “progressiva”.  É exatamente o que diz querer o Decreto de Plurilinguismo e as medidas pontuais, fragmentárias, propagandístico-simbólicas a que nos tem habituado o departamento correspondente de Política Linguística.

     Parece-me útil qualquer debate genuíno sobre a crise da língua. Mas continuo a considerar que esse texto do IGEA é deficiente para centralizar um debate produtivo, sobretudo quando parece que o único que se pretende na polémica que surgiu é a consagração duma etiqueta, “bilinguismo restitutivo”.